Marielle, como explicar este luto, que me toma por inteiro desde teu assassinato?
Dentro dos milhares de votos que você recebeu, se encontrava o meu, votinho envergonhado de quem ainda não te conhecia e não havia resistido à pressão das mulheres da família para votar em você.
Aos poucos fui conhecendo o teu trabalho como parlamentar e me alegrando por não ter perdido o meu voto. Admirava tua capacidade de trabalho e a coragem de enfrentar os poderosos, representando e dando voz aos mais humildes, aqueles e aquelas que não tinham a oportunidade de se manifestar.
Para mim você representava o futuro! Marielle Deputada! Marielle Prefeita! Marielle Presidente, quem sabe!
Foi então que te conheci e aos teus olhos! Era segunda feira, dia das “ProvocaAções” na Casa de Estudos Urbanos, desta vez o tema da discussão era Feminismo, as provocadoras eram duas mulheres, uma branca e uma negra e, para minha surpresa, você apareceu.
Discreta, permaneceu em pé, o evento tinha começado e a pequena sala da Casa de Estudos Urbanos estava repleta. Eu, sentado na primeira fila, não percebi tua chegada, até que você falou.
Atraído pela tua fala torci-me na cadeira, sabendo que teria que enfrentar as dores da esclerose que me acompanha há dez anos.
Esqueci as dores, esqueci até mesmo o conteúdo da tua fala, várias vezes interrompida pelas palmas dos participantes, perdi-me nos teus olhos que brilhavam como faróis, iluminavam todos nós com o teu entusiasmo e energia.
Falavam a verdade e, a verdade que transparecia nos teus olhos, nos iluminava. Até hoje não sei a cor que tinham, seu intenso brilho não me permitiu sabe-lo.
Só sei é que neles me perdi, e isso não é pouco.
nota
NE – Marielle Franco, socióloga, feminista, militante dos direitos humanos e vereadora na capital carioca pelo PSOL, foi assassinada no dia 14 de março de 2018 no bairro do Estácio, na Região Central do Rio de Janeiro. Sua morte, e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, tem indícios de execução.
sobre o autor
Luiz Carlos Toledo, arquiteto, mestre e doutor pelo PROARQ-UFRJ, diretor da Mayerhofer & Toledo Arquitetura, autor do Plano Diretor Sócio-Espacial da Rocinha (2006) e diretor da Casa de Estudos Urbanos. Recebeu do IAB-RJ o título de Arquiteto do Ano em 2009.