Adalberto da Silva Retto Jr: Aldo Rossi, com o livro Arquitetura da cidade (1966, ed. Alemã, 1973), coloca as bases de uma teoria urbana que entende a cidade como arquitetura, uma estrutura espacial no seu conjunto, no qual a divisão do solo, com os seus “lugares” ou “fatos primários” em sua origem e determinando sua evolução e configuração, representa a imagem da longa história da forma urbana. As posições de Rossi, as planimetrias de Colin Rowe e Fred Koetter (além das análises de Jane Jacobs, Kevin Lynch e Robert Venturi), foram discutidas em Barcelona, assim como em Berlim. Em Berlim, por razões históricas e políticas, essa discussão chegou com quase vinte anos de atraso e somente no final dos anos de 1970, que os arquitetos tornaram-se sensíveis ao contexto histórico da cidade, à sua história e à sua conservação. Como analisar esse descompasso interno na Europa?
Otilia Arantes: É verdade que em quase toda a Europa as teorias do Rossi, aliás, de todo o grupo ligado a Giuseppe Samoná e à Escola de Veneza, tiveram muita repercussão, e que Bolonha dos anos 1960 foi a Meca dos arquitetos e urbanistas em busca de alternativas para a tabula rasa dos modernos. Assim, a revalorização da arquitetura tradicional, preservação dos monumentos, etc. (os vários contextualismos: dos italianos citados, de Bernard Huet na França, de Oriol Bohigas e seu grupo na Espanha – que aliás chegam a se constituir num grupo denominado Tendenza), a concepção de cidade como uma superposição arqueológica de fases históricas (Rowe & Koetter), o urbanismo na escala humana (Jacobs) ou a valorização da arquitetura “comum” (Venturi), é o que dá o tom ao debate daquele período: anos 1960-1980. Aos poucos o pós-modernismo vai trazendo a arquitetura para um primeiro plano, marcando a revanche dos arquitetos sobre os urbanistas e, banindo do seu receituário o lema da “modéstia” (Huet), dará espaço a obras singulares, devidamente assinadas, e cada vez mais extravagantes sobrepondo-se assim a uma visão mais geral da cidade, e, especialmente, de sua história, suas tipologias arquitetônicas, morfologias urbanas, etc. (tão presentes no debate anterior) – em vez de “criar no “criado”, simplesmente “criar”, ou melhor, “inventar” – é o triunfo da “diferença exacerbada” (Koolhaas), do raro, do espetacular, das imagens feéricas, que por sua vez vão servir ao marketing urbano, e assim por diante.
Pode-se dizer que Berlim e Barcelona passaram por ambas as fases, ou combinaram as duas, como se pode deduzir do exposto nas respostas anteriores. Se o debate começou antes em Barcelona, não posso assegurar, mas as lições só foram tiradas a partir dos anos 1980, de forma que não se pode dizer que Berlim, com sua política de preservação de Kreuzberg, tenha chegado com atraso. Aliás, a combinação das duas estratégias talvez se dê até hoje em ambas e a bem dizer foi adotada concomitantemente. Volto a um ponto nevrálgico de um antigo argumento, a saber, a convergência de fundo entre duas tendências que se pretendiam contrapostas: a dos contextualistas e dos empreendedores – convergência objetiva que se expressa na cidade-empresa-cultural, da qual Barcelona e Berlim são bons exemplos.