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drops ISSN 2175-6716

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Carlos Martins, professor titular do IAU USP São Carlos, comenta a exposição “Amazônia”, de Sebastião Salgado, à luz da realidade brasileira.

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MARTINS, Carlos A. Ferreira. Amazônia ou o fim dos tempos. Drops, São Paulo, ano 22, n. 177.03, Vitruvius, jun. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/22.177/8509>.


Amazônia, exposição de Sebastião Salgado
Divulgação


Nos anos 1960 e 1970 a Amazônia era tratada como “inferno verde”, para justificar a estratégia dos militares de “ocupação” com o objetivo de “desbravar” o “desconhecido” e “incorporá-lo à vida do país”.

A motivação declarada era a necessidade de defender o vasto território de interesses estrangeiros, mas as riquezas do subsolo já motivavam incursões devastadoras como, nos anos 1980, Serra Pelada, o maior garimpo de ouro a céu aberto do planeta.

Tentava-se reeditar a epopeia de Brasília, em que o cerrado do Planalto Central era considerado, até por intelectuais de esquerda, como um “vazio a ocupar”. Mas uma diferença fundamental é que, no final dos anos 1950 e começo dos 1960, isso implicou um reconhecimento da existência de populações indígenas que impactou tanto as políticas públicas quanto o imaginário nacional.

Daí resultou a criação da primeira reserva indígena do país, o Parque Nacional do Xingu, em 1961. Apesar das críticas por significar uma remoção forçada de povos de seus territórios originários, sua concepção envolveu personagens progressistas fundamentais na política e na cultura do período.

Os irmãos Villas Boas se transformaram nas figuras dos sertanistas modernos por antonomásia, como herdeiros da tradição humanista de Rondon, com quem trabalharam nos anos 1940.

Seu percurso foi da percepção do indígena como entrave ao progresso para o seu reconhecimento como portador de visão de mundo e conhecimento próprios, a ser preservado do processo de aculturação e assimilação, o que os aproximou de outra figura crucial para a cultura e a política brasileiras, o antropólogo e educador Darcy Ribeiro, com quem compartilharam as iniciativas pela criação do Parque.

No clima político dos anos 1960, o Xingu representava, no imaginário progressista, a possibilidade de reconciliação do Brasil com suas origens, emblematicamente expressa no romance Quarup, de Antônio Callado.

Este excurso por décadas outras, tão próximas e tão distantes, vem a propósito de dois eventos, de sentido e repercussão opostos, cuja simultaneidade exacerba os contrastes a que a Amazônia parece condenada.

O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips na região do Vale Javari, um dos territórios com maior concentração de grupos não contatados, atraiu a atenção da mídia internacional, reforçando a imagem negativa do governo brasileiro no que diz respeito ao meio ambiente em geral e à Amazônia em particular.

No momento em que escrevo ainda não há a confirmação oficial da identificação dos restos encontrados, mas a algaravia em torno das buscas – ou da sua ausência como ação organizada – assim como o fato de Bruno Pereira ter sido exonerado por denunciar a omissão da Funai na região, contribui para a imagem de culpa do governo federal, na melhor das hipóteses por omissão.

No momento dessa tragédia soa premonitória a extraordinária exposição Amazônia, do fotógrafo Sebastião Salgado, que está no Sesc Pompéia em São Paulo, depois de passar pela França, Itália e Inglaterra.

Resultado de sete anos de trabalho, com o apuro técnico e a forma de aproximação que caracteriza seu trabalho, a Amazônia de Salgado não é inferno nem paraíso. Expografia, ambiência musical e um extraordinário diálogo com o espaço concebido por Lina Bardi, potencializam o olhar de Salgado que nos joga no rosto e na alma uma Amazônia de dimensões cósmicas, com as magníficas fotos dos “rios no céu” ou da simbiose visual entre vegetação e água nos igarapés.

A Amazônia que nos mostra Salgado é paisagem epopeica, mas é também o lar de povos variados nos costumes, nas línguas, nos adornos e vestimentas. Em comum, tem a consciência do pertencimento à floresta e a da ameaça genocida, expressa cristalinamente nos depoimentos em vídeo de caciques e xamãs.

Na imprensa internacional ou nos depoimentos dos povos originários, todos os dedos e todas as bocas indicam um Bolsonaro criminoso em escala planetária, genocida por ação e omissão.

Só não podemos esquecer que, na Amazônia ou no infame pedido de interferência do governo estadunidense nas eleições presidenciais, o tosco, o infame, o carente de empatia, o corrupto, é tudo isso mas é também o representante de interesses muitos e poderosos, que vão das altas finanças a setores da magistratura, dos beneficiários dos orçamentos secretos à alta cúpula militar.

Ele só não conta com o apoio da maioria da população brasileira. Mas como perguntou certa vez Stalin a propósito do Papa, quantas divisões militares tem a maioria da população brasileira?

sobre o autor

Carlos Alberto Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.

 

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177.03 cultura
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