Noto, preocupado, alguns comentários de amigos e colegas que tratam os eventos do atual governo apenas como risíveis. Creio ser um erro. Recordo que na ditadura de 1964 muitas piadas correram sobre a presumida falta de erudição, inteligência e a máxima tolice de militares. O alvo maior foi Costa e Silva. Nos EUA, quando o militar lá esteve, diziam as anedotas, se alguém batesse à porta, Costa Silva diria “between”. Se um problema de matemática era proposto, o afoito exclamaria “qualquer criança resolve”. Instado a equacionar a questão, diria “chamem uma criança”. Até o desodorante 1010, o presidente chamaria de ioiô. E as risadas seguiam, fartas.
Nada contra o riso, pelo contrário! Tenho um livro inteiro sobre a sátira, no qual defendo o uso do ridículo para castigar tolices e arrogâncias de poderosos. Mas preocupa imaginarmos que o ridículo seja o pano de fundo de uma camada de governantes. Ele, na verdade, é apenas ensaio para dissolver resistências mais severas dos governados.
Luciano de Samosata tem um conto sobre Dionísio que deve fazer refletir. Os indianos inimigos de Dionísio caíram na gargalhada ao enxergar o seu “exército” composto de gente fraca e engraçada. Ledo engano. Dionísio e seu “exército” reduziu os indianos e seus elefantes ao pó, impiedosamente.
As bobagens do Chanceler, do ministro da Educação, da ministra pastora, e outras, podem perfeitamente ser uma armadilha para que, rindo, ajudemos a nossa derrota. Os ensaios truculentos e nada engraçados contra a universidade pública (o suicídio do reitor, a invasão e prisão dos administradores da UFMG e outras) deram passagem ao exército ridículo. Mas nos bastidores são armadas ações que agradam empresários e truculentos vários, com dimensão trágica.
Riamos dos gracejos e tolices, mas sem cair na autoconfiança suicida. Com o AI-5 ficou claro que as risadas sobre os militares foram ineficazes para banir o arbítrio e a truculência. Sem goiabeira ou sem cartinhas aos professores, a técnica do poder pela força será mantida e ampliada. É sempre bom seguir o ensino de Spinoza: cautela!
sobre o autor
Roberto Romano, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.