Todo início de ano é marcado pelas mesmas notícias. Chuvas de intensidade “inesperada” provocam deslizamentos nas estradas, desabamentos nas periferias das cidades e enchentes no centro comercial de São Carlos.
Como isso acontece todos os anos a primeira pergunta é: porque autoridades e jornalistas insistem no “inesperado”? Todo os anos as mesmas “explicações”: este ano choveu mais do que o esperado; em poucos dias choveu mais do que na média do mês; em poucas horas caíram espantosos não sei quanto milímetros etc.
Em São Carlos, o próprio prefeito, usando a autoridade de sua memória pessoal, nos lembrou que “sempre foi assim”. Ou seja, enchentes são um fato da natureza e a possibilidade de enfrentá-las está descartada porque seria caríssima. Airton Garcia chegou a falar em 600 milhões, o que seria impensável para uma cidade que até para recapear suas ruas precisa recorrer a empréstimos externos.
É hora de dar um basta, se não às enchentes, ao menos a essa enrolação. É claro que isso exige conhecimento técnico. Mas exige também que não se enrole o público escamoteando algumas coisas que todo cidadão é capaz de compreender, se não houver interesse em mantê-lo na ignorância.
Regimes de cheia são um fato da natureza, enchentes não. A diferença é simples. Todo curso de água em condição natural tem períodos de sequia e outros de cheia.
Aprendemos na escola que a riqueza do antigo Egito vinha exatamente das cheias do Nilo. E que os sacerdotes se especializavam em prevê-las. E é claro que os camponeses não construíam suas casas nem os faraós seus templos ou palácios onde já se sabia que haveria cheias.
A enchente só ocorre quando seres humanos ocupam áreas que não deveriam. Como a região do Mercado em São Carlos, por exemplo.
Aí vem o falso pragmático para lembrar que “já está ocupado”, que “não pode ser demolido” e que, portanto, não há nada a fazer, além de lamentar e prestar solidariedade aos atingidos.
Balela ou empulhação. Combater ou administrar enchentes e seus efeitos não é fácil nem barato, mas não é impossível.
Esperamos que, por ora, não chova mais, mas voltaremos ao tema nas próximas semanas. Porque os administradores só voltarão, “surpresos”, no próximo ano.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – IAU USP, foi Secretário Municipal de Governo (2001-2004) e presidente do Comdusc (2007-2011).