Fábio: Se bem que esse conceito de cidade aberta, podemos dizer que ele já está presente no projeto do Lucio para Monlevade, na implantação, pois você pega o projeto do Murgel, por exemplo, ele é concentrado, os equipamentos, o cinema, o armazém,
Maria Elisa: Já está presente em Monlevade, sem dúvida, porque aí ele já estava contaminado pelo ideário Corbuseano…, a idéia da cidade-parque, da coisa aberta, ele já estava contaminado, sem dúvida nenhuma… É curioso porque que ele sempre lidou com esses conceitos, assim de cidade aberta; lidou com uma liberdade enorme, papai tinha um lado absolutamente importante, para quem quiser conhecer ele: é que ele tinha uma informação enorme, um lastro cultural enorme, mas sempre foi movido a realidade, quer dizer, ele não usou a realidade para demonstrar uma tese, entende, ele usou a tese para resolver o problema real, isso é uma coisa típica – Brasília é exatamente isso, quer dizer, cinco anos antes de Brasília, em Veneza, num congresso em Veneza, ele tinha defendido brilhantemente a unidade de habitação de Le Corbusier, prédio alto, moderno, adensado; um dia eu cheguei para ele e disse: ‘ você heim!!! Cinco anos depois, quando você foi fazer, botou prédio de seis andares, altura normal, e comércio na rua ...’ Ele não usou Brasília para demonstrar nenhuma tese, ele usou sua bagagem para conseguir ajudar o Juscelino a fazer uma mudança definitiva, quer dizer, ele levou o Juscelino a sério, levou a sério mesmo. Primeiro, não é um plano, é um projeto, um projeto feito, como ele dizia muito, em escala definitiva, quer dizer, feito como uma roupa de adulto, e se colocou um bebê lá dentro, e o bebê crescendo ia preencher aquela roupa. Você não tinha nenhum dado, nenhum referencial, você não sabia o que ia acontecer, então você tem que assumir a invenção. E a outra coisa é que tinha que ser bacana, com um eixo monumental, e tinha que propor um novo modo de convívio urbano, que não assustasse as pessoas, que fosse assimilável, digamos assim, porque se ele tivesse feito uma estrutura urbana padrão, rua normal, ia ser visto por aqui pelo sul como uma cidadezinha do interior qualquer, durante anos. Então ele bolou essa coisa brilhante, que é a superquadra – o fato dela ser delimitada por uma faixa arborizada, de ter população em torno de 2000, 2500 a 3000 habitantes, mesmo com gabarito uniforme de 6 andares dava uma certa flexibilidade ao projeto.
Fábio: Com uma certa autonomia…
Maria Elisa: Você tem uma entrada independente para carro, quer dizer, as crianças brincam a vontade. Além disso, ele incorporou o pilotis aberto, e quatro quadras fazem uma unidade de vizinhança. As pessoas assimilaram isso em dois minutos. De repente, o convívio na quadra, e eu acompanhei tudo porque tenho uma cunhada que mora lá desde os anos 60… eu vi os meninos crescerem e terem filhos…
Fábio: Vocês chegaram a morar lá…
Maria Elisa: Eu morei só durante dois anos, muito indo e vindo… mas enfim, tinha time de futebol da quadra, igual em rua de cidade menor, porque depois a densidade das cidades, daqui por exemplo, cresceu demais; quando eu era menina a gente tinha um clube aqui na esquina, hoje as meninas…, as minhas netas são amigas de pessoas que moram em lugares mais distantes; não tem mais essa coisa porque a rua já ficou com gente demais, você não conhece o seu vizinho, antigamente, você conhecia o seu vizinho e na quadra teve essa coisa, que foi assimilada em cinco minutos… é impressionante a rapidez com que as pessoas assimilaram isso; e aí tem uma outra coisa de Brasília… de 64 a 68 eu morei na França e trabalhei num escritório lá; era época em que eles faziam aqueles ‘grands ensembles’ como eles denominavam, aqueles grandes conjuntos na periferia de Paris; e me dava uma aflição, porque aquilo era completamente invertebrado, sabe como, você põe um bloco aqui, aí respeita o afastamento, bota outro bloco ali, mas você não tem nada que estruture; e eu acho que foi isso que me fez perceber como é importante… e no caso de Brasília essa coisa de você ter um esqueleto, que é o sistema viário, que estrutura, que amarra as coisas, é extremamente importante. Em Paris, eu me lembro, às vezes… nós fomos visitar um amigo que morava numa torre em Sarcelles, de um lado tinha uma estradinha que dava uma volta do prédio: de um lado se chamava Alée Camilo Pizarro, de outro Alée Degas, de outro Alée… mas não era algo que referenciava. Agora, no caso de Monlevade é mais solto… tudo, é mais rural, se você quiser entender assim...
Fábio: E o memorial revela a intenção do que ele vai desenvolver…
Maria Elisa: Tem tudo, e ele quer dar uma aula. Lendo o memorial para Monlevade, como o da Cidade Universitária, e é onde eu vejo a analogia dos dois projetos e a análoga frustração nos dois casos, é que ele quer dar uma aula, ele quer explicar, ele quer que as pessoas entendam. É uma coisa assim, são os dois memoriais mais didáticos, nos quais ele faz questão de explicar o porquê das soluções adotadas.