Às vésperas das eleições de 2020 para escolhas de prefeitos(as) e vereadores(as), as 5570 cidades brasileiras, que deveriam ser territórios do fomento ao conhecimento, da produção econômica, do exercício da cidadania e do usufruto da felicidade de seu povo, são em boa parte “campos-minados”.
A pandemia da Covid-19 escancarou essa triste realidade ao nos impor o refúgio em moradias que, dependendo da localização e condições construtivas e sanitárias, do mesmo modo se transformaram em “armadilhas”.
A boa gestão municipal depende de um mosaico de saberes de igual importância e complementaridade. Desse conjunto, os(as) arquitetos(as) e urbanistas, incluindo os(as) dedicados(as) à paisagem, são atores fundamentais para diagnosticar problemas, representá-los nos territórios e propor planos com visão integrada.
Aqui representados pelas instituições signatárias, entendemos ser dever da categoria contribuir com a sociedade e com os(as) candidatos(as) nas eleições municipais de 2020 com apontamentos e orientações técnicas, visando transformar nossas cidades em territórios mais saudáveis, inclusivos, seguros e resilientes para todos(as) os(as) brasileiros (as).
Para garantirmos a sustentabilidade econômica, ambiental e social, que assegurariam uma sociedade mais fortalecida e preparada para desafios futuros, é fundamental acelerarmos o cumprimento dos objetivos da Agenda 2030 e da Nova Agenda Urbana das Nações Unidas. Grandes avanços podem ser alcançados por meio dos instrumentos previstos em nosso marco regulatório urbano, como a própria Constituição Federal, o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Metrópole para diminuir as distâncias entre a cidade real e a cidade ideal. Para tanto, cinco pontos fundamentais devem ser focados com diálogo e vontade política:
1. Colocar as pessoas no centro das políticas, programas e projetos urbanos de curto, médio e longo prazos, priorizando o bem estar social, em busca ao pleno atendimento ao saneamento ambiental, moradia digna e educação cidadã para todos(as).
2. Planejar as políticas urbanas de forma transversal, inclusiva e integrada, mediante programas de Estado que sejam independentes de interesses eleitoreiros e momentâneos e que possam ser implementados por estruturas de gestão com continuidade temporal. Tais políticas devem ser sustentadas por um sistema de informação transparente, baseado em cadastros integrados, georreferenciados e com dados de diversas naturezas;
3. Viabilizar o financiamento contínuo das políticas urbanas, com recursos de diversas fontes, incluindo-as como prioridade nos planos anuais e plurianuais;
4. Buscar a articulação territorial sempre que o orçamento e o alcance municipal não forem autossuficientes. Os consórcios intermunicipais devem ser considerados como uma alternativa para viabilizar o acesso a fundos públicos e otimizar recursos financeiros e humanos. Pode-se aqui fazer um paralelo e aprender com a resistência, governança e a mobilização das comunidades e territórios vulneráveis durante a pandemia; e
5. Garantir a participação popular nos processos decisórios por meio do fortalecimento dos Conselhos Municipais e da representatividade e equidade de seus membros, refletindo a maioria feminina nas lideranças comunitárias. Um plano de gestão eficiente deve contemplar forças de Estado, da iniciativa privada, das organizações sociais e da sociedade em geral.
Estes princípios de boa governança municipal foram construídos a partir de debates no ciclo de “lives” denominado “Novas Cidades 2021” (1). Os temas foram abordados transversalmente por arquitetos(as) e urbanistas, técnicos(as) especialistas, representantes comunitários(as) e políticos(as) de diferentes vieses. Realizado em julho de 2020, o ciclo impactou mais de dois milhões de pessoas e teve os seguintes eixos:
- arquitetura e saúde: o papel dos arquitetos e urbanistas como promotores da saúde pública nas cidades;
- cidades sustentáveis: urbanismo e meio ambiente: como reinventar as cidades no pós-pandemia?;
- governança e financiamento: cidades não se fazem de improviso. Como torná-las menos desiguais?;
- paisagem e patrimônio: qualidade de vida nas cidades: paisagens e história; e
- mobilidade e inclusão: circulando pela cidade: novas dimensões da mobilidade urbana.
Outro ponto de partida foi a carta-aberta “Nossas cidades pedem socorro!” (2), lançada nas eleições de 2018, onde alertamos para um cenário já instaurado de desigualdades territoriais, econômicas e injustiças sociais. Esse contexto, somado às crises climática, econômica e sanitária, amplifica o despreparo de nossa sociedade para perpassar por situações de instabilidade como demonstrado na pandemia da Covid-19.
Nossa contribuição técnica deve ser consolidada nas áreas relacionadas ao planejamento urbano e à assistência técnica para melhorias habitacionais e por meio de concursos públicos de projeto, como garantia da qualidade do ambiente construído e dos espaços coletivos.
À vista disso, solicitamos a adesão da sociedade e dos(as) candidatos(as) à pauta proposta nesta Carta (3), nos colocando à disposição para colaborar no “desarme” dos riscos que rondam as cidades brasileiras.
Brasília, 28 de agosto de 2020
sobre os autores
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR, a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas – Abap, a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – Abea, a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura – Asbea, a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas – FNA, o Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB e a Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – Fenea são instituições de arquitetura e urbanismo do Brasil atuantes nas áreas cultural, ensino e exercício profissional.
notas
1
Novas Cidades 2021 – ciclo de lives do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil <https://www.caubr.gov.br/cidades2021/?page_id=1074>.
2
CAU/BR; IAB/DN. Nossas cidades pedem socorro! Carta-aberta aos candidatos nas eleições de 2018 pelo direito à cidade. Manifesto dos Arquitetos e Urbanistas do Brasil em Defesa do Planejamento Urbano Solidário e Inclusivo <https://bit.ly/2EKemTs>.
3
CAU/BR; ABAP; ABEA; AsBEA; FNA; IAB; FeNEA. Eleições Municipais: 51 propostas para um projeto de cidades pós-pandemia. Anexo da Carta aos Candidatos nas Eleições Municipais de 2020 lançada pelas entidades de Arquitetura e Urbanismo do país 31 de agosto de 2020 <https://bit.ly/2YMcu3l>.