“A arquitetura tem uma atribuição utilitária: abrigar determinada função. Ela se distingue da mera construção quando emite valores subjetivos percebidos animicamente, fator que a transforma em um objeto cultural”.
Paulo Casé, 2011
Quando ingressei na Faculdade de Arquitetura de Universidade do Brasil, em 1962, não imaginava que iria conviver com vários expoentes da arquitetura brasileira. Não foram poucos os professores que muito admirei naquela época. Entre eles, um jovem e promissor arquiteto destacava-se no meio das celebridades que circulavam pelo recém-inaugurado prédio da Arquitetura, na Ilha do Fundão. Esse arquiteto se chamava Paulo Casé.
Dono de uma simpatia singular e de uma simplicidade sincera que servia de exemplo para os que eram metidos à besta, Casé se via cercado por alunos quando sentava-se à prancheta para conversar e opinar sobre os seus trabalhos. Dotado de uma facilidade extraordinária para fazer croquis com sua lapiseira de grafite macio, ao final do atendimento percebia-se uma série de desenhos ilustrativos das suas ideias incorporados ao estudo apresentado. A linguagem desenhada sempre foi o seu forte e prevalecia sobre o discurso falado.
Uma viagem ao exterior, em meados de 1965, me aproximou definitivamente de Paulo Casé. Eu e mais cinco colegas resolvemos organizar uma exposição sobre a arquitetura brasileira e leva-la a diversas universidades latino-americanas. A direção da faculdade só facilitaria a aventura se algum professor acompanhasse o grupo. Pela empatia recíproca não me foi difícil convidar o professor Paulo Casé, que, de pronto, aceitou o convite.
Com todos os preparativos realizados, os painéis com as obras de Oscar Niemeyer e Sergio Bernardes devidamente embaladas, mais de trezentos slides de arquitetura selecionados e passagens cedidas em avião do Correio Aéreo Nacional, esperamos, no Galeão, o embarque para Quito no Equador. Depois de uma hora de espera, sem qualquer explicação fomos comunicados que a nossa autorização de embarque havia sido cancelada por ordem superior do Ministério da Aeronáutica. Até hoje não se sabe o motivo, apesar de desconfiarmos de alguma suspeição política sobre a finalidade da nossa viagem.
Passado os primeiros momentos de revolta e de indignação, não restou alternativa senão sairmos dali direto ao apartamento do dileto professor Paulo Casé para afogar as mágoas com um bom uísque escocês. Nesse dia nasceu a nossa longa amizade que perdurou ininterruptamente por mais de cinquenta anos. Os onze anos de diferença de idade jamais impediram uma aproximação maior e a troca permanente de ideias.
Recentemente, estivemos juntos na casa dele, na companhia de nossas mulheres, jogando conversa fora e lembrando as inúmeras aventuras que juntos compartilhamos ao longo da vida. Cada lembrança era acompanhada por risos intermináveis. Parecíamos dois garotos ou dois velhotes sorrindo ao reviver momentos felizes de nossas vidas. Foi a última vez que nos encontramos e depois disso só nos falamos por telefone quando ele me ligou para elogiar o depoimento que dei para o filme que está sendo produzido contando fatos da sua história e que, em breve, será lançado.
Guardo dele com muito carinho um belo exemplo de vida. Dele adquiri a modéstia de quem nunca precisou da empáfia para mostrar o bom e talentoso arquiteto que foi. A simplicidade em tratar de igual para igual aqueles que com ele convivia e os colegas mais jovens de quem sempre foi um mestre. Guardo também na lembrança o seu jeito boêmio de ser e de dividir uma mesa de bar ou de um restaurante com os amigos de toda a sua vida. Os mesmos que nos dia do seu aniversário de oitenta e cinco anos compartilharam da alegria geral em um almoço no Guimas. Lá estive em companhia de seus velhos e inseparáveis amigos.
Hoje, deveria estar falando do arquiteto que inspirou tantas gerações com sua criatividade e competência profissional. Quem sabe também citar e comentar os seus projetos singulares sempre reconhecidas por sua grande qualidade. Mas, o coração falou mais alto. Com algumas lágrimas na face preferi falar do querido amigo que partiu deixando saudades.
Adeus meu amigo, meu irmão, meu velho companheiro.
nota
NE – Texto publicado originalmente na página Facebook do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio de Janeiro – IAB/RJ.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.