MC: Em algumas posições, nem sempre conservadoras, se relacionam os reclamos dos imigrantes com as posições intolerantes do fundamentalismo muçulmano.
JB: A intolerância não é nova, sempre houve intolerância. A Espanha árabe era muito mais tolerante que a Espanha dos Reis Católicos. O fundamentalismo religioso no mundo árabe é relativamente recente, e se dá especialmente em alguns países aliados do Estados Unidos, como na Arábia Saudita. Em respeito à discriminação da mulher, é algo que no Ocidente (e muito especialmente na Espanha) só começou a se superar em tempos muito recentes.
Os manifestantes que queimam carros cometem um delito, mas, que ocorre, por exemplo, com os ricos que não pagam impostos? No início da revolução industrial e do movimento obreiro, os trabalhadores se expressavam queimando ou destruindo as máquinas dos lugares onde trabalhavam. Isto não seria inteligente, mas expressava uma rebelião, uma necessidade de fazer visíveis seus problemas, que depois se canalizaram por instrumentos mais inteligentes. Acredito que atualmente muito disto se repete nas revoltas de base territorial onde os novos excluídos expressam sua visibilidade e isso, em principio, não é condenável.
MC: É quase obrigatório fazer uma referência ao Maio francês em comparação com os distúrbios do subúrbio, mas também é quase óbvia a diferença entre as classes sociais e as reclamações de cada caso.
JB: Claro que existem diferenças, em um caso se trata de uma mobilização com foco no bairro universitário, ao redor da Sorbonne, conduzidos por jovens da elite, e noutro, de violência na periferia pela exclusão social. Mas acredito que à margem destas diferenças, existe uma coincidência mais ampla: trata-se em ambos casos de jovens que protestam contra uma estrutura social e política atrofiada, que não sabe interpretar as demandas mais óbvias de uma sociedade. Nos episódios prévios ao maio de 68, as demandas dos estudantes foram muito mal compreendidas pelas autoridades. Numa assembléia onde participava o ministro da educação, Daniel Cohn-Bendit exigiu que pudesse haver intercâmbios e visitas entre os pavilhões de garotos e garotas nas residências universitárias, algo que era lógico, porque os jovens da época já tinham deixado para trás as repressões sexuais de tempos passados. E o ministro lhe respondeu, quase com a mesma soberbia e ignorância com que hoje Sarkozy fala da "escória" social, que se Cohn-Bendit tinha "calores", que se atirasse em uma piscina...