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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Este pequeno ensaio propõem uma perspectiva sobre as discussões de gênero, o papel das mulheres dentro de casa e como algumas notáveis mulheres contribuíram no projeto de casas icônicas do século 20, segundo a autora Alice Friedman (1998).

english
This short essay approaches gender discussions, the role of women in the home and how some notable women contributed to the design of iconic houses in the 20th century according to Alice Friedman (1998).

español
Este breve ensayo propone una perspectiva sobre las discusiones de género, el papel de la mujer en el hogar y cómo algunas mujeres notables contribuyeron al diseño de casas icónicas en el siglo XX, según la autora Alice Friedman (1998).

how to quote

ARAUJO, Fanny Schroeder de Freitas. Projetar casa é tarefa de mulher. Drops, São Paulo, ano 23, n. 186.03, Vitruvius, mar. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.186/8764>.



Não é novidade que questões de gênero, o papel das mulheres na sociedade e empoderamento feminino estão (ainda bem) em pauta há alguns anos. Muitas pesquisas acadêmicas em praticamente todas as áreas do conhecimento e não poderia ser diferente na arquitetura (1). Realizei uma pesquisa de doutorado (2) que resultou em um livro (3) em que apresento estudos sobre artefatos e objetos, que compõem as decorações das casas e suas relações com produção, consumo e gênero. Contudo, um aspecto que não foi incluído no livro, mas faz parte da pesquisa do doutorado, e que recentemente me vejo discutindo a respeito nas orientações de desenvolvimento de Trabalhos Finais de Graduação (4) das minhas alunas e alunos é a contribuição de mulheres na elaboração e na revisão do conceito de casa no século 20.

Um livro que aborda este tópico é Women and the Making of the Modern House: a social and architectural history de Alice T. Friedman (5). Por meio de análise de seis residências a autora observa como as respectivas clientes, mulheres, foram peças-chave para produção de casas icônicas na história da arquitetura europeia e norte-americana do século 20. Os exemplos mais notáveis são a Casa Farnsworth (1945-1951), projetada por Mies van der Rohe para a Sra. Edith Farnsworth, e a Casa Schröder (1923-1924), do arquiteto Gerrit Rietveld para a Sra. Truus Schröder. A autora investiga os motivos, ou possíveis motivos, pelos quais uma significativa quantidade de casas construídas na Europa e América do Norte no século 20 para clientes mulheres se destacam não só como exemplos de design moderno, mas também por suas abordagens inovadoras para o espaço doméstico.

Desde a década de 1980 estudiosos da arquitetura têm usado uma abordagem interdisciplinar para analisar a evolução da arquitetura doméstica na Europa e América do Norte observando as mudanças sociais sobre comportamento e valores, sobretudo da classe média. Apoiando-se em cartas, diários, livros de etiqueta entre outros documentos de evidências históricas, apresentam assim como a vida familiar, a privacidade, o comportamento social e a educação infantil contribuíram nas mudanças dos projetos para as residências unifamiliares. A história das mulheres concentra-se nos tradicionais papéis desempenhados por elas e principalmente ligados ao âmbito doméstico e a suas aptidões como esposas, mães e gestoras do lar – de acordo com o entendimento de culto à domesticidade, em evidência durante o século 19. Desta forma, Friedman pondera ser razoável imaginar que as mudanças significativas sobre família, gênero ou papel das mulheres teriam sido expressas em projetos de casas, e também que algumas mulheres privilegiadas, que tiveram a oportunidade de agir como clientes, iriam procurar novas soluções arquitetônicas para acomodar formas não convencionais de vida.

Para Alice Friedman, há outra explicação para o porquê de clientes mulheres terem se mostrado como catalisadoras eficazes para a criatividade na arquitetura moderna residencial: a convicção compartilhada por arquitetos modernos e por suas clientes de que a essência da modernidade era a transformação completa da casa desde sua construção, passando por seus materiais, até no que diz respeito aos espaços internos. Portanto, os objetivos dessas clientes estavam atrelados aos pensamentos daqueles profissionais: estas mulheres procuravam os arquitetos de vanguarda para que eles materializassem suas casas onde poderiam viver suas visões de “vida nova”, e essas visões eram apoiadas na redefinição de domesticidade física e espacial. Portanto, a autora nota que “uma poderosa combinação do feminismo com o desejo de mudança na arquitetura, impulsionaram, assim, esses projetos para reinos inexplorados de originalidade” (6).

A casa da classe média foi o palco onde a diferenciação social foi representada; eram ornamentadas para exibir a eficiência, assim como os bens materiais e posses da família. As expectativas das clientes discutidas no livro de Friedman pareciam alinhadas com o movimento de reforma feminista daquele momento. Entre os anos de 1890 e 1930, aquelas mulheres (quer elas se considerassem feministas ou não) viam a arquitetura moderna e os arquitetos como capazes de fornecer para si e para suas famílias um lugar no mundo moderno, espaços nos quais viveriam estes novos papéis e relacionamentos. Ao realizar isto, elas confrontaram questões sociais importantes: Primeiro ao enfrentar o conflito entre a expectativa do casamento e a vida independente que escolheram como mulheres chefes de família; e segundo sejam elas solteiras, viúvas, divorciadas, lésbicas ou em outros tipos de arranjos de vida não convencionais, ao propor uma nova definição do espaço doméstico cruzavam as fronteiras prescritas por idade, classe, gênero e sexualidade (7).

Assim, Friedman conclui que ao optar por construir casas para si próprias e para suas famílias, estas mulheres declararam abertamente seus valores e seu desejo de viver como mulheres independentes. Em suas análises a autora notou que a arquitetura moderna foi usada para alterar as convenções sobre a vida doméstica: ampliando a definição de casa para incluir novas atividades de trabalho ou lazer; alterando o equilíbrio entre a esfera privada e pública; alterando a composição espacial da casa para incluir cômodos não convencionais ou arranjos espaciais não tradicionais; criando casas compactas para mulheres solteiras afirmando suas posições contrárias ao casamento; projetando espaços dedicados à memória e história de suas famílias; ou ainda caracterizando a casa como espetáculo buscando através da representação estética e espacial dos valores de suas proprietárias.

Ao observar a contribuição destas mulheres no debate dos papeis das mulheres na sociedade e suas significativas mudanças dentro do campo da arquitetura nos incentiva, acredito eu, a manter esta discussão em pauta. Devemos, de alguma forma, encontrar espaços (dentro e fora do mundo acadêmico) para discussão dos papeis de mulheres e homens dentro do ambiente doméstico e como a arquitetura pode contribuir para alcançarmos uma condição igualitária.

notas

1
A partir de um levantamento das bancas dos Trabalhos Finais de Graduação realizados nos últimos 12 meses na Faculdade de Arquitetura da Universidade São Judas Tadeu / SP por volta de 12% dos trabalhos têm uma abordagem de gênero. E como tenho pesquisas nesta área, cerca de 26% das bancas de TFG que participei têm são sobre gênero.

2
ARAUJO, Fanny Schroeder de Freitas. Interiores da casa brasileira: artefato, gênero e espaço. Orientadora Ana Gabriela Godinho Lima. Tese de doutorado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2017. No meu caso, ingressei neste universo de estudos de gênero por meio da minha orientadora de mestrado e doutorado, a professora Doutora Ana Gabriela Godinho Lima, uma das pioneiras sobre o debate de gênero em arquitetura no Brasil.

3
ARAUJO, Fanny Schroeder de Freitas. Interiores da casa brasileira: artefato, gênero e espaço. São Paulo, Altamira, 2019.

4
Sou professora orientadora do Trabalho Final de Graduação – TFG na Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo.

5
FRIEDMAN, Alice T. Women and the Making of the Modern House: a Social and Architectural History. Nova York, Harry N. Abrams, 1998.

6
Idem, ibidem, p. 16.

7
Idem, ibidem, p. 17.

sobre a autora

Fanny Schroeder de Freitas Araujo é arquiteta, mestre e doutora em arquitetura. Autora do livro Interiores da Casa Brasileira: artefato, gênero e espaço (Altamira, 2019). Docente dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Design de Interiores da Universidade São Judas Tadeu, onde coordena TFG e o Escritório Modelo de Arquitetura, Urbanismo e Design (EMAUD USJT).

 

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