Estou chocado com a notícia! Fazia iniciação científica na UFPE quando pela primeira vez ouvi falar dela. Nossa orientadora, Vera Milet, nos sugerira a leitura de Memória e sociedade antes de cair em campo a entrevistar os velhinhos da favela do Encanta Moça. Nada do que jamais li sobre história oral até hoje, compara-se ao registro e à reflexão acerca de seus encontros e entrevistas com Seu Adamastor, Dona Risoleta, Dona Alice, Seu Amadeu e os outros ali recolhidos.
Pouco depois viria a me encantar com um outro livro de sua autoria, salvo engano anterior àquele, sobre a Leitura de operárias. Metido que era, fiquei mais impressionado com sua apropriação da teoria da hegemonia de Gramsci, já tingida do cuidado com a palavra do outro à la Simone Weil, que por suas observações absolutamente originais, generosas e ao mesmo tempo contundentes sobre aquelas mulheres do povo que então começavam a fazer uso de certa literatura de massa.
Muitos anos depois, quando eu dirigia a Casa de Dona Yaya, tive o prazer de conhecê-la pessoalmente. Ela coordenava o programa da USP Aberta à Terceira Idade e sentávamos lado à lado no Conselho de Cultura e Extensão. Acho que ela não suspeitava de como me sentia acanhado em tê-la ao meu lado, e vira-e-mexe no correr daquelas longas sessões ela se dirigia a mim com tal informalidade e senso de humor que me fazia sentir mais importante do que eu era.
Apesar de não ter sido seu aluno, suas pesquisas continuam a me inspirar e de algum modo – espero – também como professor. É nessas horas que lembramos a honra que é poder ensinar em uma universidade que teve em seus quadros a figura de Ecléa Bosi. Que suas lições, gravadas em sua docência, em seus livros, na memória de tantos quantos com ela conviveram, continuem a irradiar a mesma ousadia intelectual que a moveu!
sobre o autor
José Tavares Correia de Lira é arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.