Caminhava em direção à minha casa, dividida com minha companheira. Uma casa em meio à tantas outras, posicionada especificamente naquela arbitrária rua. Meu caminho era certo, gravitava até a residência. Ter uma morada faz com que a cidade seja um lugar passageiro, onde colhemos histórias para levá-las para casa depois.
Em frente ao portão, que se abre pois tinha o segredo, fica o limite entre dois mundos: um nosso, grande em profundidade; outro também nosso, grande em extensão. Entro, é o fim do dia. Ainda é uma casa imersa no mundo, mas agora vejo apenas suas paredes internas. Em cima da mesa, coisas que trazemos da rua; nas paredes, confiança; na cozinha, gratidão; no chão os passos dela chegando. Nos encontramos ali, naquele aqui, enquanto a cidade toda era um lá, um além.
Enquanto na rua, ia em direção a esta casa com segurança pois sabia que lá morava o amor. A felicidade foi poder compartilhar a casa com ela e com o amor, ao mesmo tempo. Evento raro. Avistava de longe a pequena casa de fundos, como num mapa impossível que me dizia onde ir. Na paisagem, se destacava dentro de mim, pois não era diferente das outras fachadas alinhadas na calçada. Quando uma casa vira lar, comprar quatro pãezinhos na padaria da esquina se transforma em poesia; o supermercado vira um mero servo da pequena edícula; a rodoviária, apenas mais uma soleira para atravessar e chegar na morada.
Os versos duram enquanto durar a poesia, as palavras só avançam até findar a conversa. As paredes do lar foram se deslocando aos poucos para os lados, desalinhando-se das paredes da casa. À lenta velocidade vimos aquele lugar se transformar, sair do lugar. Por vezes nos restava apenas os tijolos nus, e a gente desprotegido lá dentro. Acontece que aquele era apenas um endereço, um primeiro que iríamos encontrar. Dia após dia o amor encaixotava um pouco das suas coisas e saía, levava para outro lugar, sem avisar. Quando vimos, tinha se mudado. E a gente lá.
Sem mais gravitar em direção ao lar, depois de se perder no mapa do próprio bairro em busca daquela casa comum, uma pergunta se ilumina no semáforo. Onde será que o amor mora agora?
Sem saber onde procurar, encaixotamos nossas coisas, e partimos.
sobre o autor
Rafael Baldam é urbanista arquiteto pela Unicamp, mestrando em Arquitetura e Urbanismo pelo IAU USP; editor da Revista Rasante – intersecções entre arte e cidade; possui trabalhos em ilustração, quadrinhos e poesia.