Érico Costa e Luciana Andrade: E quanto ao Célula Urbana? Quando foi que ele surgiu?
Maria Lúcia Petersen: Quando o governo federal propôs que implantássemos o Programa Favela-Bairro em Grandes favelas, foi escolhido o Jacarezinho porque existiam experiências acumuladas do governo do estado e da prefeitura. Constituindo uma cidade de médio porte, com seus 60 mil moradores, a situação de vizinhança na favela é crítica, conseqüência da altíssima densidade, da inexistência de espaços públicos, equipamentos de lazer, cultura e outros. O Jacarezinho tem uma infraestrutura de comércio maior do que a do próprio bairro.
Entrevistas feitas por agentes comunitárias do projeto de educação sanitária e ambiental do Mutirão Remunerado apontaram uma alta incidência de doenças pulmonares decorrentes da alta densidade das habitações. Desta forma, ao contrário dos outros projetos Favela-Bairro, seria necessária uma intervenção na melhoria habitacional, objetivando a redução da alta densidade na favela. É neste cenário que surge o Célula Urbana do Jacarezinho.
Nossas intervenções mais significativas no Jacarezinho datam de 1986 quando promovemos melhorias nas redes de esgoto através do Projeto Mutirão Remunerado. Depois, graças à captação de recursos pelo Fundo Municipal de Desenvolvimento Social, BID e governo federal conseguimos fazer o esgotamento sanitário em toda a favela incluindo a canalização do Rio Jacaré.
EC/LA: Quais são os conceitos do Célula Urbana e como nasceu a parceira com a Bauhaus-Dessau?
MLP: A Célula Urbana é uma proposta de desdobramento de todo esse processo evolutivo. Surge de uma idéia desenvolvida por mim e Dietmar Starke de promover um transplante de medula no corpo da favela capaz de fortalecer o desenvolvimento endógeno, a cultura e a tecnologia. Inserir os vetores da cidade moderna nas favelas. A Célula Urbana apresenta conceitos novos de micro-planejamento. Seu objetivo é a criação e articulação de núcleos de desenvolvimento urbano, social, político, econômico e ambiental.
Apesar da grande diversidade de programas que compõem a Macro Função Social, as propostas e soluções têm de ser racionalizadas e otimizadas tendo em vista os altos custos das operações. Os avanços alcançados pelo Favela-Bairro tornaram possível aliar a capacitação profissional, a geração de emprego e renda, o esporte, o lazer, a educação e a saúde às necessidades dos moradores, em um programa que atendeu cerca de 250 mil pessoas em um curto espaço de tempo.
O conceito da célula é o seguinte: a partir de algumas linhas estruturais implantadas, ela vai se consolidando na medida em que vão sendo construídas as funções, em um processo interativo de relações urbanas. No caso da Favela do Jacarezinho, definimos um quarteirão estratégico interno da favela (o Núcleo) e um “cordão umbilical” de articulação com a cidade (a passarela) que culmina em intervenções multiusos no Pólo da Suburbana.
A primeira necessidade a ser satisfeita, é de abrir outras alternativas de políticas sociais em áreas de pobreza, além dos programas institucionais da prefeitura. É ter a compreensão de que o Favela-Bairro não é um fim em si, mas sim o início da integração sustentável das favelas à cidade. A Célula Urbana é uma das propostas que poderá viabilizar canais indutores de desenvolvimento integrado. Criar atrativos para a iniciativa privada é uma meta a ser atingida.
A parceria com a Bauhaus surge a partir de algumas premissas importantes: o papel histórico desempenhado pela escola modernista em nossa arquitetura, as suas origens (voltadas inicialmente para soluções de arquitetura popular) e o seu processo atual de re-estruturação.