Roberto Converti, coordenador da renovação do Porto de Santa Fé
Eunice Helena Sguizzardi Abascal
As cidades contemporâneas passam hoje, sem distinções de geografia e história, por processos de transformação desencadeados pelas feições próprias à nova economia mundial. A partir dos anos 80 do século XX assistiram a mudanças do modelo de produção industrial e fordista, transitando a um patamar inusitado no que diz respeito à organização das relações de produção e trabalho.
Esse trânsito, ao qual estão vinculados outros fenômenos tais como a retração do emprego industrial e avanço do setor terciário, nova organização produtiva graças à introdução de tecnologias informáticas e logísticas, vem sendo acompanhado de transformações significativas da estrutura espacial urbana. Áreas que tradicionalmente se destinavam a funções industriais ou de apoio à indústria vigente, centros urbanos deslocados e substituídos por outras centralidades, vazios urbanos e áreas portuárias degradadas e obsoletas, desconectadas das relações produtivas atuais surgem como problemas à espera de solução.
Santa Fé na Argentina é uma cidade de tradição portuária, o primeiro porto ativo do país, desde a data de sua fundação, em 1573, por Juan de Garay. A partir de então e do translado da cidade ao seu atual sítio em 1650, esse porto estratégico para o país e a Província do mesmo nome realizou a comunicação necessária entre o interior e o Oceano Atlântico, servindo ao escoamento de bens e matérias-primas. Embora a região de Santa Fé seja historicamente pastoril, com a industrialização ocorrida no século XX o Porto cumpriu desde então o papel crucial de conectar as Províncias mais distantes aos países vizinhos, permitindo as relações econômicas intra-continentais da Argentina e também o de voltar o interior às rotas internacionais de comunicação.
A partir dos 80, problemas relativos à necessidade constante de correção da profundidade da calha navegável, a fim de permitir a penetração de navios de grande calado se fizeram sentir, por onerar de maneira sistemática o Estado. Planos de mudança de situação das instalações portuárias foram realizados, com o objetivo de sitiá-las de forma a atender às crescentes demandas de abertura à economia internacional e globalizada, agilizar e modificar a logística de circulação, aprovisionamento e escoamento de cargas, bem como evitar investimentos em infraestruturas para navegabilidade. O sistema de conteinerização, prática e tecnologia que triunfaram substituindo a necessidade de extensas áreas para armazenamento (retraindo plantas destinadas a galpões e armazéns) colocou-se como uma das variáveis fundamentais dessas transformações, que afetaram várias cidades portadoras de problemática similar à de Santa Fé (tais como Buenos Aires, com Porto Madero e Bilbao, na Espanha).
A existência de um projeto de requalificação da área historicamente consagrada como portuária em Santa Fé se apresenta hoje como a resultante desta política de deslocamento do Porto, desocupando assim os terrenos que foram tradicionalmente ocupados pelas instalações que serviram à sua logística de operação. A retomada e a projetada funcionalização dessas áreas constituem um movimento de intensa valorização de solo urbano, ao agregar valores provenientes da pretendida qualidade de ambiência, equipamentos e arquitetura nelas inseridos.
Ao mesmo tempo, cabe lembrar que este projeto proposto e que se discute na entrevista realizada, insere-se num ambiente de liberalização da economia, desregulamentação e retração do Estado como promotor de obras públicas e de interesse social ocorrente na Argentina, desde a data assinalada como marco de transformações.
No sentido de melhor compreender as propostas urbanísticas e arquitetônicas para o Porto de Santa Fé, procurando entende-las de maneira a inseri-las no complexo ambiente político, econômico e social da Argentina contemporânea, que realizamos a entrevista com Roberto Converti.
Converti dedica sua atuação profissional ao planejamento físico-territorial e estratégico das cidades, dirigindo atualmente dois projetos na Argentina, um deles em Santa Fé e outro em Neuquen. Coordena o Projeto Comum de Estratégias para o Desenvolvimento de Cidades Portuárias na América Latina e Europa, o qual congrega cidades tais como Marselha, Valparaíso, Montevidéu, Bilbao e Rosário. A entrevista que se segue foi realizada pela Internet, entre novembro e dezembro de 2005, e gerou o interessante debate que segue.