Leio no Facebook, mas já havia sido alertada por amiga: o Sebrae de Alagoas aprovou projeto de design de móveis para empresa em que uma superfície com orifícios foi realizada com objetivo de comemorar o Quilombo dos Palmares.
O movimento negro reagiu em contrariedade, com toda razão! Como aceitar que um instrumento de tortura – o tronco no qual se amarravam escravos para açoite, seja trazido para o design contemporâneo como emblema de ancestralidade positiva?
Desconfio pesadamente que a responsabilidade por esta noção ideológica bem atravessada esteja nas (in)definições onipresentes de brasilidade.
Essa noção imprecisa, carente de historicidade como vem sendo manuseada nos discursos de design, leva a cada coisa...
Por exemplo, o enaltecimento da precariedade, que subtrai da maioria os direitos de moradia, saneamento... A vil exploração de populações pobres e desempregadas sob o lindo nome de inclusão social, projetos de valorização do artesanato etc.
As noções de brasilidade estão impregnadas de valores que decorrem de nossa história escravocrata, que precisa ser passada a alimpo com rigor (não vi ainda a mostra, mas Ricardo Ohtake me presenteou com os catálogos da exposição Histórias Afro-Atlânticas que está agora no Masp e no Instituto Tomie Ohtake e que apresenta essa discussão em inúmeras frentes).
Está mais que na hora de o mundo do design se relacionar seriamente com as pesquisas de história e ciências sociais, atualizar-se em relação à história social e despir essa vestimenta fantasiosa de que o design é sempre o caminho do Bem. E que nesse caso de Maceió revela apenas que o rei e seus súditos estão nus.
sobre a autora
Ethel Leon é jornalista, pesquisadora, professora na área de história do design brasileiro e autora dos livros Memórias do design brasileiro, IAC – Primeira Escola de Design do Brasil, Michel Arnoult, design e utopia – móveis em série para todos e Design brasileiro – quem fez, quem faz.