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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Adalberto da Silva Retto Jr comenta a trajetória profissional do arquiteto e crítico Jean-Louis Cohen, recentemente falecido.

english
Adalberto da Silva Retto Jr comments on the professional trajectory of the recently deceased architect and critic Jean-Louis Cohen.

español
Adalberto da Silva Retto Jr comenta la trayectoria profesional del arquitecto y crítico Jean-Louis Cohen, recientemente fallecido.

how to quote

RETTO JR., Adalberto. Obituário de Jean-Louis Cohen (1949–2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.01, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8866>.


Jean-Louis Cohen, 1949–2023
Foto Claude Truong-Ngoc [Wikimedia Commons]


‟Il n’y a pas de mort pour les oeuvres de l’esprit”.
Le Corbusier

O arquiteto, historiador da arquitetura, teórico e crítico Jean-Louis Cohen morreu na segunda-feira, 7 de agosto de 2023, aos 74 anos. Sucumbiu a um ataque cardíaco causado por reação alérgica a uma picada de vespa, em sua casa em Ardèche, na França, onde passava as férias.

Seu legado contraria a célebre poesia de Alberto Caieiro de que:

“Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira,
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim” (1).

Como ressalta um dos seus companheiros de jornada intelectual, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier, "não existe morte para as obras do espírito" (2), pois sua produção é um verdadeiro divisor de águas na historiografia e sua partida deixa órfão o mundo da arquitetura.

Nascido em Paris e neto de arquiteto, Cohen formou-se em 1973 e doutorou-se em 1985, na Escola de Altos Estudos em Ciências sociais (Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales-Ehess). Depois de dirigir o programa de pesquisa arquitetônica do Ministério do Equipamento no início dos anos 1980, lecionou inicialmente na escola de arquitetura Paris-Villemin e depois ocupou a cadeira de História da Cidade no Instituto Francês de Planejamento Urbano da Universidade de Paris VIII. Entre 1998 e 2003, liderou o projeto Cité de l’architecture et du patrimoine no Palais de Chaillot de Paris, atuando como diretor do Instituto Francês de Arquitetura — IFA e do Museu dos Monumentos Franceses.

Lecionou em instituições de prestígio no mundo todo: na Princeton University, TU Delft e na University of Sydney, entre outras. Foi membro de vários conselhos científicos, como os do Museu de Arte Moderna de Nova York — MoMa, do Centro Canadense de Arquitetura de Montreal e da Academia de Artes de Berlim.

Em sua trajetória, Jean Louis encarna uma das características mais importantes da profissão de pesquisador — a mobilidade — e cria uma rede de excelência reunindo pesquisadores, interlocutores e orientandos, instituindo um programa conjunto de atividades baseado no uso integrado e complementar de recursos pertencentes a inteiras unidades de pesquisa, departamentos, laboratórios ou grandes grupos. Poliglota, dominando uma dezena de idiomas, dom facilitado pelo prazer em compartilhar seus saberes, construiu uma plêiade de interlocutores nos países por onde passou e cidades e personagens tornaram-se seus objetos de estudo e de monografias: França, Argélia, Marrocos, Alemanha, Itália, Rússia e Estados Unidos, Brasil. Organizou palestras e exposições sobre diversos assuntos (3), desde o construtivismo soviético, o radical arquiteto italiano Bruno Zevi, a obra de Oscar Niemeyer no Brasil, o modernismo internacional, entre outros. Em junho deste ano, inaugurou na cidade do Porto, em Portugal, a exposição dedicada a Paulo Mendes da Rocha.

Assim, graças à sua generosidade intelectual em partilhar seus amplos conhecimentos, pude ter com ele uma interlocução mais próxima em três momentos:

1. Em 2004, quando foi convidado para dar a palestra de encerramento do I Congresso Internacional de História Urbana: Camillo Sitte e a circulação das ideias em estética urbana: Europa e América Latina: 1880–1930. Não pôde comparecer, mas, para cobrir a lacuna de sua ausência, propôs uma entrevista que foi publicada no Portal Vitruvius (4);

2. Em 2015, quando, mesmo na impossibilidade de participar presencialmente do evento Manfredo Tafuri: seus leitores e suas leituras (5), não só ajudou de forma relevante a pisar no pantanoso terreno veneziano após a morte de seu amigo Manfredo Tafuri, na construção do programa da celebração dos vinte anos de falecimento do italiano, como também acompanhou e deu retorno positivo após o evento.

3. Em 2021, na construção do programa do curso internacional de extensão universitária Italophilie: arquitetura e cidade (6), no qual reavalia seu próprio trabalho durante a palestra de abertura intitulada: L’italofilia del post–68: riflessioni retrospettive:

“Devo dizer que a republicação deste livro, como ocorre com a republicação de uma obra, é um momento muito emocionante por vários motivos, porque quando você publica um livro você percebe suas fraquezas; então tem a impressão de ter crescido, de ter dado um grande passo e, ao mesmo tempo, descobre algo mais deprimente: o fato de que na época, com 37 anos de distância, era mais fácil fazer hipóteses, digamos acrobáticas ou ambiciosas. Com a idade, uma certa prudência se impôs e, talvez, até as buscas então possíveis já não soem mais assim, impressão um tanto contraditória e confusa que tenho ao ver e fazer esta reimpressão”.

Ao longo dos séculos, o papel do intelectual mudou radicalmente, contribuindo para o nascimento de uma consciência social, especialmente para aqueles que souberam sensibilizar, colocar problemas, denunciar abusos, proclamar avanços e contribuir para uma verdadeira mudança política e sociocultural. De forma contundente, Jean-Louis Cohen assumiu tal papel, quando se colocou frontalmente contra a venda do chamado Palácio Capanema:

“O Ministério da Educação e Saúde, construído no Rio de Janeiro pelo ministro reformista Gustavo Capanema, é a verdadeira escola da arquitetura moderna brasileira. Numa continuidade crítica com as ideias de Le Corbusier, é o cadinho onde se formam os jovens Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy e Ernani Vasconcellos sob o patrocínio de Lúcio Costa, e onde se forma o mais jovem da equipe, Oscar Niemeyer, que impõe seu virtuosismo.
Com as intervenções de Roberto Burle Marx, Candido Portinari e Jacques Lipschitz, e os móveis pensados especificamente para os usos que abriga, é uma obra de arte total, cujo alcance vai muito além da única arquitetura.
Expressão excepcional da política do governo de Getúlio Vargas, este edifício marca o surgimento no Hemisfério Sul de uma arquitetura baseada na transposição e interpretação de temas dos europeus modernos. Dedica uma nova geografia e ilustra uma poética cujos efeitos na produção norte-americana e europeia do pós-guerra serão decisivos.
Este edifício não é, portanto, de forma alguma um bem imobiliário que pudesse ser mais rentável, como o atual governo brasileiro parece querer. Não é simplesmente um capital a ser valorizado, mas uma obra de arte de alcance universal, que não pode ser recheada de atividades banais e comerciais” (7).

E assim, não podemos afirmar com certeza que as primaveras serão as mesmas após a sua partida.

notas

1
PESSOA, Fernando [1946]. Poemas inconjuntos. In Poemas de Alberto Caeiro. 10ª edição. Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor. Lisboa, Ática, 1993, p. 87.

2
Do original “Il n’y a pas de mort pour les oeuvres de l’esprit‟.

3
No Brasil, fez uma série de aulas organizadas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e Universidade Federal da Bahia. As aulas podem ser acessadas pela internet. Mais informações nos sítios: <https://bit.ly/3E2U2aZ>; <bit.ly/3P30xRw> e <https://bit.ly/45xl3Pv>.

4
RETTO JR., Adalberto. Jean-Louis Cohen. Entrevista, São Paulo, ano 06, n. 024.01, Vitruvius, out. 2005 <https://bit.ly/44ilk7U>.

5
D'AGOSTINO, Mário; RETTO JR., Adalberto; URANO, Rafael. A construção de um programa. Manfredo Tafuri, seus leitores e suas leituras. Resenhas Online, São Paulo, ano 18, n. 214.03, Vitruvius, out. 2019 <https://bit.ly/3QJgFJ6>.

6
Curso de Especialização em Planejamento Urbano e Políticas Públicas: Urbanismo, Paisagem, Território — Planupp Faac Unesp Campus de Bauru, sob coordenação dos professores: Adalberto da Silva Retto Jr, Silvana Aparecida Alves e Ana Maria Lombardi Daiben.

7
COHEN, Jean-Louis. Ministério da Educação e Saúde, a escola da arquitetura moderna brasileira. Minha Cidade, São Paulo, ano 22, n. 254.02, Vitruvius, set. 2021 <https://bit.ly/3QLgbSJ>.

sobre o autor

Adalberto da Silva Retto Jr é professor da Universidade Estadual Paulista, doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e pelo Departamento de História da Arquitetura e Urbanismo do Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza (2003), e professor-pesquisador visitante no Master Erasmus Mundus TPTI (Techiniques, Patrimoine, Territoire de l’Industrie: Histoire, Valorisation, Didactique) da Universitè Panthéon Sorbonne Paris I (2011–2013).

 

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