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interview ISSN 2175-6708

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Haruyoshi Ono, sócio e interlocutor de Roberto Burle Marx por quase três décadas, dá um amplo depoimento sobre sua atuação como paisagista ao lado do mestre e de sua trajetória autônoma à frente do escritório que ainda leva o nome do fundador.

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BARBOSA, Antônio Agenor; RODRIGUEZ, Stella. Entrevista com o arquiteto paisagista Haruyoshi Ono. Entrevista, São Paulo, ano 15, n. 057.01, Vitruvius, jan. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/15.057/5010>.


Parque do Flamengo
Foto Nelson Kon

AAB / SR: Recentemente a cidade do Rio de Janeiro recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade na categoria de Paisagem Cultural. Um dos lugares contemplados por este título é o Parque do Flamengo. Como o senhor recebeu esta notícia? E o que o senhor pensa, em termos mais amplos, a respeito dos processos de patrimonialização de uma obra de paisagismo?

HO: Bom, naturalmente eu fiquei muito feliz com a notícia, ainda mais porque duas obras de Roberto, das quais tive a satisfação de participar, numa delas como co-autor, contribuíram para que a cidade do Rio de Janeiro obtivesse esse título. Na verdade, acompanhamos este processo há alguns anos, desde 2009, quando participamos de reuniões com a Fundação Roberto Marinho junto com a Prefeitura do Rio de Janeiro. Mas é como eu disse nas reuniões na época: não adianta a cidade receber o título, se na verdade os gestores não fizerem nada pela preservação dos seus bens. A este respeito, uma coisa curiosa: quando se comemorou o centenário de nascimento de Roberto Burle Marx em 2009, a Prefeitura do Rio logo fez um movimento para o tombamento provisório de 84 obras paisagísticas dele na cidade. Atitude muito louvável se feita com critério e seriedade, o que não está acontecendo. Conseguiram uma relação de projetos, e simplesmente num ato, decretaram seus tombamentos. Ainda bem que são tombamentos provisórios. Na época questionamos quais fundamentos usados para escolheram somente esses projetos, em meio a tantos outros? Constam na lista projetos não executados, projetos inexistentes, projetos de outros paisagistas e projetos demolidos. Sequer verificaram o estado e condições desses jardins. Porque um jardim é como a gente, é um ser vivo composto por plantas. Se não houver uma manutenção constante, não há condições dele sobreviver, e se o jardim estiver em bom estado, deverá ser preservado com boa manutenção.

AAB / SR: Ainda sobre o Parque do Flamengo, como o senhor avalia o estado atual de conservação do parque?

HO: Outro dia passando pelo Parque do Flamengo vi pessoas plantando mudas de árvores em substituição às mortas, supervisionadas pela Fundação Parques e Jardins, o que achei muito legal. Mas plantar algumas árvores não é o bastante, teriam que ver o Parque como um todo, e vendo o conjunto, constatamos que o Parque está muito mal conservado, ou melhor, não há conservação. Não considero que aparando a grama, ele está sendo conservado. Lamentavelmente vemos que a vegetação está doente, cheia de pragas, de parasitas, sem adubação e sem podas adequadas. Está necessitado de um controle fitossanitário antes de tudo. E para agravar este estado de calamidade do Parque, assistimos a Prefeitura do Rio persistir na autorização de grandes eventos públicos que atraem uma população sobre seus gramados e jardins. Recentemente tivemos um acontecimento, a RIO +20, que ocupou áreas do Parque. O resultado disso foram áreas verdes pisoteadas, destruídas, desniveladas e esburacadas. Dos jardins do Museu de Arte Moderna restaram as plantas de porte. O gramado "Copacabana", formado por ondas de grama clara e grama escura, símbolo do Parque do Flamengo, foi totalmente arrasado, da mesma forma, a pista para aeromodelismo foi bastante danificada, a ponto da associação que a utiliza nos convocar para socorrer, já que a Prefeitura se omitiu. Por que um evento que discute ecologia, meio ambiente e sustentabilidade é realizado em áreas de um parque tombado e que é um patrimônio da cidade? Então são incompatibilidades difíceis de entender.

AAB / SR: Quais seriam os eventos que seriam compatíveis com o paisagismo do Parque do Flamengo?

HO: Os eventos para os quais o Parque está equipado, como os direcionados ao lazer recreativo, contemplativo e esportivo, ou outros que não venham a ferir ou destruir a vegetação e os equipamentos existentes. Nunca um evento que necessite da colocação de uma construção sobre o solo plantado, como o citado gramado de ondas "Copacabana" no MAM.

AAB / SR: Em termos da manutenção do Parque do Flamengo o escritório é consultado permanentemente?

HO: Não, não somos. Esporadicamente a Fundação Parques e Jardins nos consulta sobre o plantio de árvores no Parque do Flamengo. Houve época que os administradores do Parque nos perguntavam frequentemente, mas faz muito tempo que isso não acontece. Aliás, recentemente a Fundação Parques e Jardins nos procurou a respeito do meu projeto para o Parque dos Patins, para juntamente com os Arquitetos da Prefeitura revitalizar introduzindo novos brinquedos e atividades.

AAB / SR: O senhor anteriormente elogiou “ah, Parques e Jardins plantou algumas mudas, eu fiquei feliz com isso”, mas são as mesmas, estão dentro do projeto, no mesmo lugar?

HO: As mudas que o pessoal da Fundação Parques e Jardins plantaram em substituição às mortas, foram as espécies especificadas no nosso projeto de revitalização do Parque e acredito que foram plantadas nos mesmos locais indicados no projeto. Para esse plantio, foi decidido em uma reunião conosco e com o Presidente da Fundação e o Diretor de arborização, que o Parque seria dividido em setores, conforme fizemos quando da revitalização, e assim iria por etapas, repovoar todo o Parque. Não posso assegurar, porque não tenho acompanhado o serviço sempre, mas pelas reuniões, vejo que estão executando com seriedade, seguindo fielmente o nosso projeto.

“Monumento aos pracinhas”, monumento aos mortos da Segunda Guerra Mundial, Parque do Flamengo
Foto Halley Pacheco de Oliveira [Wikimedia Commons]

AAB / SR: Como é que o senhor pensa esse processo de patrimonialização de uma obra de paisagismo? Como é que é tombar o Parque do Flamengo? O Parque do Flamengo foi tombado em 1965 pelo Iphan, agora é tombado pela Unesco. Antes houve um tombamento pelo município também. Então ele é tombado três vezes. O que é tombar uma obra de paisagismo, o que o senhor pensa sobre isso?

HO: No meu entender, ao tombar uma obra paisagística, tem que se levar em consideração um conjunto de condições para a sua recuperação, conservação e manutenção para que seja preservado. Estamos acostumados, de um modo geral, a monumentos estáticos. No nosso caso que é um parque, a situação torna-se um pouco mais complexa, porque além dos bens arquitetônicos construídos (monumentos estáticos) que pertencem e estão no Parque, existe o conjunto vegetal - elementos vivos, portanto perecíveis e renováveis, além da composição em si, ambos de valor histórico inestimável.

A situação atual do Parque do Flamengo é de extrema carência, necessitando urgentemente de uma recuperação e posteriormente de uma conservação e manutenção cuidadosa e efetiva. O tombamento pela Unesco transformou o Parque do Flamengo num monumento do Patrimônio Cultural da Humanidade, e isso nos traz a responsabilidade pelo seu estado perante a visibilidade do mundo.

AAB / SR: A Paisagem é dinâmica, composta por elementos vivos que nascem, crescem e morrem. Como se mantém e se conserva uma obra de paisagismo incorporando esta realidade?

HO: O procedimento é exatamente como praticamos com os seres vivos. Sabemos que todos os elementos vivos morrem, e assim é o ciclo natural da vida. Num jardim destruído, se existe o projeto, é relativamente fácil reconstituir e onde uma planta desapareceu, substituímos por outra da mesma espécie. No caso de um jardim histórico como o Parque do Flamengo, devemos assegurar a produção das espécies que o compõe, já com certo porte, para reparar essa situação. É como ocorreu neste Parque, quando fizemos a restauração no fim do século passado (risos) em 1999, com as palmeiras Corypha umbraculifera que estavam florescendo. Sabendo que quando isso ocorre, ela está no seu apogeu, e que logo após a sua frutificação ela morre paulatinamente, plantamos mudas entre elas para manter a formação original, conforme fazem no Jardim Botânico do Rio de Janeiro com os renques de palmeiras imperiais, onde as mudas são plantadas intercaladas.

AAB / SR: O senhor acha que no paisagismo mesmo dá para controlar, ter um controle total disso, é uma relação matemática, exata?

HO: Teoricamente sim, se nos referirmos sobre a construção e implantação de um jardim conforme o seu projeto paisagístico. Porém nunca será uma relação matemática ou exata porque existem fatores imponderáveis, como as condições climáticas, que modificam substancialmente seu desenvolvimento. E como a sua manutenção é feita pelo homem, podem acontecer imprevistos e falhas, como a ausência e excesso de regas, o descontrole fitossanitário e a descontinuidade na adubação.

AAB / SR: Mas então, de certa forma, quando se pensa no tombamento de uma paisagem, de um projeto de paisagismo, não são os elementos que são dinâmicos e sim o projeto que se tomba, não é mesmo?

HO: É uma pergunta difícil de responder. Tem que se analisar bem, porque quando um projeto desenhado no papel é transportado para o terreno, é uma realidade que depende das condições físicas do local e ambiental, e isso é mutável. Por exemplo, ao esboçar um projeto você pensa numa determinada árvore, prevendo seu crescimento até “x” metros de altura e com “y” metros de diâmetro de copa num período de tempo de “z” anos. Se o terreno for extremamente fértil essa expectativa muda completamente, porque a árvore que você plantou alcançou o porte desejado em muito menos tempo, e então o que você vai fazer com as plantas que plantou debaixo de sua copa, prevendo seu crescimento normal? Para manter o projeto podamos a árvore e alteramos seu desenvolvimento? Essas questões seriam resolvidas pelo autor do projeto. O que acontece, às vezes, em nossos projetos, mesmo na época de Burle Marx, é que o projeto é uma coisa e o jardim executado é outro decorrido um tempo, sobretudo durante a manutenção sem a supervisão ou consulta ao paisagista autor. Somente ele poderá modificar seu projeto, porque ele é o criador.

AAB / SR: E o que é que se tomba então, o que se vai patrimonializar?

HO: O ideal seria tombar o jardim juntamente com o projeto, estando ele conforme projetado, ou quando alterado com a anuência do autor ou pelo próprio, sempre constando estas modificações nos desenhos. O tombamento de um jardim deveria acontecer quando ele está adulto ou já formado.

AAB / SR: O que o senhor falou, por exemplo, que eu tenho uma palmeira aqui, ela está morrendo, eu sei que ela vai morrer, eu vou e planto uma muda do lado, ao plantar do lado eu não estou seguindo o projeto original, certo?

HO: É verdade, mas na verdade, é o conceito que importa. Claro que se não houver um lugar ao lado ou próximo, você não vai plantar e então vai esperar ela morrer, já dispondo de uma muda preparada para substituição. Deveria ser assim, não é? Mas num parque ou num jardim de grandes dimensões, não há necessidade dessa precisão, a meu ver.

AAB / SR: Então é um processo extremamente complexo essa coisa de tombar um projeto de paisagismo, não é?

HO: Eu acredito que sim. Uma boa pergunta é: em que momento tombar? Aí entra a questão do pensamento do paisagista autor, que ao criar, ele imagina o conjunto pronto após alguns anos de plantio. Na verdade, penso que temos que elaborar um projeto pensando no estado do jardim recém implantado como início de um processo longo e demorado de assistência. Acompanhar seu desenvolvimento faz parte desse processo, porque embora tenhamos especificado toda a vegetação, prevendo já, por exemplo, possíveis áreas sombreadas sob a copa das árvores, estas ainda pequenas mudas, é nesse processo que podemos corrigir e adaptar uma série de coisas que não deram certo ou previsto no projeto compreende? É isso!

AAB / SR: Ou às vezes uma edificação que vai projetar sombra também.

HO: Isso é pior ainda. Aí não tem nem como se preservar o jardim num processo de tombamento. Neste caso, é melhor desistir do processo, porque certamente o jardim terá que ser outro, devido às alterações causadas pelas novas condições.

AAB / SR: O senhor sabe, por exemplo, que depois que a cidade recebeu o título de patrimônio cultural da humanidade o prefeito avisou que todos os eventos que aconteceriam no Parque do Flamengo vão pagar uma taxa para ser revertida para a manutenção do Parque. Não lhe parece uma contradição, se o senhor mesmo acabou de dizer que certos eventos danificam o parque? O que o senhor acha disso?

HO: É um absurdo completo um Prefeito declarar isso.Todos sabem que taxa nenhuma compensa os estragos feitos na Natureza, ainda mais na fragilizada e maltratada vegetação do Parque do Flamengo, que apesar dos maus cuidados por prefeitos como este, a muito custo está sobrevivendo. Isso não vale nada. O certo é não realizar mais eventos nestes lugares, não só nas áreas verdes como em outros locais como na Praia de Copacabana.

AAB / SR: Mas a gente sabe que é momento da cidade, que é a cidade dos grandes eventos não é? É um momento, uma fase do Rio de Janeiro que qualquer coisa vira um grande evento, parece que a cidade está sem cenários para esses eventos.

HO: Espaços e cenários a gente tem, depende para que finalidades. Por exemplo, a região do Centro do Rio de Janeiro nos fins de semana é uma área vazia, e comportaria determinados eventos, e temos o Sambódromo, que está situado num ponto estratégico no Centro, servido por um sistema de transportes múltiplos e criado para desfiles de escolas de samba, e que suporta mega-shows e grandes aglomerações. O que eu acho é que não é possível utilizar o Parque do Flamengo como cenário e palco para eventos, porque não foi concebido para isso e porque assim estará desvirtuando o seu conceito original.

Monumento a Estácio de Sá, Parque do Flamengo
Foto Halley Pacheco de Oliveira [Wikimedia Commons]

AAB / SR: O senhor teve a oportunidade de acompanhar a construção do Parque do Flamengo, não apenas na parte paisagística, mas também sobre as obras de arquitetura (MAM, Monumento aos Pracinhas e etc.)?

HO: Não, não. Eu acompanhei parte da execução dos jardins do Parque, não nas obras arquitetônicas, excetuando os da Marina da Glória e do Restaurante, nos quais participei ativamente. Lembro-me ainda hoje, vivamente, de uma construção em forma de uma nave, com uma vela imensa, projetada por Lúcio Costa que logo foi demolida, por ocasião do XXXVI Congresso Eucarístico, em 1955, onde assisti uma missa com minha turma do Colégio. Mais tarde soube que em seu lugar seria construído o Monumento aos Mortos da 2a. Guerra Mundial.

AAB / SR: O senhor entrou no escritório Burle Marx em 1965, o Parque do Flamengo já estava pronto, certo?

HO: Praticamente. O Parque foi oficialmente inaugurado em 1964, apesar de inacabado e foi tombado em 1985. Mais ou menos por volta dos anos 1961 e 1962, quando cursava o científico (hoje ensino médio) no Colégio Cruzeiro, eu passeava muito nos intervalos dos cursos, e o Parque do Flamengo era o meu lugar preferido. Nesta época, estava em construção uma parte do jardim, principalmente da área próximo ao MAM, onde eu ficava mais tempo, observando os jardineiros no plantio. Nem imaginava que alguns anos mais tarde eu próprio plantaria árvores e palmeiras no Parque. Na verdade, Roberto acompanhou o desenvolvimento do Parque até o final dos anos 1980, sugerindo e plantando diversas espécies em substituição às árvores mortas.

AAB / SR: No caso do Monumento aos Pracinhas, houve alguma reconfiguração e/ou modificação do projeto original para permitir a construção do Monumento?

HO: Não sei lhe dizer.

AAB / SR: O escritório faz ou já fez alguma manutenção no Parque do Flamengo?

HO: Manutenção do Parque propriamente, não. Ao que me consta, a nossa empresa, a Burle Marx & Cia. Ltda., na implantação do projeto, fornecia, plantava e mantinha os gramados. Nós nunca fizemos a manutenção do Parque como um todo. Participamos sim, do seu processo de restauração e revitalização, iniciada em 1997, com a coordenação da Prefeitura. Inicialmente fizemos um diagnóstico de toda a vegetação e dos elementos construídos, baseado no projeto original do Parque, juntamente com a Praça Salgado Filho, área frontal ao Aeroporto Santos Dumont, que até então era considerada à parte do conjunto do Parque do Flamengo.

AA / SR: Como é que o senhor vê ali o Monumento aos Pracinhas dentro do Parque?

HO: Eu o acho bem integrado. Com o seu jardim bem formal o envolvendo, considero completamente incorporado ao Parque do Flamengo. Hoje, lamentavelmente, é também um local que está servindo muito de cenário e local para eventos. Tanto é que os jardins nunca estão bem, não é? Quando está bonito, aí já começa a acontecer uma coisa. Tem defronte ao Monumento um jardim com duas formas bem simples, uma seria com florações amarelas e a outra, uma vegetação com folhagens roxas, baixas. São duas grandes formas na frente e lateralmente tem os jardins menores que vão se ligar com os jardins do Museu de Arte Moderna.

AAB / SR: Então o senhor acha que é bem integrado o Monumento com o parque?

HO: Sim, eu acho. Minha opinião é que o Monumento está integrado harmonicamente no Parque. Embora ele tenha surgido de idéias distintas, o paisagismo amarrou tudo levando em consideração seu volume.

AAB / SR: Agora, o conceito, por exemplo, da Praça Paris, a gente sabe que foi outro. São paisagismos distintos. Mas também o senhor acha que dialoga e que se integram?

HO: Totalmente outro conceito, totalmente. Não, eu acho que não, que não dialogam muito, mas porque são de épocas distintas, projetadas por artistas diferentes. Na verdade, eles não têm que dialogar, não é? (risos) São testemunhas de épocas.

AAB / SR: Como o senhor avalia a presença do Monumento aos Pracinhas no Parque do Flamengo, levando-se em conta, inclusive, que se trata de um cemitério?

HO: Eu o considero uma escultura erigida no Parque, e não vejo nada demais se é uma escultura ou um monumento aos mortos, é o mesmo conceito quando se cria hoje em dia, um cemitério parque. Neste caso, acho apenas que tem que ser bem tratado paisagisticamente. Não gosto muito dos cemitérios tradicionais, tipo o São João Batista e outros semelhantes.

AAB / SR: O senhor já fez projetos de cemitério?

HO: Sim, já fizemos alguns projetos de paisagismo para cemitérios parques, como em Recife, São Paulo e recentemente para o Rio de Janeiro.

AAB / SR: No seu trabalho existem preocupações meramente físicas e quantitativas sobre o espaço ou este é também entendido em seus aspectos qualitativo tais como valores espirituais, cosmológicos, o respeito a certas tradições etc?

HO: Entendo que o meu envolvimento com um determinado espaço nunca é inteiro, assim bem matemático, nunca é isso, nem poderia ser assim. Existem fatores que nos escapam que não são mensuráveis, porque o espaço que nos compete não é um espaço totalmente fechado e hermético, ele é permeável, onde você vê o vizinho, vê a paisagem que o cerca e participa da vida. Então eu não posso imaginar um espaço isolado. O importante é o todo, a situação que o envolve. Eu penso mais como esse espaço poderia dar de melhor, para ser usufruído e é nesse sentido que eu encaminho um trabalho. E nesse seguimento surgem questões como: Como era? Como será? Para que?

AAB / SR: Acontece de o senhor ir num lugar e o próprio lugar te inspirar determinadas decisões de projeto?

HO: Acontece freqüentemente. Quando você toma conhecimento de um projeto, quando o cliente lhe explica o que deseja através de fotos e discussões, logo surgem algumas idéias. Mas ao conhecer o local mais detalhadamente, você pode mudar totalmente seu conceito.

AAB / SR: Mas, por exemplo, conhecer a história do local, conhecer as plantas que são usadas na área.

HO: Sim. Este é o procedimento que normalmente adotamos: conhecer o local, sua história e naturalmente a vegetação. Um trabalho legal que fizemos e que exemplifica bem isso, foi o que fizemos em Rio Branco, no Acre, assim como também em Kuala Lumpur na Malásia. Nestas cidades, ao iniciarmos os primeiros estudos, fomos obrigados a conhecer suas tradições, sua cultura e seus costumes, assim como sua arte folclórica e seus vestuários. Foi importante percebermos todas estas nuances que pudéssemos incorporar seu modo de viver ao parque. Em Rio Branco pesquisamos principalmente os costumes dos indígenas, dos quais interpretamos suas padronagens, transportando-as para os desenhos de piso. Na escolha da vegetação, naturalmente elegemos espécies autóctones e as que já existiam no local, além de outras espécies exóticas já adaptadas e integradas na região.

AAB / SR: E, por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, quando o senhor fala das tradições da Malásia, de Rio Branco, e se a gente for caracterizar a paisagem do Rio de Janeiro, quais são esses valores que se incorporam à paisagem local?

HO: Acho que aqui no Rio de Janeiro, é mais fácil da gente se expressar, talvez porque os costumes já estão incorporados e porque você já conta com a Natureza vibrante do entorno, a paisagem com montanhas, a vegetação exuberante, o sol, e claro, as praias. É a paisagem que mais conta, e isso se traduz no meu trabalho. As relações aqui fluem mais livres, e isso me inspira e contagia meus desenhos, traduzidas nas formas que surgem naturalmente, linhas nascendo traçando desenhos abstratos.

AAB / SR: Que é a inspiração do próprio sítio natural. Tem uma planta que não falta nas paisagens do Rio de Janeiro, que esteja muito freqüente no seu trabalho, uma planta que seria característica do paisagismo?

HO: São as quaresmeiras e os ipês que estão sempre presentes nos meus trabalhos com suas variedades de cores de floração, além dos amarelos das acácias, e de uma infinidade de plantas bem comuns.

AAB / SR: E eu fiquei pensando nesses elementos de paisagem, o senhor disse que a paisagem aqui no Rio é muito mais livre, é uma coisa que é mais fluente. E se a gente for comparar com o tipo de paisagismo japonês, ele é um pouco mais rígido, é estático? O senhor tem uma avaliação sobre este tipo de trabalho?

HO: Não, não tenho, mas sem dúvida nenhuma seu paisagismo não é nada estático pelo pouco que conheço. Acredito que possa ser rígido, no sentido de ser disciplinado e contido, bem no espírito japonês. Mas seria uma leviandade eu emitir qualquer opinião sobre esta questão, pelo pouco que conheço do paisagismo japonês, pelo qual tenho a maior consideração e respeito. Conheci apenas superficialmente duas espécies de paisagens no Japão, a projetada que são os pequenos parques e jardins e a arborização de ruas, estas corriqueiras como em quase todas as cidades civilizadas do mundo.

AAB / SR: Das obras de sua autoria quais as que o senhor tem mais apreço e por quê?

HO: De um modo geral, todos tem o mesmo apreço, a mesma valorização afetiva. Naturalmente tenho mais simpatia por alguns, por vários motivos, mas também não me lembro de todos os trabalhos que realizei, e assim não quero citar o que considero o melhor jardim ou o que me deu maior satisfação.

AAB / SR: Tem muitos projetos não executados?

HO: Sim, têm muitos, e existem os que foram executados e que eu nunca vi.

AAB / SR: O senhor acha que, por exemplo, nesse clima muito acelerado de construção que está passando a cidade, de urbanização super rápida, o paisagismo como tal está sendo menos contemplado?

HO: Observando o crescimento da cidade do Rio de Janeiro notamos que as áreas verdes, as áreas que potencialmente poderiam ser aproveitadas para o usufruto da população, estão diminuindo drasticamente. Entre elas, áreas que eram consideradas “protegidas”, porque dificilmente alguém pensaria em se apropriar por serem terras insalubres e alagadas, mas de valor ecológico enorme por conter um ecossistema importantíssimo para o equilíbrio desse bioma, estão sendo ocupadas. Feito essa observação e lamentando isso, creio que o paisagismo tem acompanhado o desenvolvimento e a evolução da cidade. Precisaria de mais tempo para avaliar essa opinião, porque como disse anteriormente, o ritmo de crescimento e o tempo de maturação de um jardim é demorado e diferente de uma obra civil. Outro dia, num domingo, fui passear no Jardim do Valongo, um sítio histórico recém restaurado, e então verifiquei que valorizaram o paisagismo, recuperando seu jardim. Gostei muito da recuperação da parte arquitetônica, já o jardim, achei pobre pelas espécies escolhidas.

AAB / SR: Como o senhor faria aquele jardim do Valongo?

HO: Eu falava do plantio, da escolha das espécies. Eu especificaria plantas mais exuberantes, que formariam uma massa vegetal mais densa e mais volumosa, ao invés das cactáceas e agaváceas plantadas. Assim creio que essa vegetação faria o equilíbrio com a construção, que é muito presente e forte.

AAB / SR: E a parte mineralizada, o que o senhor acha? Aquelas pedras.

HO: Quanto a isso, não tenho nada contra. É um conceito de concepção de um jardim adotado e ponto.

AAB / SR: Mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar?

HO: Não por agora. Mas se você tiver mais perguntas, eu responderei. (risos).

AAB / SR: Muito obrigado então pela entrevista.

HO: Ok. Por nada.

Jardim Suspenso do Valongo, jardim e casa da guarda
Foto Halley Pacheco de Oliveira [Wikimedia Commons]

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