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interview ISSN 2175-6708

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português
Entrevista com a arquiteta paisagista Rosa Kliass, concedida a Antônio Agenor Barbosa, Rachel Paterman e Stella Rodriguez no dia 28 de outubro de 2013.

español
Entrevista con la arquitecta y paisagista Rosa Klias, concedida a Antonio Agenor Barbosa, Rachel Paterman y Stella Rodríguez el 28 de octubre de 2013.

how to quote

BARBOSA, Antônio Agenor; PATERMAN, Rachel; RODRIGUEZ, Stella. Entrevista com a arquiteta paisagista Rosa Kliass. Entrevista, São Paulo, ano 16, n. 063.04, Vitruvius, ago. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/16.063/5585>.


Sesc, Centro Campestre, São Paulo, arquitetura paisagística de Rosa Kliass [Foto divulgação]


Antônio Agenor Barbosa, Rachel Paterman e Stella Rodriguez: Partindo dessa ideia, como a senhora planeja a colocação de um banco?

RK: A primeira coisa a se fazer é conhecer o espaço. Se não tiver um conhecimento amplo do objeto a ser trabalhado não se pode fazer um bom projeto. E é partir daí que vem o que eu chamo de inventário. Se, por exemplo tivermos uma área toda coberta de árvores, o espaço todo tem uma unidade. Porém é preciso procurar a diversidade dentro da unidade. A diferença vai ser dada pela diversidade das árvores, ou o relevo da área, ou um riozinho que corta...Ou seja, eu tenho que dominar, realmente, a natureza do lugar.

Daí, então, eu posso começar a pensar em como tratar o espaço. Óbvio que existem programas já previamente pensados, como no caso de um prefeito que deseja construir quadras esportivas. Eu vou ter que achar um lugar mais adequado para as quadras esportivas, que precisa de área mais plana. E para isto é fundamental ter a concepção do lugar e avaliar o programa. Eu posso até falar para o prefeito que não há como construir uma quadra esportiva naquele local. E eu tenho obrigação de dizer isto. Não vou dizer para desmatar uma área apenas para fazer uma quadra esportiva, e sim que procure um novo lugar.

AAB / RP/ SR: Quais foram seus primeiros trabalhos na área de paisagismo? Eles foram executados? Ainda existem, estão em bom estado de conservação?

RK: Tem de tudo (risos). Muitos não existem mais. Um dos casos mais tristes para mim foi o da Avenida Paulista, um desenho urbano que fiz na década de 70. Foi o primeiro projeto de uma via pública que foi feito em São Paulo. O estudo que eu fiz foi o desenho das calçadas. Adotei o material clássico, português e carioca. Usei o mosaico português. Usei uma linguagem de desenho da calçada, que é o caminho para as pessoas passarem. Neste caminho usei uma linguagem de comunicação com as pessoas. Era uma calçada larga e eu defini alguns espaços de parada, com bancos e quiosques com jornaleiros, entradas de garagem...As áreas de estar tinham grandes áreas com mosaicos brancos com desenhos dentro; o caminhamento era indicado com faixas marcando o sentido de circulação. Essas faixas eram interrompidas nas áreas brancas, continuavam com linhas transversais, como que dizendo: “para porque um carro pode passar por aí”.

Então todo o projeto tinha uma linguagem e o desenho tinha um sentido. Tudo isso foi arrancado e hoje a Avenida Paulista é de um concreto sem nenhum sentido. Essa é uma das maiores dores que eu tenho.

AAB / RP/ SR: Por quanto tempo o projeto teve vigência?

RK: Uns dez anos, entre os anos 70 e 80, mas teve interferência dos administradores. Quando a Marta Suplicy foi prefeita, colocou nas bocas do metrô uns elementos de concreto pré-fabricado, blocretes de três cores para a população eleger o piso que queria. Aí então eu fiz uma carta e entreguei ao Jorge Wilheim, secretário de planejamento, para ele entregar à Marta.

Nesta carta eu dizia que quem escolhe o material do piso é o arquiteto que desenha, que esta é uma função do arquiteto. E que a Avenida Paulista já tinha um desenho. Ela me respondeu de próprio punho, dizendo que tinha sido mal orientada, e que não faria mais a obra.

Consegui segurar um pouco mais. Mas com a mudança dos postes a intenção era mudar o piso. E, quando a Marta Suplicy tomou conhecimento, disse: “não se mexe na Avenida Paulista sem consultar a arquiteta Rosa Kliass”. Há prefeitos que sabem das coisas.

AAB / RP/ SR: Esse é um exemplo de um projeto seu que foi modificado. Tem algum outro que está ainda do jeito que foi idealizado?

RK: Tenho, mas são projetos particulares. Projetos públicos, não. Um dos projetos de que me lembro com muita alegria é o jardim de uma empresa que tinha uma área muito grande, cujo projeto de arquitetura foi feito pelo escritório do Maurício Kogan. Excelente profissional. Ele me chamou para fazer os jardins. Foi um projeto maravilhoso de integração de arquitetura e paisagismo.

Em outro projeto eu plantei vegetação com árvores nativas para criar um ambiente de mata.

Aqui em São Paulo existem áreas que são consideradas de vegetação significativa, relevante e que não se pode mexer. E essa área que eu havia plantado foi considerada como vegetação nativa, e portanto, não podia mais mexer.

AAB / RP/ SR: E era vegetação nativa ou não?

RK: Não era, mas foi considerada (risos).

Nos anos 70, eu fiz a primeira área de recreação do SESC, o Centro Campestre, que ficava na beira de uma represa. Como era uma área muito grande, chamamos um botânico; havia uma área de eucaliptos, e eu disse para ele: “vamos tirar e plantar árvores de espécies nativas”. Ele me disse: “não vamos cortar os eucaliptos, pois vão ajudar a fazer crescer a mata. Nós vamos plantar e, quando elas começarem a se desenvolver, nós cortamos os eucaliptos”. Foi a primeira vez que eu fiquei sabendo que o eucalipto podia ter alguma utilidade. E pouco tempo atrás verifiquei que essa área está classificada como de vegetação nativa, uma das que não se podia mexer.

AAB / RP/ SR: Qual projeto seu que a senhora considera ser um divisor de águas na sua carreira?

RK: Eu vejo o meu desenvolvimento muito contínuo. Não tive um momento excepcional, digamos assim. Eu fui criando o meu mercado. Por exemplo, esse projeto do SESC Campestre foi um projeto muito importante, de grande escala.

AAB / RP/ SR: Em que ano?

RK: Foi realizado nos anos 1970. Chamaram o Presidente da República – o Médici – para inaugurar. Foi um projeto muito importante pra mim. Foi feito em parceria com um escritório de arquitetura muito bom, o Botti Rubin, e nele eu realmente pude estabelecer um programa, que não me foi dado a priori.

AAB / RP/ SR: A senhora privilegia nos seus projetos o uso de plantas nativas?

RK: Não especialmente. Havia áreas que eu queria com vegetação nativa, mas no projeto, em si, não. Veja, a mangueira e o coqueiro não são brasileiros. Mas não é por isso que não vou usá-los. Há que haver um discernimento, senão fica uma coisa muito engessada.

AAB / RP/ SR: E atualmente, qual projeto a senhora está desenvolvendo?

RK: O conjunto de projetos mais interessantes que estou fazendo agora é em Macapá. Em Macapá, eu fiz o projeto da Fortaleza de São José, um bem tombado pelo patrimônio. O último forte que os portugueses construíram no Brasil. Foi considerado um bem tombado e foi feita uma recuperação, para um museu e me chamaram para fazer o paisagismo do entorno.

E foi um projeto muito interessante. Apesar das restrições pelo fato de ser um bem tombado, foi possível fazer um parque de recreação infantil. Um dia, em São Luís do Maranhão, a beira da piscina, no hotel encontrei uma família que era de Macapá. Eu contei que eu havia feito o projeto do Parque do Forte. Eles chamaram os filhos, dizendo: “venham conhecer quem fez o lugar bonito!”. Tem algum nome melhor para descrever um projeto da gente? É conhecido como “lugar bonito”.

AAB / RP/ SR: A senhora poderia falar a respeito do seu método de trabalho? Desde o aceite de um projeto até a sua execução. Por exemplo, o Parque da Lagoa do Abaeté, em Salvador.

RK: Você pegou um projeto que é muito controvertido. Mas vamos lá.

Quando fui chamada para fazer, a área era uma terra arrasada. Havia muita coisa construída e foi preciso derrubar tudo. O que tinha de mais notável na área do Abaeté era a lagoa. Porque o parque era no entorno da lagoa, cantada e pintada por todos os artistas da Bahia. Como Dorival Caymmi que cantava: “O Abaeté é uma lagoa escura arrodeada de areia branca...”. E tinha as lavadeiras do Abaeté, que ficavam na beira da lagoa, lavando suas roupas com as crianças brincando ali. Também era ali que havia os ritos de candomblé.

Quem me contratou para o projeto chegou a ser ministro de governo. Eles me deram total liberdade para o projeto, inclusive disseram que iriam alugar uma casa para as lavadeiras. Eu disse: “O quê? Vocês vão tirar as lavadeiras do Abaeté? De jeito nenhum. Nós vamos é fazer uma casa aqui para elas”. E aí fizeram a casa das lavadeiras, que fica no melhor ponto do parque, com vista para a lagoa. E ao lado fiz um playground, para as crianças brincarem.

E foi curioso; doze anos depois, por conta de eu ter sido contemplada com uma sala na Bienal, e de estar em processo de elaboração do meu livro, eu revisitei alguns projetos. Foi comigo o rapaz que fazia as entrevistas para um vídeo, e lá estavam as lavadeiras: lavando roupa. Pra você ter uma ideia, não tinha um papel no chão. Não tinha uma trinca nos tanques, doze anos depois! Ele perguntou para uma das lavadeiras que estava lá – uma mulher linda – há quanto tempo ela lavava roupa lá, e ela respondeu, com um certo olhar de desdém: “minha avó lavava roupa aqui, minha mãe lavava roupa aqui.”

E no lugar onde havia os ritos de candomblé estava acontecendo um batismo evangélico, naquele momento. Ou seja, era mesmo um lugar para coisas sagradas. E foi preservado para isto.

AAB / RP/ SR: Por que era um projeto controvertido?

RK: Porque a encomenda foi uma e eu fiz outra coisa. Aqui cabe outra historinha. Quando fui dar aulas na universidade do Chile, fui chamada para dar uma entrevista no jornal O Mercúrio. Eu, acostumada, aqui no Brasil, a ver que os jornalistas não sabem nada de sua trajetória e fazem perguntas inadequadas, cheguei para a entrevista e percebi que a jornalista era ultra preparada, pois já havia lido o meu livro, e sabia de todos os meus projetos. Só fez perguntas pertinentes e discutia sobre os projetos com muito conhecimento. Havia projetos polêmicos mesmo, como o caso de um projeto que envolvia uma área de várzea que queriam aterrar para fazer o jardim, e eu disse que não faria isso. Faria um rio ali, drenamos tudo; fizemos o rio que teve direito a uma ponte.

Duas semanas depois chegou a revista e a matéria, em quatro páginas, lindamente ilustrada. O título do artigo: “La paisagista rebelde” (risos). Ela pegou bem o espírito da coisa. Eu sempre questiono a demanda. Tem que questionar a demanda.

Parque da Lagoa do Abaeté, Salvador, arquitetura paisagística de Rosa Kliass [Foto divulgação]

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