Gabriela Celani e Maycon Sedrez:Você acha que o conceito de ground é inspirado na obra de Niemeyer?
Anne Save de Beaurecueil: Niemeyer, Escola Paulista, Artigas, o Museu da Escultura, a FAU-USP... esse estudo do ground quebrando as hierarquias que existiam em um edifício tradicional. Na FAU-USP, por exemplo, você entra e não há portas. Existe uma fluidez entre fora e dentro, entre os departamentos e os studios... tudo é ligado por rampas. Essas ideias exerceram grande influência sobre os arquitetos europeus dos anos 80, começando com Rem Koolhaas, Zaha, e depois FOA, MVRDV, etc., inspirados por essa arquitetura brasileira do ground.
GC: Niemeyer eu já imaginava, mas inclusive o Artigas era conhecido? O Paulo Mendes era conhecido?
ASB: Não sei se para eles. Mas para nós sim, pois fizemos o mestrado na Columbia, que tinha a parte de projeto, mas também de teoria. A Columbia é muito boa em termos de teoria. Tem a maior biblioteca do mundo de arquitetura. Eu estava fazendo uma pesquisa mais histórica. Eu fiz uma comparação entre Frank Lloyd Wright e Artigas; mostrei que Frank Lloyd Wright viajou para o Brasil e foi influenciado pela arquitetura brasileira. E também, quando ainda era estudante, Artigas foi viajou aos Estados Unidos para conhecer a arquitetura do Frank Lloyd Wright. Havia ligações entre o Guggenheim e a arquitetura brasileira da época. Todo mundo conhece Niemeyer; na minha pesquisa eu queria mostrar a outra arquitetura brasileira, a da escola Paulista, como Artigas e Mendes de Rocha, que estavam trabalhando com o conceito de ground. Há também uma nova geração, entre eles os arquitetos Eurico Prado Lopes e Luiz Telles, que projetaram o Centro Cultural São Paulo (http://www.centrocultural.sp.gov.br) entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, aplicando o conceito de ground. Pode-se dizer que esse projeto é o avô de Yokohama do FOA, porque é realmente um landscape building, um edifício de paisagem, inserido no contexto. O edifício tem uma fluidez incrível. O exterior é ligado ao interior, com uma entrada inclinada que faz continuar a calçada da rua dentro do edifício, e com todos os espaços conectados por um sistema de rampas.
Essa arquitetura do ground foi a base das pesquisas que fizemos no A.A., só que nós queríamos transformar essa arquitetura dos anos 1980, pois já nos anos 2000 ninguém mais falava do ground. Nós queríamos retomar essa pesquisa, mas de maneira mais articulada. O Yokohama é incrível, mas é muito monolítico. Não tem uma articulação para fluxos e forças menores, como os fluxos do meio ambiente, como o sol, o vento. Nós queríamos incorporar mais fluxos. Um novo tipo de articulação. Por isso criamos o conceito de articulated ground. Usar o ground dos anos 80 e 90, mas com uma articulação com as componentes mais inteligentes dos anos 2000. Todas as pesquisas de arquitetura paramétrica eram bem mais sensíveis aos fluxos de sol, vento, pessoas. Talvez o Maya fosse melhor para controlar as superfícies, mas agora, com o projeto paramétrico, podemos controlar componentes para fazer um edifício mais responsive, menos monolítico.
Essa foi mais ou menos a base das pesquisas no A.A.: considerar sempre o meio ambiente, mas com uma visão diferente da sustentabilidade ensinada por nossos professores da Cal Poly. Nós queríamos ligar o controle do meio ambiente à cultura e aos fluxos urbanos. As manipulações do ground ajudam a mediar forças culturais. Usamos o ground para articular o movimento das pessoas e as relações entre as pessoas, o programa e os eventos.
GC e MS: Você poderia falar um pouco sobre o que você acha da arquitetura brasileira e da formação do arquiteto no Brasil?
ASB: Acho que o Brasil passou recentemente por uma época em que não havia muita intensidade em termos de arquitetura interessante. Os que têm esse fundamento de arquitetura de ground são os arquitetos modernos. Estou mais interessada no projeto do ground, na ligação entre programas, do que na parte formal do moderno e do modernismo. Eu acho interessante que o modernismo importado da Europa foi totalmente transformado aqui para ser mais ligado ao meio ambiente, mais tropical. O modernismo que começou na Europa para representar uma filosofia, foi totalmente comercializado industrializado nos Estados Unidos, com a produção em massa, como nos sistemas de curtain wall padronizados. Aqui foi interpretado para criar uma coisa mais aberta, o free ground.
No Brasil, logo no início do modernismo, foi feita essa ligação entre Le Corbusier e Niemeyer dentro do escritório do Lucio Costa, esse acordo para fazer o Ministério da Saúde. Essa interação entre países e ideias é muito importante. O modernismo começou assim: o Le Corbusier veio falando de seus five points, mas foi interpretado. Quando o Brasil era mais fechado havia menos conversações; parece que agora em função da economia as coisas estão mais abertas. Os arquitetos estrangeiros que estão vindo para cá não deveriam simplesmente importar as ideias de fora – eles precisam entender os materiais e a cultura local. Nós gostamos da ideia do high-low para introduzir tecnologias novas dentro do contexto brasileiro. Existe esse estudo do high tech de lá, mas como misturar isso com as baixas tecnologias daqui? É uma maneira de introduzir tecnologias do exterior, mas com coisas de baixa tecnologia de projeto. Por exemplo, usar materiais reciclados com componentes para encaixes fabricados em máquinas de corte a laser ou fresadoras CNC. É preciso repensar o que é universal, a arquitetura contemporânea, de uma maneira mais brasileira, usando técnicas locais, usando culturas locais. Acho que é uma coisa que está começando no Brasil, havendo essa fase de troca de ideias com arquitetos daqui, podemos ter novamente o que aconteceu nos anos 30 com Le Corbusier e Niemeyer, e criar uma nova geração de arquitetura brasileira.