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Nabil Bonduki, arquiteto e militante da área da cultura, comenta o recente fechamento do Cinearte, no Conjunto Nacional em São Paulo.

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BONDUKI, Nabil. A última sessão do Cinearte. O fechamento dos cinemas de rua em São Paulo. Drops, São Paulo, ano 20, n. 149.06, Vitruvius, fev. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/20.149/7650>.


Fotograma do filme A última sessão de cinema, de Peter Bogdanovich
Foto divulgação


Quem ficou em São Paulo e não curte Carnaval ou quem passou o dia pulando em blocos e quer, à noite, relaxar em uma cadeira confortável vendo um bom filme em uma tela grande, tem agora uma opção a menos: o Cinearte, um dos mais tradicionais e um dos últimos cinemas de rua de São Paulo fechou as portas.

Sua última sessão, no dia 19de fevereiro de 2020, foi triste e melancólica, como o velório de um amigo que morreu antes da hora. Era como se estivesse vivendo, na vida real, um personagem do filme A última sessão de cinema, de Peter Bogdanovich (1971), inspirado no livro de Larry McMurtry. Ele mostra a decadência de uma pequena cidade do Texas, tendo como fio condutor a vida social dos jovens em torno de um cinema que está prestes a fechar. Mas São Paulo não é um vilarejo estagnado do Texas, é a maior metrópole do hemisfério Sul, que requer uma vida cultural diversificada e viva.

O fechamento do Cinearte está diretamente ligado à (falta de) política cultural do governo Bolsonaro, que decidiu cancelar, entre vários outros, o patrocínio que o cinema tinha com a Petrobras. Como a maior empresa brasileira foi, desde os anos 1990, a maior patrocinadora e uma das responsáveis pelo enorme crescimento do cinema brasileiro, o fechamento do Cinearte é apenas a ponta de um iceberg da ruína cultural que está sendo promovida no país.

Ademar de Oliveira, um dos poucos exibidores que se dedica a promover o cinema independente, nacional e internacional, não se rendendo ao mercado monopolista das distribuidoras vinculadas a Hollywood, resistiu um ano sem patrocínio. Foi grande, mas “chega uma hora que não é possível continuar”, como afirmou, conformado e triste por ter que fechar as duas salas do Cinearte. “Minha história é de abrir cinemas”.

Ele ainda mantém 61 salas no país, mas, sem patrocínio, é muito difícil manter um cinema de rua com uma programação não comercial. Há alguns anos, teve que fechar também as salas do Cine Vitrine, assim como diversas salas de rua fecharam nas últimas décadas, como o Top Cine e o Gemini.

Cinemas atraem público e dão vitalidade para os espaços onde se localizam. Por isso, os shoppings centers dão condições especiais, como desconto ou isenção de condomínio e baixos aluguéis para a instalação de cinemas, pois eles são relevantes para o movimento comercial do estabelecimento. Mas, em geral, essas salas exibem apenas blockbusters.

Já os cinemas de rua cumprem um papel essencial para a vida urbana e, por isso, devem ser estimulados pelo poder público. Seu impacto sobre a vizinhança é imenso, pois povoam o espaço público do entorno e geram centralidades que beneficiam outras atividades de rua. Em todas as metrópoles avançadas, o uso do térreo dos edifícios para atividades culturais é uma estratégia para dar vitalidade à cidade.

Essa dupla função, urbana (valorizada pelo Plano Diretor) e cultural, pois abre espaço para filmes que não encontram telas para ser exibidos, justifica a criação de mecanismos para incentivá-los.

Em 2003, o anúncio que o Cine Belas Artes e o Cinearte estavam ameaçados de fechar gerou uma grande comoção. Uma vigília cinematográfica foi organizada para chamar a atenção para o problema, que foi revertido graças a obtenção de patrocínios. Como parte daquela luta, propus uma lei que permite aos cinemas de rua o pagamento do IPTU e ISS com ingressos, a serem utilizados pela prefeitura em programas de inclusão cultural e de formação de público.

Em 2011, em nova crise, o Belas Artes foi fechado por falta de patrocinador e devido ao alto aluguel. Novamente, a sociedade se mobilizou e impediu a transformação do cinema em um centro comercial. Depois de dois anos de impasse, a gestão Haddad intermediou um acordo que permitiu a reabertura do cinema.

Em seguida, no Plano Diretor, criamos um novo instrumento, a Zona Especial de Preservação Cultural – Área de Proteção Cultural (Zepec-APC), voltada à proteção de espaços com valor afetivo e simbólico para a cidade, como teatros e cinemas de rua, circos, centros culturais, espaços religiosos, residências artísticas e assemelhados. Em 2016, o Cine Belas Artes foi o primeiro imóvel a ser enquadrado nesse novo instrumento, que lhe garante proteção.

Não podemos nos conformar com o fechamento do Cinearte. Ele, assim como o Conjunto Nacional onde ele se insere, são patrimônios culturais e arquitetônicos da cidade. A sociedade precisa se sensibilizar e cobrar da prefeitura uma solução para a reabertura do cinema. Não podemos deixar que o cinema onde ocorria a abertura da Mostra Internacional de Cinema se transforme em uma igreja evangélica, como tem acontecido com inúmeros cinemas de rua em todo o país.

nota

Publicação original do artigo: BONDUKI, Nabil. A última sessão do Cinearte. Mais uma obra da arquitetura de destruição de Bolsonaro que precisa ser revertida. Folha de S.Paulo, São Paulo, 24 fev. 2020 <https://bit.ly/2I3N3BT>.

sobre o autor

Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP.

 

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149.06 política cultural
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