A gente ficou durante 10 dias, desde a passagem do ano de 1984 para 1985, esperando o momento em que o médico da UTI do Hospital Albert Einstein saísse pela porta, no fundo da sala de espera, para anunciar a morte do querido Artigas. No sábado, dia 12 de janeiro, a tal porta abriu e o médico cochichou com meu tio Giocondo, que teve a dura tarefa de nos dizer o que já sabíamos:
– O Artigas morreu.
Não lembro de todo mundo que estava lá nesse momento. Somente de alguns, como o Abrahão Sanovicz, Julio, meu irmão, alguns amigos. Minha mãe nos ordenou que procurássemos um lugar para a cerimônia fúnebre, e que não fosse na FAU USP. Acreditava que a morte do Artigas tinha sido provocada pela angústia que ele sentiu com o modo nada solidário com que, tanto a direita, quanto a esquerda da USP haviam conduzido o processo de reintegração dos cassados após a anistia. O gosto pelo poder já então promovia, e ainda promove, as mais improváveis alianças. Virgínia era sábia.
Fomos para o salão da Câmara Municipal, pelas mãos de um vereador do PCB que não tinha a menor ideia de quem fosse o homem morto, já que durante o discurso, aos pés do caixão, chamou Artigas de “Aristides”. Tarefas!
Lembro do Luis Carlos Daher e do Eurico Prado Lopes, ambos mortos muito jovens, alguns meses depois. Lembro do Miguel Juliano, do Paulo Mendes da Rocha, do Maria Helena Flynn, de Romeu, meu primo, e do Reginaldo, ao meu lado, sempre; também me lembro de alguns ex-alunos – antigos e novos – e amigos que passaram a noite nos consolando e contando dos momentos que passaram com o “velho”.
Amanheceu um domingo claro, típico de verão. Mas, na hora do enterro, uma pancada de chuva caiu de nuvens escuras e baixas, talvez para que a alegria da luz do sol não ofendesse a tristeza da despedida. Ou então, foi o Artigas que levou um pouco de luz para guiar nosso futuro, como disse o querido Flávio Mota.
sobre a autora
Rosa Artigas é historiadora.