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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
A escola vocacional dos anos 1960 desenvolveu métodos pedagógicos revolucionários, desprezados e descartados pelos responsáveis pela educação no país após o golpe militar de 1964.

how to quote

ZEIN, Ruth Verde. Sobre nosso suposto atraso educacional. A experiência do ensino vocacional em São Paulo na década de 1960. Drops, São Paulo, ano 19, n. 130.04, Vitruvius, jul. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.130/7048>.



Passeando pelo Facebook uma manhã me deparei com uma vídeo-reportagem do Jornal da Band compartilhada com o seguinte comentário: “Um pouco das escolas suecas: só para vocês terem uma pequena ideia do atraso educacional brasileiro” (1). O vídeo mostrava o cotidiano de uma escola sueca, alunos jovens aprendendo a cozinhar, fazer trabalhos manuais etc., sem discriminação de sexos.

Ora, me pareceu ser novidade alguma; e quanto ao atraso, nem tanto. Estudei, no Brasil, em São Paulo, em uma escola pública, nos anos 1960, que era assim, ou era até mais que isso. Fazia parte do “sistema de ensino vocacional”, programa criado sob inspiração da educadora Maria Nilde Mascellani. Houveram várias escolas (ginásios e colégios) vocacionais, experimentos incrivelmente inovadores, e era comum nos visitarem educadores de todo o mundo para conhecer e estudar seus processos pedagógicos (2). Entretanto, em vez desse experimento ser multiplicado e vir a transformar possivelmente toda a educação brasileira, as(os) educadoras(es) que trabalhavam incansavelmente por essa inovadora proposta foram perseguidas(os) e o ensino vocacional finalmente eliminado pela ditadura militar e seus asseclas.

Porque, além de formar pessoas que aprendiam a cozinhar, arrumar casa, datilografar, cantar, desenhar, costurar, fazer reparos elétricos, trabalhar em marcenaria etc. – atividades sempre compartilhadas por toda(os) alunas(os) –, formavam pessoas éticas e íntegras, que sabiam pensar criticamente. Em aulas de “atualidades” jovens de 12-13 anos discutimos em 1967 a Guerra do Vietnã, em 1968 o AI-5, debatíamos todo e qualquer assunto, em todas as classes, fossem de português a ciências; ademais, é claro, do estudo completo de todo o currículo “regular”. Tudo o que vocês podem ver no vídeo sobre a escola Suécia já se praticava, e como se disse, ia-se até muito mais além (3).

Entretanto, a ignorância, a maldade, a inveja e o medo paranoico contra qualquer mudança lograram acabar com o ensino vocacional. Hoje olhamos experiências de outros países, que praticam o que aqui já se fazia há 50 anos atrás, e ficamos todos estupefatos, desgostosos e invejosos, como se isso fosse impossível de se ter. Esquecemos, como sempre, nosso melhor passado. O fim do Ensino Vocacional foi uma perda imensa, com desdobramentos infindáveis. Porque, então, toda(os) que dele participavam estavam empenhados em formar novos professores nessa pedagogia e em espalhar as boas propostas por todo ensino público, e além. Acredito que esse objetivo teria sido alcançado. E que isso, certamente, foi o que atraiu, ainda mais, a ira dos retrógrados assumindo o poder.

Por isso, porque vim desse ensino formador e libertário, sou incapaz de entender porque há gente que apoia estupidezes como “escola sem partido” – ou seja, sem pensamento crítico. E/ou apoia desavisadamente políticos que querem, e já estão, de novo, retrocedendo o país, buscando eliminar tudo o que seja inteligente, crítico e libertador. Gente incapaz de entender como a boa educação é o caminho para a transformação do mundo para melhor. Gente que prefere o atraso para se perpetuar em seus podres poderes exclusivos e excludentes. Poderíamos, tivessem já transcorrido 50 anos de aplicação das “inovações” do ensino vocacional (que invejamos na Suécia, mas massacramos entre nós) sermos hoje, como país, também um exemplo de uma sociedade igualitária, porque a boa educação tem uma força incrível – e por isso mesmo, é temida pelos que preferem as sombras. A truculência matou essa possibilidade, então. E o que é que se está plantando, para os próximos 50 anos? Mais truculência?

Em vez de olharmos a educação sueca como quem pensa que isso só é possível lá, podíamos todos refletir sobre o caso do ensino vocacional (4). Podíamos, podemos, todos, em vez de desistir porque está difícil – e está – continuar pensando criticamente, continuar  acreditando que aqui também se pode. Mas para isso é preciso não aceitar que seja inevitável esse rumo insano e retrógrado que o país tomou, nos últimos 3 anos. Algo precisa mudar, tudo precisa mudar. E não será apoiando a ignorância e a truculência que isso se fará.

notas

NE – texto publicado originalmente no Facebook e republicado na revista Drops com algumas modificações e autorização da autora.

1
JORNAL DA NOITE. Crianças suecas aprendem a cuidar de casa na escola.  São Paulo, Rede Bandeirantes, 24 out. 2012 <http://videos.band.uol.com.br/13425227/criancas-suecas-aprendem-a-cuidar-de-casa-na-escola.html>.

2
Há várias teses, artigos, trabalhos acadêmicos, depoimentos filmados etc. sobre a experiência do sistema de ensino vocacional e sobre a educadora Maria Nilde Macellani. Para uma boa introdução, ver: TAMBERLINI, Angela Rabello Maciel de Barros. Ensino vocacional: formação integral, cultura e integração com a comunidade em escolas estaduais paulistas na década de 1960. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 70, dez. 2016, p. 119-137 <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/download/8649211/15748>.

3
Sobre as atividades e práticas didáticas dessas escolas, ver: “Ensino Vocacional”, filme realizado no Colégio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha pelos alunos do Curso de Comunicações Culturais, coordenação dos professores Maurice Capovilla e Rudá de Andrade, direção de Aloysio Raulino, Jan Koudela, João Candido, Placido de Campos Jr., Roman Stulbach e Walter Luiz Rogerio, São Paulo, 12 min, 35mm, P&B, 1969 <https://youtu.be/lI0ICdQL5wU>.

4
E estou certa de que o ensino vocacional paulista não foi caso único e isolado, que houve e devem ter havido e podem estar havendo outras experiências valiosas mais, em todo país, que também, devem ser revalorizadas.

sobre a autora

Ruth Verde Zein, arquiteta FAU USP, mestre e doutora, Propar UFRGS, professora na graduação e pós graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi membro do Comitê Organizador do X Seminário Docomomo Brasil, de 2013.

 

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