José Mateus: Para si os cenários são o lugar gerador da ação ou onde a ação se desenrola?
João Mendes Ribeiro: Ficaria muito triste se não fossem impulsionadores da ação… Os meus cenários são normalmente objetos multifuncionais que se transformam e que necessitam da intervenção dos atores para serem entendidos. É a partir do movimento dos atores que são reconhecidos e adquirem sentido.
JM: Houve casos em que essa interação “revelou“ um potencial multifuncional dos cenários surpreendente?
JMR: Por exemplo em Propriedade Privada, que fiz com a Olga Roriz. Foi uma cenografia difícil pois para além de ter sido o primeiro trabalho que fizemos juntos vivia muito do trabalho da Olga com os bailarinos. Era um objeto apropriável de diversas maneiras e nunca conseguimos esgotar todas as situações que aquele mesmo cenário poderia proporcionar. Foram feitos três espectáculos diferentes utilizando o mesmo objeto em que este era simplesmente disposto perante o público de maneira diferente, configurando cenografias distintas.
JM: O caráter econômico ou abstrato de uma cenografia pode ser bastante interessante. Por exemplo em Dogville – filme de Lars von Trier – toda a ação se passa num mesmo espaço: um plateau onde casas e ruas são linhas traçadas no chão e existe apenas um número mínimo de objetos. É a partir destes elementos que construímos mentalmente uma idéia de aldeia.
JMR: Há formas muito econômicas ou simbólicas de sugerir coisas. Em Uma Visitação, com uma peça única que se desdobrava de diversas maneiras, tentei recriar simbolicamente vários espaços/situações distintos. Por exemplo, quando ela tomava a forma de escada, sugeria a existência de uma elevação, num espaço exterior que efetivamente não estava construído. Também na cenografia de "Pedro e Inês" o cenário é marcado por uma arquitetura voluntariamente minimal: no palco vazio existe apenas uma plataforma ligeiramente elevada. Este dispositivo delimita, por um lado, o espaço concreto da ação e simultaneamente contém – esconde e revela – os diversos objetos cenográficos utilizados ao longo da atuação. De maneira paradoxal reproduz-se em palco um espaço exterior – a Fonte dos Amores da Quinta das Lágrimas. O efeito de ilusão é ainda reforçado pela utilização de materiais orgânicos concretos, reais, como água e terra, fora do seu contexto natural. No entanto, por muito que queiramos estabelecer uma ligação entre o cenário e o referencial físico concreto, o que permanece é uma idéia conceitual do mundo exterior reinterpretado cenograficamente dentro do palco.
JM: Na sua arquitetura há sempre um sentido analítico e uma procura de sínteses, uma redução ao essencial?
JMR: A procura do essencial, de uma clarificação estruturante, eu diria que sim. Mas depois tenho sempre vontade de acrescentar algo mais e por vezes de um certo expressionismo. A possibilidade de transformação, e a flexibilidade na arquitetura é algo que gosto muito de explorar. Mas há sempre uma procura de coisas que, à partida, não são muito imediatas nem evidentes.