A semana foi marcada pelo espetáculo de crueldades que impediu um senhor de 72 anos, que sobreviveu a um câncer e perdeu a esposa exatos dois anos atrás, de sair da prisão para comparecer ao enterro de seu irmão mais velho.
A Lei de Execuções Penais afirma que condenados e presos provisórios “poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente ou descendente ou irmão” (art. 120, grifo meu).
Concordemos ou não, isso é direito do preso e não benevolência do juiz. Suzana von Richtoffen, condenada por planejar a morte de seus pais recebe há anos permissão para sair da prisão... no Dia das Mães.
Mas não valeu para Lula. A juíza responsável decidiu perguntar ao Ministério Público, que decidiu perguntar à Polícia Federal... se era o caso de cumprir a lei. E a resposta foi não.
Em grau de recurso, o presidente do supremo decidiu que a lei lhe garantia sim esse direito. Mas seu irmão já estava enterrado.
Até aí, isso só reforça a convicção dos muitos, dentro e fora do país, que pensam que Lula está preso por razões políticas e que a lei que vale para ele não vale para todos e a que vale para todos não vale para ele.
Mais preocupante é perceber, nas redes sociais ou nas conversas, a naturalidade – quando não a raiva – com que uma parte da população aceita e defende os argumentos para o descumprimento da lei.
Hannah Arendt, uma das maiores pensadoras do século 20, cunhou a expressão “banalidade do mal” para indicar seu espanto ao ver que os líderes nazistas, responsáveis por atrocidades chocantes, eram pessoas normais, com ódios e preconceitos “normais”.
Na língua inglesa se usa a expressão next door para indicar uma pessoa normal, como eu e você, alguém que poderia ser o vizinho da porta ao lado.
O Brasil está cheio de monstros next door.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos.