Érico Costa e Luciana Andrade: E como se desenvolveu esse trabalho com a Bauhaus?
Maria Lúcia Petersen: Foi inédito, principalmente na forma de abordagem à comunidade. O Kolleg, um grupo internacional, escolhido pela instituição, veio ao Rio e iniciou seus trabalhos de reconhecimento da comunidade, a partir da realização de eventos que articulavam as propostas de funções culturais a serem implementadas, o levantamento físico das características da favela e a convivência democrática com os moradores. A criação de um Café Internet gerou grande expectativa. Esse Café internet já funciona há mais de um ano. O vídeo, feito com entrevistas aos moradores, foi apresentado em um grande balão, e foi um sucesso. Abriu os espaços para a criação da escola de vídeo.
EC/LA: E o que vocês utilizaram como pólo de atração no Jacarezinho?
MLP: Em primeiro lugar, abrir os espaços internos de forma democrática para os moradores compondo a criação de um pátio interno, que melhorou sensivelmente a qualidade das moradias que ficaram. Esse pátio se articula com o prédio da Célula Cultural e a Praça da Concórdia que hoje funciona como praça e ponto de encontro gerando atividades de lazer, cultura, geração de renda e atrai os visitantes. A passarela, um belo projeto da Bauhaus, é elo de ligação com equipamentos institucionais de multiusos, que se constitui em forte elemento de re-estruturação urbana no bairro.
EC/LA: Quais equipamentos formam o Célula Urbana?
MLP: A Célula Urbana é composta basicamente nessa primeira etapa, de uma Célula Cultural, onde funcionará o café internet, a escola de vídeo, espaços para dança e música e um salão para festas, seminários, exposições, etc... A segunda etapa se constitui no Pólo da Suburbana com espaços para a educação infantil sob o vão da passarela, um centro esportivo e o Centro de Transferência de lixo pré-selecionado acoplado a espaços de arte e artesanato com salas polivalentes. Lamentavelmente, essa etapa do projeto está parada, porque a FEEMA não libera a ocupação do terreno das Tintas Ypiranga, apesar de os proprietários terem cumprido todas as exigências para efetivar a descontaminação da área.
EC/LA: Como a comunidade participa do programa?
MLP: A participação comunitária se dá desde o primeiro momento, passando pela aprovação dos projetos. As políticas sociais são abordadas desde a fase de projeto, através da discussão temática com as comunidades. Isso porque uma comunidade inteira não se mobiliza todo o tempo. Temos setores da comunidade que se interessam durante muito tempo sobre um assunto específico e é esse conjunto de propostas, que permite a socialização do programa nas comunidades. A favela representa, da mesma forma que a cidade, um processo de inter-relação entre criadores e criaturas em seu desenvolvimento.
EC/LA: Assim como aconteceu recentemente com a Universidade Estácio de Sá, no Rio Comprido, não é possível que os alunos fiquem com medo de estudar lá por causa da violência ?
MLP: O problema maior não é a violência e sim a pobreza. A pobreza do século 21 tem que ser resolvida e acredito que a intervenção do poder público somente, não será suficiente. Eu acho que as universidades têm capacidade de colaborar com esta questão. Alguns professores trazem estudantes aqui e eles mostram interesse em ver, conhecer, ou até em trabalhar nisso. Mas não é uma iniciativa acadêmica institucional, geradora de mão-de-obra para atender a um mercado de trabalho. Temos que adentrar a realidade capitalista. O modelo capitalista não tem solução para a pobreza, a não ser que geremos instrumentos dentro do próprio modelo. É preciso entender que investir diretamente na pobreza pode gerar lucros e viabilizar a melhor distribuição da renda.
EC/LA: E o Célula Urbana do Morro da Providência? Como será?
MLP: A Célula Urbana da Providencia foi pensada, também, como componente de sustentabilidade do projeto Favela-Bairro local. Partimos de algumas premissas básicas, que enumero de forma resumida.
O Morro da Providencia é a síntese importante da origem das favelas cariocas. A ocupação da encosta se confunde historicamente com o massacre de Canudos, que expressa bem o tratamento dado às ocupações irregulares, que perdura até hoje em alguns países do mundo. Escravos libertos e imigrantes pobres, sem opção de moradia, vão conviver com os soldados egressos da guerra, constituindo-se em uma das primeiras aglomerações semelhantes ao Morro da Favella, comunidade liderada por Antonio Conselheiro.
A sua situação de conurbação com importante área histórica da cidade que é o Cais do Porto e sua inserção no grande projeto estratégico de re-estruturação do Cais do Porto, e a existência em seu interior, de edificações históricas e culturais, nos levou a propor a criação de uma célula que se constitui em um Museu a Céu Aberto, capaz de gerar desenvolvimento e se inserir na cultura da cidade. O prédio do museu é o próprio morro, com suas fachadas que misturam pedreiras iluminadas, que são verdadeiras esculturas de granito com a vegetação e moradias.
O projeto é muito simples em sua articulação com o entorno. De um lado, os acessos pelo Morro do Livramento, patrimônio histórico-cultural da cidade e em fase de reforma, através de uma escadaria construída pelos escravos. De outro lado, pela proximidade com os projetos da Cidade do Samba, inclusive como referencia importante às origens das escolas de samba e a Vila Olímpica. Trata-se na realidade, de um corredor histórico que permite acesso à igreja, ao antigo reservatório, à capela do Cruzeiro – uma memória viva de Canudos - às casas de época que serão “congeladas” articulados com 3 mirantes, um anfiteatro e todas as outras intervenções do Favela-Bairro.