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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Abilio Guerra entrevista o arquiteto paisagista José Tabacow, que fala de sua formação e trabalho com Burle Marx, de sua experiência como diretor do Museu de Biologia Professor Mello Leitão em Santa Teresa/ES e sobre ecologia e meio ambiente no Brasil

english
Abilio Guerra interview landscape architect José Tabacow, who talks about his training and work with Burle Marx, from his experience as director of the Museu de Biologia Professor Mello Leitão in Santa Teresa/ES and on ecology and environment in Brazil

español
Abilio Guerra entrevista al arquitecto paisajista José Tabacow, que habla de su formación y trabajo con Burle Marx, de su experiencia como director del Museo de Biología Profesor Mello Leitão en Santa Teresa/ES y sobre ecología y medio ambiente en Brasil

how to quote

GUERRA, Abilio. José Tabacow. Entrevista, São Paulo, ano 07, n. 028.02, Vitruvius, out. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/07.028/3299>.


Jardins de Casaforte, Recife PE, paisagista Roberto Burle Marx. Desenho dos jardins de Casaforte, onde Burle Marx , pela primeira vez, usa vegetação amazônica como critério de valorização da flora autóctone do Brasil

Abílio Guerra: Em um depoimento de 1977, Burle Marx comenta sobre o período em que viveu em Berlim, no final da década de 1920. Afirma ter sido muito importante para sua vida o que encontrou no Jardim Botânico de Dahlem: “vi pela primeira vez, uma grande quantidade de plantas brasileiras, usadas pela primeira vez com objetivos paisagísticos. Nós, brasileiros, não às usávamos, por considerá-las vulgares. Compreendi então que, em meu país, a inspiração deveria se basear, sobretudo, nas espécies autóctones” (1). É muito curioso que a consciência sobre a importância do uso de plantas autóctones tenha sido despertada justamente em um contexto onde a vegetação brasileira era usada de forma “exótica”. Parece ser mais plausível que o uso de espécimes de nossa flora tenha sido uma opção ideológica influenciada pelo íntimo contato com Lucio Costa, que advogava a necessidade de um contato maior de nossa arquitetura moderna com o passado colonial. Em sua opinião, o quanto esse encaminhamento da obra de Burle Marx é tributário de um despertar isolado ou de seu relacionamento com Costa?

José Tabacow: Sob este aspecto não houve influência de Lúcio Costa, cujo maior mérito foi perceber, lá naquele quintal do Leme o potencial de Burle Marx como paisagista. Ambos moravam na mesma rua Araújo Gondim, (hoje rua General Ribeiro da Costa) e Lúcio convidou Roberto para fazer o jardim da primeira casa modernista do Rio, que projetava em Copacabana, juntamente com Grigori Warchavchik. Esta casa não existe mais, mas Roberto, com muito humor, contava que por inexperiência quis colocar naquele primeiro projeto tudo que conhecia. “O resultado foi como um peru no pires!”, comentava, acrescentando que Lúcio teria dito “ficou muito bom, meu filho”. Mas ele tinha a consciência que era muito mais o professor animando o aluno, que o crítico analisando de forma imparcial.

Quanto ao passado colonial, é curioso que a planta com imagem mais fortemente associada a nossa arquitetura, embora de introdução tardia, a palmeira-real (Roystonea regia), seja exótica. O exemplo significativo de uso de vegetação indígena anterior a Burle Marx, a alameda das sapucaias (Lecythis pisonis) de Glaziou, na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, é isolado e circunstancial. A diferença e o valor de Burle Marx, é que ele foi o primeiro a coletar sistematicamente espécies da flora brasileira, a estudar seu potencial como plantas para uso paisagístico e a introduzi-las através de seus projetos. Uma relação seria longa e cansativa. Menciono, apenas para exemplificar, os filodendros, as helicônias, marantáceas, veloziáceas, orquídeas e diversas palmeiras.

Por outro lado, o despertar isolado foi fruto de um processo complexo, longo e em etapas. A decisão tomada nas estufas de Dahlem, na década de 20, prende-se muito mais a uma necessidade de ampliar suas possibilidades de expressão, através do componente vegetal em suas composições paisagísticas, que propriamente por uma preocupação ecológica ou conservacionista. Muito mais importante que a ironia de ter descoberto a flora brasileira em Berlim, freqüentemente mencionada, foi a percepção de seu potencial uso em projetos de paisagismo. Estas plantas, por aqui, eram consideradas “mato” sem valor.

Posteriormente, no Recife de 1935 ele escolhe, pela primeira vez, vegetação brasileira, o que já significa um critério, embora ainda distante do que se possa chamar de autoctonismo: em Casaforte, usa a flora amazônica, na Madalena, plantas da caatinga, biomas com fitofisionomia bem distinta da mata atlântica onde se assenta a capital pernambucana! Mas já havia aí os germes de uma atitude de incorporar elementos de nossas paisagens naturais. Só muito mais tarde, no Parque do Araxá (1943) é que o contacto e os ensinamentos do botânico Henrique Lahmeyer de Mello Barreto vão despertar, no paisagista, a consciência da importância de valorizar a flora indígena não por si mesma, isolada, mas relacionada com o substrato, considerando suas associações com outras plantas e com os ambientes circundantes. Só então pode-se falar numa preocupação ecológica, na acepção etimológica do termo.

Trazer espécies carismáticas das paisagens locais passa a ser uma forma de integrar projeto e ambiente natural, à maneira dos parques românticos ingleses do século XIX, que Burle Marx aplica, para não citar todos, em dois exemplos maiores de sua obra: Correias-RJ, no jardim de Odette Monteiro (hoje Luiz Cézar Fernandes), onde destaca acácias (Senna multijuga), quaresmeiras (Tibouchina granulosa) e mulungús (Erythrina speciosa), e em São José dos Campos-SP, na fazenda da família Gomes (hoje, parque público municipal com o nome de Parque Roberto Burle Marx), onde cria grandes grupos com palmiteiros (Euterpe edulis) e guapuruvús (Schizolobium parahyba).

AG: Em resposta anterior, você menciona as “excursões de coleta de plantas com potencial uso paisagístico em diversas partes do território brasileiro”. Tais excursões se assemelham muito às incursões de intelectuais modernistas para várias regiões brasileiras, sempre em busca das “raízes do Brasil”, das manifestações culturais autóctones do folclore, da música, da arquitetura, matéria prima a ser usada depois em obras de arte. Mário de Andrade, Raul Bopp, Tarsila do Amaral, Villa-Lobos, Lucio Costa e muitos outros artistas produziram obras significativas manipulando o material coletado em viagens de conhecimento do país. Tal comparação faz sentido? Como se deu esse processamento no âmbito específico do paisagismo de Burle Marx e qual seria a importância das coletas de espécimes locais para sua obra?

JT: A comparação é válida e mais, feliz. As viagens significaram muito mais do que um simples colecionamento de plantas. Em um texto de apresentação, Lúcio Costa diz que “a obra do botânico, do jardineiro, do paisagista se alimenta da obra do artista plástico, do desenhista, do pintor, e vice-versa, num contínuo vaivém”. O contato com as paisagens, com os costumes do interior, com as cores de cada região eram fontes permanentes de idéias, de inspiração, de invenção. Estas idéias não eram aproveitadas de forma seletiva, apenas para os trabalhos de paisagismo. Ao contrário, serviam a qualquer de suas inúmeras atividades no campo das artes. Como ninguém, ele percebia a possibilidade de transposição para a tela, para um pano pintado, uma escultura ou um projeto de paisagismo, de um aspecto qualquer que, aos outros, passava despercebido.

Nessas viagens os aspectos paisagísticos apareciam, naturalmente, com maior peso, tendo em vista que o material coletado tinha aplicações imediatas neste campo e que a observação de novas paisagens, o contato permanente com os botânicos que o acompanhavam, a observação das transições e enclaves ensejavam um enriquecimento em sua maneira de ver e transpor para os projetos novas geometrias de composição. “Fazer jardins não é imitar servilmente a natureza”, dizia. Mas sabia buscar nela suas sugestões, transpunha para sua obra não apenas as plantas coletadas, mas toda uma série de informações e aspectos das paisagens a elas associadas. Neste sentido poder-se-ia dizer que Roberto Burle Marx foi o último naturalista do século XIX, pois pelas suas atividades de viajante coletor, ele pode ser irmanado a Saint-Hilaire, Von Martius ou Gardner, entre tantos outros.

AG: Muitos críticos já salientaram que a obra de Burle Marx busca uma síntese entre demandas naturais e artísticas. Vera Beatriz Siqueira, por exemplo, afirma que as “formas ondulantes” do paisagista carioca “ora se aproximam das curvas da paisagem local, ora se integram comodamente ao pensamento abstrato moderno” (2). Como se daria, em sua opinião, o encontro dos conhecimentos de botânica e de artes plásticas no paisagismo de Burle Marx? O esteticismo flagrante de tal atitude era uma vantagem ou desvantagem?

JT: O crítico de arte Clarival Valladares via no paisagista o pintor que usava o terreno como tela e as plantas como tinta. Por algumas conferências antigas, pode-se deduzir que Burle Marx comungava com esta idéia. Entretanto, mais maduro, ele passa a rechaçar o equívoco de misturar expressões tão distintas. Como bem observou Lúcio Costa, Roberto bebia nas fontes do passado, mas sabendo eleger qual melhor se adaptava a cada forma de expressão. Assim, podemos distinguir claramente conceitos dos jardins barrocos de Le Nôtre no desenho do Centro Cívico de Santo André ou a estrutura de concepção dos jardins renascentistas italianos na Fazenda Vargem Grande, em Areias – SP. No primeiro exemplo, o terraço ao lado do edifício da Prefeitura Municipal era chamado, no escritório, de “parterre” e Roberto explicava que a concepção daquele espaço apenas diferia dos originais franceses porque permitia que o observador caminhasse em seu interior. Há aqui uma nova proposição em que os pisos, com seus desenhos, não cumprem apenas um papel funcional, mas interagem com as superfícies coloridas das plantas de cobertura dos canteiros adjacentes. Já no segundo caso, pode-se distinguir nos terraceamentos sucessivos, na forte presença da água em fontes e cascatas que a busca de inspiração tem raízes nas composições renascentistas de Pirro Ligorio na Villa D’Este.

Por outro lado, o conhecimento que acumulou em botânica aplicada ao longo da vida, permitiu que as especificações vegetais fossem definidas com perfeito domínio das técnicas de chegar aos resultados desejados. E esta sempre foi sua intenção, “aumentar o elenco de plantas disponíveis”, como um pintor que procura matizes inéditos, um arquiteto pesquisando materiais de construção ou um fotógrafo em busca de novas luzes.

Não há dúvidas de que há unidade na obra multifacetada de Burle Marx. É certo que as experiências de pintura alimentaram o paisagista ou o escultor e vice-versa. Mas ele procurou conscientemente valorizar, em cada forma de manifestação as linguagens a ela peculiares. “Quando faço pintura, penso em pintura. Quando faço jardins, penso em jardins!”, afirmava enfaticamente, sempre que alguém sugeria alguma semelhança em formas distintas de sua expressão como artista. Era neste sentido que a preocupação plástica se traduzia em sinergia, certamente uma vantagem que ele soube aproveitar em suas produções.

notas

1
BURLE MARX, Roberto. ”Depoimento”. In BAYÓN, Damián. Panorâmica de la arquitectua latino-americana, Barcelona, Editorial Blume, 1977, p. 40-63. Republicado em Arquitetura moderna brasileira – depoimento de uma geração, org. Alberto Xavier, co-edição ABEA/FVA/PINI, Projeto Hunter Douglas, 1987, p. 305-313, com tradução de José Tabacow.

2
SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle Marx. Coleção Espaços da Arte Brasileira. São Paulo, Cosac & Naify, 2004, p. 11.

Viagem à Amazônia. Roberto Burle Marx e o botânico Paul Hutchinson preparando material herborizado para identificação
Foto José Tabacow

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