Morreu no último dia 3 de abril de 2020, aos 85 anos, a arquiteta e artista plástica Rizza Paes Conde. Tive o privilégio de ser seu aluno na Universidade Santa Úrsula, em 1987. No último dia de aula sabíamos, nós dois, que havíamos nos tornado bons amigos.
Rizza foi e fez muita coisa na vida – como arquiteta, urbanista, artista plástica e servidora pública. Mas é da professora que eu gostaria de falar. Porque Rizza foi uma professora extraordinária.
Para quem não se lembra ou ainda não teve oportunidade de saber, em meados dos anos 1980 a arquitetura brasileira vivia um momento de desorientação e certa perplexidade. A crise do modernismo e o advento do pós-modernismo eram vividos, aqui, como uma espécie de libertação: livres das amarras impostas por uma onipresente tradição modernista, xs mais jovens (e alguns não tão jovens – tenha-se em mente alguém como Paulo Casé, por exemplo) se deleitavam em suas pranchetas a ensaiar os jogos linguísticos que o pós-modernismo, súbita e inesperadamente, autorizava.
E se esse movimento foi importante e produtivo para a arquitetura produzida no Brasil naquele momento (tenha-se em mente por exemplo o que fizeram Jô Vasconcellos, Éolo Maia e Sylvio Podestá – para ficar nos nomes mais emblemáticos), foi também marcado por uma enorme desorientação conceitual/teórica: se o modernismo havia se tornado uma disciplina rígida e repressora (estabelecida e controlada, no Rio de Janeiro, pelo patriarca Lúcio Costa, e em São Paulo pela FAU de Artigas e seus muitos discípulos), o pós-modernismo não passava muitas vezes de uma falta de disciplina. Claro, algumas iniciativas foram lufadas de reflexão e esclarecimento (penso por exemplo na extraordinária Óculum, revista publicada a partir de 1985, dentre outros, por Abílio Guerra e, posteriormente, Silvana Romano). Mas de um modo geral o que prevalecia era um livre comércio de referência imagéticas mais ou menos sedutoras e por isso mesmo de grande apelo.
É nesse contexto que a atuação de Rizza se insere e se destaca. Porque junto com um grupo seleto de professorxs, Rizza trabalhou incansavelmente em sala de aula para que as experimentações formais e linguísticas de seus alunos e alunas (leia-se, para uma geração que, livre do fardo modernista, tinha que conviver agora com a insustentável leveza do “tudo pode” pós-modernista) fosse sempre acompanhada de reflexividade e autocrítica – precisamente os atributos da arquitetura praticada pelos mais importantes e consequentes arquitetxs pós-modernistas, a começar por Robert Venturi e Denise Scott-Brown (ou pelo genial Charles Moore, um dos arquitetos preferidos de Rizza).
Os exercícios que me lembro de ter feito em sua disciplina, nos quais se conjugavam sempre análises formais com produção textual, foram os mais ricos e instrutivos que fiz em toda a escola de arquitetura – na verdade, em toda a minha formação de arquiteto; foi graças a eles – e portanto à Rizza – que percebi a complexidade e a riqueza da arquitetura.
E se quis ser arquiteto e, mais ainda, se entendi que a arquitetura se faz também e talvez sobretudo na escola, foi graças à grande arquiteta que foi Rizza Paes Conde.
sobre o autor
Otavio Leonidio é arquiteto, doutor em História, professor associado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC Rio. Autor, entre outros, de Carradas de razões: Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (PUC-Rio/Loyola) e Espaço de risco (Romano Guerra/Nhamerica).