Se o senhor me permitir, Jorge, gostaria aqui de fazer um exercício de projeto. Daqueles exercícios que eu tenho certeza que o senhor frequentemente fazia ao caminhar pelas ruas de São Paulo e se deparar com tantas possibilidades perdidas.
Permita-me imaginar as possibilidades desse espaço do Parque Anhembi. Fico imaginando por exemplo no que Lina Bo Bardi fez com aqueles galpões velhos em Pompéia. Fico imaginando no que Paulo Mendes da Rocha fez num prédio de onze andares no centro de São Paulo. Quanta gente, Jorge, quanta gente feliz ali. Agora imagine, com toda a nossa carência de espaços públicos nessa cidade, com todo este potencial construtivo existente no Parque Anhembi. Que lindo projeto poderíamos construir. Poderíamos aproveitar aquela linda cobertura a 14 metros de altura, com piso plano cheio de infraestrutura no seu subsolo. Não é um presente? Estão lá prontos e chamando para algo novo. Imagina o que os nossos arquitetos poderiam fazer nesse espaço? Quantos escritórios de alta qualidade temos aqui, difícil escolher um.
Fico imaginando agora que aquele espaço do Pavilhão de Exposições pudesse ser experimentado sem aqueles corredores apertados das feiras. Ah, Jorge, eu fui uma felizarda em poder percorrer esse espaço desnudo. E garanto a você que se esta experiência fosse compartilhada pelos cidadãos seria inesquecível. A minha sensação ao adentrá-lo pela primeira vez, sinceramente, foi muito similar à experiência do caminhar na Praça de São Pedro em Roma. Eu sei, desculpe-me tal comparação, o senhor lutou desde estudante contra o academicismo. Mas estas experiências estéticas são muitas vezes individuais. E no caso, as aberturas da cobertura viradas para o sul e fechadas para o norte, conformam um movimento de luz e sombra, de volume que se abre e cerra a cada passo que se dá, de movimento involuntário de algo vindo do céu, mas controlado pelo nosso caminhar. De algo sólido que se desmancha no ar. Ah, como seria bom que as pessoas pudessem ter essa experiência. Tanta tecnologia esconde tamanha sensibilidade. Mas ninguém teve esta experiência e as pessoas preferem viajar para Roma. Porém, peço que continue imaginando caminhar sob aquela cobertura de alumínio com 60 mil metros quadrados sem bloqueios visuais. Imagine que atividades culturais, artísticas, esportivas poderiam ocorrer ali de forma fluida, com divisórias leves, baixas, ou transparentes. Poder-se-ia pensar numa setorização das atividades acontecendo ali naquele imenso vão. Volte os olhos para o Sesc Pompeia. Veja como é possível.
E ainda tem o Palácio das Convenções com todos os tipos de auditórios. Onde poderia ocorrer shows, palestras, aulas, cursos. Tem até uma cozinha industrial onde poderia haver aulas de gastronomia. Fico imaginando que até mesmo o viveiro de pássaros pudesse ser retomado no lugar daquela cobertura "provisória" executada para vender mais espaços de exposições. Seria uma atração para as crianças. Ainda é possível retirá-la, viu. Foi feita de modo que é possível retirar suas vigas e, ser for necessário aproveita-la para outra coisa. Até a laje poderia virar um solário. Por que não? Fico imaginando então aquela praça reformulada conforme o senhor mesmo pensou lá no início, estruturadora e organizadora dos espaços. Um verdadeiro espaço público, uma nova centralidade para a cidade metrópole agora muito mais gigante do que aquela que o senhor enfrentou. Eu sei, o senhor até escreveu os termos da lei de concessão do terreno que exigia a contrapartida dos exploradores: construir essa área cívica com restaurante, jardins, tribuna, playground, museu etc.; e também um parque. Infelizmente nem o desenho e nem a lei foram fortes o suficiente para criar este espaço público. Exploraram 40 anos, São Paulo ganhou visibilidade nacional e internacional na área do turismo de negócios, foi maior destino turístico do Brasil por vários anos, desbancou até o Rio. Ganhou uma estrutura, produziu e reproduziu a cidade que é hoje. E o espaço público exigido? Ninguém fala nesse assunto, simplesmente esqueceram e foram embora. E agora querem explorar mais. E devo lembrar ainda que grande parte do investimento foi público mesmo, fatias do imposto de renda foram destinados a esse projeto via Embratur, na época. Lembra? Dinheiro que deveria voltar para a população. Ah, mas não deixe de imaginar. Imagine mais possibilidades futuras. Imagine tudo isso ao lado de um belo Parque. Sim, aquele terreno do Campo de Marte. Seria algo comparável ao Ibirapuera, não? É, por que não dá para imaginar mais como o senhor pensou a praça voltada apenas para o Rio Tietê. Aquilo virou uma calha rodoviária muito pesada, diferente daquela possibilidade que ainda existia na sua época. Mas quem sabe também um dia isso seria possível? Virar-se para o Rio novamente. Quem sabe. Por enquanto podemos imaginar todo esse equipamento continuo a um grande parque no lado norte. Imagine, Jorge, imagine.
Porque discutir tanta besteira por aí, não quiseram tombar o Anhembi e agora tem gente falando em tombar até o seu nome. Pra que tanta besteira, ampliação de taxas de ocupação, e tanta besteira. Pra que exigir que seu uso seja expositivo é destinado apenas às feiras? São Paulo já se equiparou e o Parque Anhembi já cumpriu o seu papel com os empresários e industriais. Quarenta anos já foi suficiente. Vamos imaginar outra coisa mais interessante, aquilo que traz qualidade a vida de quem mora aqui. E outros poderiam desfrutar também, por que não? Será que não sobrou nenhuma pontinha de entendimento público nesses homens? Será que eles não vivem nessa cidade e não sentem no dia a dia as suas carências? Ah, vamos continuar imaginando mestre, tenho certeza que o senhor tem ideias melhores do que as minhas.
Abraço.
sobre a autora
Raíssa Pereira Cintra de Oliveira é arquiteta (PUC-Campinas, 2002); mestre (bolsas CNPq e Fapesp, 2008) e doutora (bolsa Fapesp, 2016) em História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo na FAU USP. Atualmente atua ministrando aulas na graduação no Unasp. Atuou profissionalmente como coordenadora de planejamento e projetos da Diretoria de Infraestrutura da São Paulo Turismo de 2008 à 2013.