É preciso ser muito inescrupuloso, estúpido e covarde para responsabilizar as vítimas de um crime hediondo pela violência bestial que os aniquilou. Essa tentativa mesquinha encobre uma tenebrosa e involuntária confissão: mostra a profunda simpatia de quem a faz pelos criminosos. Reflete o amor incontido à brutalidade, o gosto pelo nefando, muito natural em quem aplaude a tortura e zomba do sofrimento de agonizantes.
É também pura hipocrisia queixar-se, nesse momento, de prejuízos à imagem do Brasil. O Brasil de hoje tem a imagem que merece: um país entregue a criminosos, em que a fome prospera, a corrupção se agiganta e até se legaliza, em que o número de bilionários aumenta ao compasso do crescimento exponencial da miséria, em que o obscurantismo se adensa com sucessivos ataques à ciência e à cultura, em que governantes boçais dão tristes espetáculos de grosseria, indecência e desrespeito à lei.
Amazônia, tão importante para a sobrevivência da humanidade, vê-se hoje devastada pela ganância e entregue a bandidos de toda espécie. Os executores do assassinato de Bruno Pereira e Dom Philips não são os únicos responsáveis por sua morte, tão agradável aos grileiros, aos genocidas empenhados na invasão das terras indígenas, aos meliantes do garimpo ilegal, aos campeões do desmatamento.
A própria metodologia do assassinato e da ocultação dos cadáveres mostra sinais de um estilo miliciano. Tudo indica que se tratou de uma ação planejada, quiçá um projeto em que importantes figuras políticas se envolveram.
Mais terrível me parece a indiferença com que se assiste à maré montante de crimes dessa ordem. Nada mais estarrece, nada mais horroriza. Parece que o país perdeu a vergonha. Penso na dor que experimentam agora os familiares dos dois heróis. Sim, eles merecem o título de heróis do Brasil: tanto o nosso compatriota quanto o seu amigo inglês que sofreram morte cruel por sua generosidade, por seu empenho na defesa da Amazônia e dos direitos de nossos povos originários.
Choremos sua perda, comungando a dor de suas famílias. Choremos também pelo Brasil.
sobre a autor
Ordep Serra é antropólogo, escritor e presidente da Academia de Letras da Bahia – ALB.