Pode parecer estranho numa semana marcada por motins de policiais encapuzados, tiros no peito de um senador e apoio do presidente à convocação de manifestação contra o Congresso e o Judiciário – posteriormente desmentida, como sempre de maneira ambígua – continuar a falar das chuvas, alagamentos e enchentes.
Uma razão para isso é que – apesar de toda a torcida, inclusive do colunista – as chuvas não param de provocar perdas humanas e materiais. A outra é que os flertes da coalizão bolsonarista com uma ditadura aberta não vão parar por enquanto e ainda será possível falar deles, ao menos antes que ela chegue de vez.
O bolsonarismo passará no Brasil embora seja irresponsável afirmar se isso se dará em dois, seis ou mais anos. As chuvas torrenciais e o total despreparo das cidades para os seus efeitos – assim como a irresponsabilidade de dirigentes municipais e estaduais e dos representantes dos interesses mais fortes no mal chamado desenvolvimento urbano – proprietários de terra, empreendedores e imobiliárias – continuarão provavelmente por mais tempo.
Nesta semana a grande imprensa divulgou que apenas um pequeno percentual do orçamento destinado à limpeza de córregos no município de São Paulo foi efetivamente executado. Em São Carlos nem ao menos ouvimos falar que haja uma dotação para esse fim. E se há, certamente nada de concreto foi feito a respeito.
O prefeito justifica sua inação afirmando que para qualquer combate ao efeito das enchentes seriam necessários “mais de 700 milhões de reais”, o que é uma maneira óbvia de dizer que nada será feito.
Os representantes das tais “forças vivas” interessados no “desenvolvimento da cidade” – na verdade interessados nos seus lucros – continuam sua campanha na surdina dos conselhos municiais pela mudança do plano diretor que, para eles é muito restritivo.
Mais construção nas áreas de proteção aos mananciais, exatamente onde as chuvas têm o efeito devastador que temos assistido; mais impermeabilização do solo e menos áreas verdes e destinadas a equipamentos sociais são as suas reivindicações básicas.
Traduzindo, mais lucros logo e a cidade de nossos filhos e netos que se dane. Até quando?
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do IAU da USP São Carlos, que tem capacidade intelectual reconhecida internacionalmente em política ambiental e urbana, mas não é chamada a esse debate.
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Desbarrancamento avança sobre a avenida em São Carlos
Foto divulgação