Três manifestações de rua em um único mês indicam que a sociedade brasileira não está tão passiva quanto denunciam alguns e desejariam outros.
É verdade que aqueles, como eu, que consideram esse sintoma positivo, devem agradecer ao que alguém, acuradamente, chamou de idiocracia. Como homenagem à freudiana fixação por títulos falsos das universidades americanas, podemos também chamar de idiocracy.
O neologismo indica um momento do país em que não é o povo (demo), nem simplesmente o dinheiro (pluto), nem a elite (aristo) que estão no centro do exercício do poder.
Mas um conjunto de idiotas levados a essa posição pela peculiar articulação entre os donos do dinheiro (os plutocratas), as classes médias que morrem de medo de não se diferenciar dos pobres (os demófobos), e os setores do aparato estatal, civil e militar, interessados na ampliação de seus privilégios.
É o caso de esclarecer a diferença entre o idiota e o ignorante. De origem grega, idiota significava inicialmente individuo ignorante e sem educação. Entre nós, está dicionarizada com dois sentidos: como pessoa que carece de inteligência; ignorante ou estúpido, mas também como pessoa pretenciosa, vaidosa e tola.
Inegável que os idiotas no poder conjugam admiravelmente os dois sentidos. Não lhes bastando ser ignorantes, exibem vaidosamente sua tolice, em uniformes falsos, caixas de chocolate ou guarda chuvas.
Também é o caso de lembrar que a ignorância não é, em si, um atributo negativo. Há um sentido positivo na ignorância que se reconhece, com humildade, frente a tudo que ainda falta saber. É esta que move a dúvida sistemática, a reflexão e a aposta no exercício do contraditório como condições para o avanço do conhecimento. É ela que justifica o investimento público no ensino e na pesquisa. Essa é a ignorância – ou a sua consciência – útil.
Hoje está no poder a outra. Aquela que reconhece sinceramente que não veio para construir nada, só destruir. E o afirma com a satisfação dos irrecuperavelmente idiotas.
In-úteis, em sentido preciso.
sobre o autor
Professor do IAU USP, reconhece sua ignorância, mas não se orgulha dela.