Quem visitou Havana ultimamente se espanta como num pais há sessenta anos sob bloqueio econômico dos Estados Unidos e seus aliados pode ter um centro histórico tão cuidado. Este milagre se deve a Eusébio Leal, que morreu no último dia 31 de julho. Eusébio era um historiador de arte brilhante, quando em 1967 foi guindado ao posto de Historiador da Cidade e restaurou o Palácio dos Capitães Gerais. Mas ganharia força no Período Especial, quando Cuba enfrentava a perda dos subsídios da União Soviética, em 1991.
A única alternativa para Cuba sobreviver era o turismo e Eusébio sabia que tinha nas mãos um Centro Histórico que era um grande ativo turístico, embora arruinado e super-povoado. Convenceu Fidel a transformar Havana Velha em um distrito autônomo dentro da cidade, criou a Habaguanex S/A, uma empresa para gerir hotéis, restaurantes, bares, agências de turismo e taxis, podendo importar e exportar. Um sistema semelhante ao adotado no Canadá e Estados Unidos conhecido como BID – Business Improvement District, em que a prefeitura repassa para um grupo local parte dos impostos arrecadados nos downtowns. Acusado de criar um Vaticano em Cuba, como na Itália, ele dizia que sim, mas o papa continuava sendo Fidel. Começou a restaurar ruas e praças e o casario para seus habitantes, com autoconstrução assistida, e garantia de não os expulsar.
Eusébio tinha, porém, uma pedra no sapato, a Plaza Vieja transformada, nos anos 1940, em um estacionamento em dois níveis, objeto de campanha internacional da Unesco, coordenada pela poderosa Sra. Marta Arjones, diretora do Patrimônio Cultura de Cuba, mas que não andava. Fui designado pela Unesco a fazer uma avaliação daquele projeto. Demonstrei que os países preferiam fazer convênios bilaterais que doarem via Unesco e sugeri encerrar a campanha e entregar o espaço para o Historiador da Cidade. Eusébio recuperou a praça e me agradeceu.
Eusébio provou que podia conciliar turismo com inclusão social e preservação cultural e foi aplaudido mundialmente. Mais tarde perderia o cargo, mas recuperou Havana Velha. Em maio de 2018, a revista da Fundação Smithsonian publicou um longo artigo com o título “O homem que salvou Havana” e em 2019 ele foi eleito membro da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos.
E o Pelourinho? Antonio Carlos Magalhães – ACM, o velho –, contrariando as recomendações internacionais, tirou suas funções tradicionais e expulsou seus moradores para criar um “shopping a céu aberto”. O saldo de cerca de US$120 milhões investidos são 1.400 imóveis em ruínas ou risco, segundo a Defesa Civil, no centro antigo. Este é o Novo Pelourinho, com centenas de sobrados escorados esperando voltar a baldios para satisfação do establishiment, depois que se esgotaram, no Corredor da Vitória e Ladeira da Barra, às vistas para a baia. Ano passado, fiz três estudos de requalificação do Centro Antigo para um convênio da Unesco com a Prefeitura. A Fundação Mário Leal Ferreira nem quis avaliá-los, já tinha sua posição firmada.
nota
NE – publicação original: AZEVEDO, Paulo Ormindo de. La Habana Vieja e o Novo Pelourinho. A Tarde, Salvador, 09 ago. 2020.
sobre o autor
Paulo Ormindo de Azevedo é arquiteto, com doutorado em restauração de monumentos e locais pela Universidade de Roma, “La Sapienza”, e professor titular da Universidade Federal da Bahia, Brasil. Autor de projetos, livros e artigos sobre arquitetura e urbanismo.