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drops ISSN 2175-6716

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O presente artigo discute o impacto do desmatamento, da poluição das águas e a da construção de prédios na área urbana da cidade de São Paulo sobre o habitat de aves migratórias e nativas ao longo de décadas.

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MOREIRA, Edson Reggiane. Aves migratórias na metrópole. Um exame sobre a passagem das aves migratórias na cidade de São Paulo. Drops, São Paulo, ano 23, n. 186.01, Vitruvius, mar. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.186/8762>.



Através das janelas, sem piscar, olhos curiosos tentam acompanhar aquelas que rabiscam o céu, que o perfuram em velozes piruetas e sinuosos rodopios como um desenhista traçando linhas numa folha de papel com seu lápis. São elas, minúsculas bailarinas aladas, as andorinhas. Desviam-se a tempo das paredes dos edifícios, antenas, caixas d’água, cabos elétricos e telefônicos, das linhas que serram com cerol (cortante feito com cola de sapateiro e vidro moído) outras linhas que prendem no ar papagaios de papel e varetas. Todos os anos, pausam, vão de um lado ao outro e, depois, seguem o seu rumo migratório de milhares de quilômetros, guiadas pelas mãos das suas bússolas interiores. E assim é, desde que o mundo é mundo, ano após ano, na certeza de que encontrarão os mesmos espaços, antes que a ponta do grafite do lápis do desenhista se parta.

Em contraste com o sumiço dos pássaros, que voam pelas mesmas áreas florestais, brotaram do chão da antiga selva tropical, entre os arvoredos, milhares de prédios, bem mais empinados do que as mais altas árvores que ali havia. O homem, como um deus, transforma e modela a paisagem, torna-a urbana, porém, na maioria das vezes, sem considerar os efeitos negativos, por ignorância ou indiferença, por necessidade ou ganância. E acaba por jogar para escanteio alternativas que não atrapalhem a trajetória das migrações dessas aves.

A presença abundante de aves não passou despercebida desde o descobrimento (ou invasão, para outros) do Brasil. Em seus relatos, Caminha atesta a presença dos fura-buchos (1). Pouco mais de um século depois, o frei franciscano Vicente do Salvador, conhecido como o pai da historiografia brasileira, testemunhou o passeio de garças, guarás, papagaios, araras, canindés, tapéis (2).

Numa brusca mudança de cenário, as florestas começaram a desaparecer diante do desenvolvimento contínuo do país chamado definitivamente de Brasil. As árvores transformaram-se não somente em lenha, mas também em madeiras para cabos de ferramentas, para as prensas e os carros de boi.

O estado de São Paulo tornou-se o maior produtor de café, e a mata devastada servia para o plantio. A partir de meados de 1870, começa a receber mão de obra imigrante, devido ao fim da escravidão, que foi lento, para evitar um banho de sangue, como houve na guerra civil americana. A capital não parava de crescer, sofrendo grandes transformações. Durante o processo de industrialização, no final do século 19, emergem edificações, que removem da cidade uma enorme quantidade de arvoredos. Resistem apenas os nichos verdes espalhados como pequenos oásis no deserto de concreto que cobre a cidade.

Por esse pequeno retrato, podemos constatar o desaparecimento das árvores que serviam como poleiros para a pausa das aves migratórias na cidade. Hoje são os peitoris de janelas, lajes e fios que servem de poleiros. Algumas colidem com casas e prédios revestidos de espelhos e seguem confusas quando sobrevivem. Não há, também, fartura de águas limpas; milhões de litros estão presos em reservatórios. Na trajetória, as aves encontram lagos, piscinas, chafarizes, espelhos d’água, entre córregos e rios imundos onde poucas garças se aventuram. Onde antes havia alimentos em abundância, hoje, nos finais de feiras livres, há disputas entre pombas, sábias e raríssimos pardais pelas frutas e legumes que ficam jogados pela rua, quando não, em lixos durante os dias comuns. Soma-se a isso a poluição do ar e a sonora; não se ouve os piados das aves devido a toda sorte de ruídos, de modo que nem elas mesmas conseguem se ouvir. Contudo, ano a ano, o espetáculo da natureza ainda resiste e se reconstrói feito Fênix entre as cinzas.

Hoje há 506 espécies de aves silvestres pela cidade de São Paulo, compostas por gaviões, falcões, corujas, beija-flores, araras, papagaios, periquitos, entre outras. Elas habitam as ilhas cercadas pelo mar de prédios, como o Parque Trianon, que conta com 18 dessas espécies. Mesmo sendo majoritariamente nativas, boa parte delas sofre risco de extinção (3).

Além das espécies nativas, há aves migratórias vindas da fronteira do Canadá com os Estados Unidos, dos países do norte da América do Sul, da Amazônia e do sul do continente se hospedam na cidade de São Paulo, como a juruviara e o irerê. No Parque do Ibirapuera ainda podemos ver o tiziu, o joão-pires, o bigodinho, a tesoura e o surici-de-sobrancelha amarela. Infelizmente, como as áreas verdes têm diminuído, testemunhamos inertes a ausência cada vez mais constante de várias espécies. Moradores do entorno da represa do Guarapiranga relatam que o coleirinha não está mais sendo visto por lá (4).

Apesar do cenário alarmante, há iniciativas bem-sucedidas que nos apontam o caminho da esperança. Podemos tomar como exemplo o trabalho feito em Israel. Com esforço coletivo e vontade política, milhares de aves migratórias retornaram para lá. Hoje, entre espécies locais e migratórias, o estado israelense abriga milhões de aves distribuídas entre mais de 500 espécies. Leis de proteção, reservas naturais e parques, resultaram na reintrodução da fauna e flora existentes nos tempos bíblicos. Dentre as ações, houve o plantio de mais de 200 milhões de árvores que preenchem uma área de 300.000 acres (5).

Algumas espécies de aves estão desaparecendo e aqui está o ponto. Até onde as construções desorganizaram tais rotas e pontos de parada? O que é possível, se possível for, para liberar essas rotas e recuperar alguns desses pontos de descanso? Não pretendemos dar respostas conclusivas, mas ampliar a motivação para o debate em busca de soluções que amenizem os efeitos nocivos.

É certo que essa questão já é levada em consideração por biólogos e órgãos ambientais, mas devemos ampliar o debate junto a urbanistas e o poder público a fim de melhorar também a saúde mental dos habitantes da cidade. Para isso, é imprescindível que as pessoas convivam com as aves que, de algum modo, foram despejadas pelo progresso das áreas urbanas.

Precisamos buscar um caminho para o resgate dessas áreas. Uma maneira seria mapear, identificar e manter espaços de pousada na cidade. Ou ainda, recuperar alguns pontos a mais de hospedagem, e não se limitar apenas à manutenção dos parques e praças.

Devemos dar continuidade e incentivar os projetos de recuperação e despoluição do ar, bem como dos rios e seus afluentes, córregos, além de estimular a criação de estações de tratamento de esgotos. É interessante o incentivo para a execução de telhados verdes que sirvam como áreas de pouso para o descanso das aves.

É urgente a tarefa de recuperação da flora nativa, com a criação de lagos artificiais. Crescendo árvores no seu entorno, plânctons são produzidos para sustento dos peixes, que servem de alimento para as aves. Esse ciclo beneficiará não apenas as migrantes, mas também as nativas.

Se continuar como está, centenas de espécies de aves desaparecerão. Porém, se algumas espécies nativas conseguem conviver em meio aos aspectos caóticos da megalópole, maior benefício haverá se resgatarmos um pouco da sua flora, proporcionando também o retorno das aves migratórias aos pontos originais de descanso.

notas

1
FIGUEIREDO, Luciano (Org.). História do Brasil para ocupados. São Paulo, LeYa Brasil, 2019.

2
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil: 1500-1627, E-book Kindle.

3
SILVEIRA, Evanildo da. Com 506 espécies, cidade de São Paulo abriga mais tipos de aves que todo o Chile ou Portugal. BBC News Brasil, São Paulo, 27 out. 2019 <https://bbc.in/41vSuQV>.

4
VEIGA, Edison. São Paulo recebe aves migratórias do sul do continente. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 jul. 2012 <https://bit.ly/3KTrNi8>.

5
REDAÇÃO. Terra: Natureza. Consulado Geral de Israel, São Paulo <https://bit.ly/3N90RxI>.

sobre o autor

Edson Reggiane Moreira é arquiteto desde 1989 e mestre em Arquitetura, Urbanismo e Design pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo 2019.

 

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