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drops ISSN 2175-6716

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Texto de Abilio Guerra, originalmente escrito para a cerimônia “Encontro Ruy Ohtake, arquitetura e vida”, evento em homenagem ao arquiteto falecido em 27 de novembro de 2021, promovido pelo Instituto Tomie Ohtake no dia 30 de março de 2022.

how to quote

GUERRA, Abilio. Ruy Ohtake, cidadão. Drops, São Paulo, ano 22, n. 174.06, Vitruvius, mar. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/22.174/8443>.



No dia 28 de março de 2022 ocorreu em Campo Grande a inauguração do Bioparque Pantanal. No livro que publicamos sobre o arquiteto Ruy Ohtake, autor do projeto, consta como nome original do complexo Aquário do Pantanal.

Ao ler a notícia no website de um jornal paulistano, li ao final um comentário de um leitor insatisfeito: “o dinheiro seria melhor gasto se ao invés de um aquário fosse construído um hospital”, dizia ele. Ora, tal comparação só seria justa se, ao invés de 100 ou 200 hospitais, fossem construídos 100 ou 200 aquários. E por detrás dessa preocupação ética do leitor se vê o moralismo que desabona o aquário como se fosse uma espécie de parque de diversões desinteressante e dispensável.

Mas não é um simples aquário; trata-se de um local de pesquisas, de conservação de espécimes em extinção, de educação ambiental. Estamos diante de um equipamento público sintonizado com as necessidades urgentes da contemporaneidade. Nas palavras de José Tabacow é possível imaginar a dimensão do edifício público:

“A preocupação conservacionista, que prevalece ao longo de toda a realização do arquiteto, está presente no grande aquário de água doce na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que Ruy Ohtake projeta a partir de 2009 com base nos conceitos que envolvem a rica biodiversidade dos ambientes aquáticos do Pantanal, retratando-a com as espécies mais carismáticas daquele complexo de ecossistemas. Situado em meio a um grande parque urbano onde estão representados a Flora regional dos cerrados, bem como as nações indígenas daquelas partes do Brasil, o ambicioso programa do aquário ainda em construção inclui instalações para estudos, pesquisas e educação ambiental relacionadas com a biologia e a ecologia do Pantanal” (1).

Todos arquitetos e admiradores da arquitetura sabem que Ruy Ohtake fez casas magníficas ao longo da vida, quase todas para gente abastada ou bem mais do que remediada. Sabemos também que ficou famoso, virou celebridade, muito por conta dos projetos icônicos de São Paulo: os hoteis Renaissance e Unique, e o Instituto Tomie Ohtake, onde nos encontramos.

Mas uma faceta do urbanista – a que atua na escala urbana e territorial e em programas complexos do interesse público – não é tão conhecida.

Além do Parque Ecológico Tietê, Ruy é autor do Parque Ecológico de Indaiatuba e do Parque da Cidade em Mogi das Cruzes. Três cidades que foram presenteadas com áreas de preservação, espaços para os esportes, para a contemplação, para a meditação, equipamentos para jogos e diversão. Tudo junto e misturado na quantidade e qualidade certas.

E a grande e diversificada série de intervenções em Heliópolis – com conjunto habitacional e equipamentos de cultura e educação, educação inclusiva é bom que se diga – dá dignidade e qualidade de vida para contingentes populacionais normalmente esquecidos pelo poder público.

Quando realizamos o livro Ruy Ohtake, arquiteto, privilegiamos esse aspecto de sua obra, pelo qual ele tanto gostava de ser reconhecido.

Durante a produção do livro – eu e Silvana Romano, minha sócia e companheira – vivenciamos duas situações que dão a medida da inserção de Ruy Ohtake no meio social de nossa metrópole. Visitando o Unique Garden, hotel e Spa em Mairiporã, testemunhei perplexo o Ruy ser assediado por hóspedes que queriam seu autógrafo e sua atenção. E a Silvana, visitando com o Ruy a comunidade de Heliópolis, território socialmente antípoda ao hotel luxuoso, se admirou com o carinho com que pessoas das mais variadas idades festejavam a sua presença.

Ao ser reconhecido por seus pares, qualquer arquiteto se sente realizado profissionalmente. Os prêmios que Ruy ganhou dur carreira atestam o reconhecimento pelos colegas e sua realização profissional.

Mas, ao ser reconhecido pela comunidade, ao ter sua obra aprovada por aqueles que dela se apropriam, o arquiteto transcende a condição profissional e é alçado à condição de um cidadão realizado. Tenho a certeza, pelo convívio que tivemos com ele, que Ruy Ohtake assim se sentia: um cidadão plenamente realizado.

notas

NE – Texto originalmente escrito para a cerimônia “Encontro Ruy Ohtake, arquitetura e vida”, evento em homenagem ao arquiteto falecido em 27 de novembro de 2021, promovido pelo Instituto Tomie Ohtake no dia 30 de março de 2022, com as participações de Abilio Guerra, Sabrina Fontenelle, José de Souza Martins, Antônia Cleide Alves, Renato Anelli, Paulo Miyada, Marcy Junqueira, Priscyla Gomes, Rodrigo Ohtake e Elisa Ohtake.

1
TABACOW, José. Ruy Ohtake: a arquitetura como paisagem. In: GUERRA, Abilio; SANTOS, Silvana Romano (Org.). Ruy Ohtake, arquiteto. São Paulo, Romano Guerra/Instituto Tomie Ohtake, 2021, p. 242.

sobre o autor

Abilio Guerra é arquiteto (FAU PUC-Campinas, 1982), mestre e doutor em História (IFCH Unicamp, 1992 e 2002), professor adjunto da FAU Mackenzie. Com Silvana Romano Santos, é editor da Romano Guerra Editora e do Portal Vitruvius.

 

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