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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Carlos A. Ferreira Martins, professor do IAU USP São Carlos, afirma ser 2019 um ano semelhante a 1968, ou seja, um ano que não se acaba.

how to quote

MARTINS, Carlos A. Ferreira. 2019, o ano que não terminará. A não ser que tudo acabe antes.... Drops, São Paulo, ano 20, n. 147.07, Vitruvius, dez. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/20.147/7579>.


Cena final do filme Melancolia (“Melancholia”, 2011), de Lars Von Trier
Imagem divugação


A mitologia natalina – esqueça os presentes – está apoiada na ideia de renascimento, na nostalgia de um tempo em que o ciclo da vida se completa e repõe, como as estações do ano, o dia e a noite ou a criança que sucede ao ancião. Para os cristãos, a celebração da criança que veio para nos redimir e nos ensinar a amar.

Por isso é lugar comum no jornalismo a série de balanços do que foi o ano que se encerra e do que se pode esperar daquele que se inicia. Mas às vezes um ano não termina, como propõe o livro de Zuenir Ventura sobre 1968, que meio século depois continua um emblema para o bem e para o mal.

Creio que, daqui a muitos anos, perceberemos 2019 como um ano que interrompeu o circulo mais ou menos virtuoso do renascimento e da restauração. Que perceberemos que algo muito frágil se rompeu. Provavelmente não apenas na sociedade brasileira, mas aqui de uma forma particular.

Rompeu-se o sentido da solidariedade, a tolerância e o esforço de compreensão. Talvez tenha se rompido sobretudo a capacidade de se indignar, como resultado da naturalização socialmente construída do ódio, da violência e da agressão. Não importa se em nome da economia, da ideologia ou da fé.

O covarde ataque com bombas molotov ao Porta dos Fundos não é considerado terrorismo. Nem queimar templos de umbanda em nome de Deus.

Ninguém mais lembra quantos indígenas, ambientalistas, pretos e pobres foram mortos neste ano, nem se cobra mais o assassinato de Marielle.

Homossexuais são espancados por manifestar seu amor em público e seus algozes certamente celebram o Natal em família.

Os trabalhadores são escorchados, a fome e os moradores de rua aparecem por todo lado, mas o governo prepara um pacote de socorro aos bancos.

Laranjais e rachadinhas pululam, mas o presidente afirma em mensagem à nação que não há mais corrupção.

Os vínculos da família presidencial com as milícias são cada vez mais expostos, mas a imprensa omite o sobrenome de um tal “Flávio”.

O enésimo ataque às universidades públicas vem na forma de medida provisória publicada entre Natal e Ano Novo.

E nós, atônitos, desinformados ou indiferentes, insistimos em desejar um feliz 2020. Que não será feliz nem melhor que 2019, um ano que demorará muito para terminar.

sobre o autor

Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos.

 

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