Michael Wesely: Vamos falar de Berlim. Era óbvio olhar para Berlim. Quando cresci eu era cercado de divisões: a guerra fria, os alemães divididos, Berlim dividida. Desde minha infância eu carrego esta grande frustração que diz respeito à separação que havia entre leste e oeste. Quando isso desapareceu, quando a guerra desapareceu, era muito instigante ver como as coisas estavam mudando. Nestes dias eu estava trabalhando com longas exposições, e logo houve uma ligação.
Paulo Tavares: Houve um grande debate no âmbito urbanístico na época. As pessoas pareciam procurar uma imagem de Berlim. Diziam; “devemos fazer uma imagem da Berlim tradicional ou da Berlim do século XXI, a imagem de uma capital da economia global?” Mas como notou Andréas Huyssen, tratava-se de um debate vazio, superficial, porque tudo sempre vinha na forma da imagem. Você também está “construindo” uma imagem de Berlim, de Potsdamer Platz, mas por outra via. Não é uma imagem romântica, nem tampouco nos remete a um futuro utópico para a cidade.
MW: As discussões sobre a urbanização de Berlim estão sempre acontecendo...o gabarito dos edifícios, devem ser eles mais altos, mais baixos etc. Minha câmera é mais fatalista num certo sentido, porque basicamente ela capta o quê está em sua frente. Você se movimenta e isto estará lá, você se movimenta novamente e isto também estará presente. Eu não tenho expectativas sobre isso. Eu não sou arquiteto, nem urbanista. Eu não estava envolvido nestas discussões. A única coisa que me interessava eram as mudanças dos lugares...
Olhando para trás é possível ver: os espaços públicos estão desaparecendo em Berlim. Agora, tudo é espaço corporativo. Você vai a Potsdamer Platz e não é possível sequer fazer uma manifestação lá. Ela pertence a Chrysler, a Sony...
Estas discussões que você menciona vieram mais tarde, uma vez que as fotos abrem a oportunidade de falar sobre isso. Minhas fotografias são como aberturas para todo este debate político que veio junto de Potsdamer Platz e o processo de reconstrução...eu estava apenas seguindo este processo. Se tivessem construído uma praça completamente diferente eu também teria feito as fotos.
PT: Então você está fotografando a mudança: todos buscando uma imagem de Berlim e você estava fotografando esta busca...
MW: As pessoas querem se manifestar...elas querem uma imagem que condense a idéia de Berlim, talvez elas achem nestas imagens...
PT: O crítico americano Frederic Jameson, a propósito de nossa “condição pós-moderna”, diria que vivemos como se estivéssemos num presente constante. Aqui, lembro-me também da expressão de Virilio, mais dramática: “a sociedade sem futuro”. Seu trabalho em Berlim diz algo sobre isso, eu penso. Não há a certeza de uma existência passada, e não há uma visão que defina um futuro, mas apenas um lugar entre estes dois, um lugar em constante mutação...
MW: Esta é uma longa discussão. Muitas coisas estão acontecendo, mas basicamente, arquitetura e urbanismo são sempre determinados pela política. Quando você observa o quanto à política está mudando você também descobre porque a arquitetura está mudando. Quando construíram Brasília, definitivamente havia um foco completamente diferente na sociedade. As pessoas tinham perspectivas diferentes.
Agora, isso que você falou sobre a imagem...quando escuto você falando sobre a discussão urbana que aconteceu, parece-me que as pessoas queriam um sumário... “O que é isto? O que é Berlim agora?” ... o que também é um tipo de sonho utópico, mas de uma maneira diferente. É a idéia que se tem de poder capturar isto em uma imagem...Bom, minha imagem captura isto, mas quando você olha para as imagens...elas são sobre conhecer e entender estas grandes mudanças que estão acontecendo... e elas têm várias imagens. Algumas imagens não podem ser muito bem fotografadas.
Dois dias atrás a Tour de France começou. Ano passado Lance Armstrong iria ganhar, não sei ao certo, pela sexta ou sétima vez. Nos jornais havia pessoas comentando: “O jeito que ele anda com a bicicleta não é elegante” e tudo mais...Não queriam que ele ganhasse. Então, eu me pergunto: “É preciso ter a imagem de alguém como herói?” Sobre as imagens de Berlim, sobre estas mudanças em Berlim, com minha técnica e minha experiência eu estava apto a captar estes momentos...Mesmo se eles tomassem dois anos de exposição, eles serão sempre momentos, porque se você volta para história, estas fotografias de dois anos de Berlim são quase como um “clic”. Fala-se sobre a Segunda Guerra mundial, que foi isso e aquilo, mas estamos falando de seis anos, que de nossa perspectiva remota está reduzido a uma sentença. De alguma maneira é isto que você acha em minhas fotos. Elas são sobre a relatividade de menores ou maiores quadros de tempo.
Há mais uma coisa para se entender em Berlim. Existe um certo tipo de compêndio de como os governos estão estabelecendo o poder pela arquitetura. As pessoas agora pensam “nós devemos mudar Berlim novamente, ela dever ser assim, assim etc.” Todos pensam que é a última mudança. Minhas imagens de Potsdamer Platz possuem algum desses momentos, desta nova cidade, desta maneira de se mudar a cidade.
PT: No filme de Win Wenders, Asas do Desejo, um homem muito velho caminha pelo vazio de Potsdamer Platz e se pergunta: “Onde está Potsdamer Platz? Não consigo achá-la”. Acredito que esta foi a pergunta principal colocada pela sociedade, pela política, para a arquitetura e o urbanismo naquele momento. Você encontrou Potsdamer Platz? Esta era uma questão para você também?
MW: Não, não era...Eu estava observando de uma perspectiva múltipla...
PT: Mas assim como os arquitetos, você também está fazendo uma imagem de Berlim, uma imagem desta nova Berlim.
MW: Se pensarmos sobre as últimas esculturas de Leonardo da Vinci...elas não estavam finalizadas. Ninguém sabe se isto era proposital ou não. Talvez seja esta a razão porque elas são tão fortes, porque elas estão inacabadas. As imagens que fiz de Potsdamer Platz, de uma certa maneira, têm a idéia utópica de algo que não está terminado, que ainda não foi completamente feito. Algumas vezes a imagem não terminada é mais interessante que a realidade. Como as imagens que fiz para Brasília. Você pensa: “Isto tudo parece tão puro”, mas então vem a realidade e tudo fica diferente.
PT: Obrigado pela entrevista Michael.