Fui a São Paulo pela primeira vez em julho de 1965. Meu objetivo principal era completar minha coleção de gibis “Combate”, com histórias em quadrinhos da II Guerra Mundial. Levado por meu irmão Marcão, desembarcamos na casa de meus tios Maneco e Aparecida e dos primos Zé Roberto e Flávio, que viviam no então distante e periférico bairro do Tatuapé, próxima às linhas de trem de subúrbio da Central do Brasil. Era uma pequena casa de fundos na rua do Ouro, vizinha ao meu outro tio Walter, próxima à praça Silvio Romero, o centro do bairro, que lembrava uma pequena cidade do interior à época. Se não estou enganado, a rua era pavimentada com paralelepípedos e não tinha movimento algum, nem parecia que estávamos em São Paulo.
Para ir ao centro de São Paulo, não havia metrô e o trem era complicado, havia poucos horários. Pegávamos um ônibus na praça Silvio Romero e seguíamos pelas movimentadas e congestionadas avenidas Celso Garcia e Rangel Pestana, a Radial Leste ainda estava em obras. Meus tios enviavam cartas para meus pais com o endereço da rua do Ouro, “que ficava paralela à rua da Platina”, diziam meus primos paulistanos (infelizmente, falecidos precocemente) com aquele sotaque tão diferente do nosso francano-mineiro.
Tempos atrás, fui participar de um evento científico na região e, no horário de almoço, resolvi fazer uma incursão ao local das minhas lembranças adolescentes, era uma viagem curta, uma única estação de metrô. A diferença de cinquenta anos é brutal. Da estação Tatuapé do metrô o acesso é direto a um grande shopping center. Dali, por uma rua com intenso comércio são duas ou três quadras até a praça Silvio Romero, passando pela antiga rua do Ouro. A praça não tem mais nada das minhas memórias, mas ainda lembra uma antiga praça do interior, com velhos jogando cartas, agências bancárias e comércio a sua volta, o ponto de táxi. A igreja no centro da praça foi modernizada, não consegui reconhecer uma única referência de outros tempos.
E a rua do Ouro? Lembro que, tradição das décadas de 1950 e 1960, todo início do ano as cartas que meu pai recebia dos meus tios que moravam no Tatuapé começaram a chegar, a partir de 1966, com um novo endereço, padre Estevão Pernet.
Eu li perneta, padre perneta, dei risadas do nome. Rua Padre Perneta. O fato é que decreto municipal de 28 de dezembro de 1965 mudou o nome da rua do Ouro para Padre Estevão Pernet. A rua da Platina, ao lado, não foi atingida. E quem teria sido esse padre perneta? Era um religioso da Congregação dos Padres Assuncionistas, criada na França. Pernet faleceu em 1899, em Paris. Algum vereador ou assessor do prefeito resolveu mudar o nome da rua sem pedir a opinião dos moradores e a rua virou “Padre Perneta”. Só que não tem mais nada a ver com a rua da minha adolescência, é congestionada e cheia de edifícios altos.
sobre o autor
Mauro Ferreira é arquiteto.