O sítio é um bosque sagrado numa ilha em frente a Piazza San Marco, atrás de uma igreja de Palladio e de um mosteiro beneditino de origem medieval.
A encomenda, feita pelo Vaticano, foi sucinta: uma capela de caráter efêmero, que não ultrapassasse uma área de 7x10m.
O que fazer em Veneza, cidade de tanta beleza e tanta arquitetura, onde tudo parece já ter sido construído e imaginado?
Quase nada.
Quatro traves de aço dispostas ortogonalmente, configurando um banco e uma cruz.
Sete lastros de concreto enterrados a poucos centímetros no solo – rasos como as águas de Veneza –, e é tudo.
Não há dentro ou fora. Nem piso, parede, cobertura.
Em alguns momentos mesmo os elementos construídos se dissolvem no espelhamento do céu e das árvores sobre a superfície ultra polida do metal.
Então a ausência de limite adquire uma dimensão cósmica que toca o sublime.
Experimenta-se uma introspecção que equivale a um exercício espiritual.
O reconhecimento da dimensão humana, que é também o reconhecimento da fraqueza humana, é acentuado pela suave instabilidade da estrutura, que parece prestes a se soltar do chão para se juntar às embarcações tipicamente venezianas que flutuam pelo canal da Giudecca.
O desenho lacônico da capela relaciona-se com a tipologia da planta cruciforme que pertence à tradição católica, invertendo porém o sentido de monumentalidade da igreja palladiana com um frescor que revitaliza a procura por Deus.
Há no traçado também uma analogia possível com a espinha dorsal de Rossi para o cemitério de Modena. Um corpo reduzido à sua ossatura. Purificado. Rumo ao absoluto.
“Isto é um banco”, indica a estranha placa fixada ali.
Não, isto é arquitetura. A arquitetura de Carla Juaçaba. Sereníssima.
sobre a autora
Ana Luiza Nobre, arquiteta, é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio.