Antônio Agenor Barbosa, Rachel Paterman e Stella Rodriguez: E quanto ao Parque da Juventude em São Paulo, que é um projeto bem conhecido: como a senhora encara a elaboração desse projeto, como o executou?
RK: É um projeto conhecido pelos arquitetos que leram o livro. Aqui em São Paulo, só conhece o Parque da Juventude, as pessoas da Zona Norte. Ele é muito pouco conhecido, mas ele é um dos meus projetos que eu considero dos mais bem sucedidos.
O Parque da Juventude era uma área de uma antiga prisão, que era a Prisão do Carandiru, onde houve aquela revolta. Eles fecharam a prisão. Mas era todo um setor presidiário; tinha a penitenciária do Estado, o presídio feminino e o Carandiru também. Era um grande complexo, que em certo momento o Governo resolveu eliminar e realizou um concurso nacional. Nesse concurso, o escritório Aflalo e Gasperini se inscreveu. E o Gasperini me chamou, e disse que seria um grande projeto de arquitetura, pois era para transformar o presídio, a penitenciária do Estado, em alguma coisa. Era para tirar tudo. É um projeto de arquitetura, mas também um projeto de paisagismo muito grande.
Então eu participei juntamente com ele e ganhamos o primeiro lugar. Mas, como acontece no Brasil, nós ganhamos, mas não levamos. O Governo desistiu de fazer aquilo naquela hora e ficou parado.
Quando o governo Alckmin resolveu retomar essa questão, ele manteve a penitenciária do Estado e o presídio feminino. Mas na área do Carandiru era para ser feito um parque, então quem foi chamado, obviamente, foi o Gasperini, e ele me convidou. Para mim, o Gasperini é um “gentleman”, um homem de uma rara elegância, enfim; ele me chamou novamente e disse: “Rosa, antes era muita arquitetura e um parque; agora é um parque e alguma arquitetura. Então, eu quero que saiba que o crédito do parque é seu.”
AAB / RP/ SR: E a questão do programa? Que aspectos da sua rebeldia apareceram aí?
RK: Havia uma área muito grande, destinada para quadras esportivas, já que o parque foi feito pela Secretaria do Esporte e da Juventude. Tem algo curioso que eu gostaria de contar: o secretário era o Lars Grael, o velejador olímpico. Ele foi comigo até lá para discutirmos o programa. Olhei o programa, que tinha quadras esportivas; futebol de salão, vôlei, basquete e ... uma quadra de tênis! Eu nunca vou esquecer o olhar deste homem para mim, quando ele me disse: “a senhora está querendo dizer que não se deve fazer uma quadra de tênis aqui?”. Eu respondi que não sabia, mas que não era muito usual em parques, mas não tinha nada contra. Então ele disse: “quem é que pode dizer que não vai sair um campeão de tênis dessa quadra?”. Então eu “baixei a crista”. Foi feita a quadra de tênis, ela é usadíssima. Uma quadra de tênis não é feita usualmente porque a manutenção é muito cara. As raquetes são caras, os instrutores também. Lá, as raquetes são doadas para os usuários e os instrutores são gratuitos. Então a quadra de tênis é usada o tempo inteiro! Isso foi uma grande lição que aprendi.
Continuando, quando eu fui fazer as quadras esportivas, todas aquelas quinze quadras enfileiradas, uma atrás da outra, me questionei: eu vou repetir aqui quinze mini–prisões? Já estão saindo de uma prisão eu vou fazer aqui quinze prisões? Eu não vou colocar grades de jeito nenhum. Então um colega me disse: “Você não vai colocar alambrado?” E eu perguntei se ele já havia ido em campo de várzea e se tinha alambrado lá.
Ele insistiu que tinha que ter uma proteção para a bola e para as pessoas que passavam, e me ofereceu, inclusive, um desenho maravilhoso de umas cercas, com um grafismo, por exemplo. Motivos de desenhos muito bonitos.
Um professor americano, especializado em projetos com participação da comunidade, veio dar algumas aulas na FAU/USP e me pediram para levá-lo até lá, porque ele queria escolher um lugar para algumas aulas de campo. Então eu o levei para ver o parque e, quando chegou na área das quadras, ele disse: ”mas você não colocou alambrado?”. Eu disse que não e ele continuou dizendo: “mas você consultou os usuários para saber se podia colocar alambrado ou não?” e eu respondi que não havia consultado; e ele continuou: “mas você não ficou com medo que não desse certo?”. Eu respondi que se não desse certo eu colocaria o alambrado.
Naquele momento estava passando um guarda; eu o chamei e perguntei se o pessoal reclamava de não ter alambrado nas quadras. Ele olhou para as quadras e foi o primeiro momento que ele se deu conta de que não havia alambrado, e respondeu assim: “quando a bola voa, a gente pega e joga de volta”.
AAB / RP/ SR: Então essa questão de colocar ou não o alambrado, na verdade, foi uma decisão que tem uma ligação simbólica com a origem do lugar. A senhora amarra a sua decisão a isso também? Dentro do parque há algum memorial se referindo ao Carandiru?
RK: Eu acho que existe, mas é dentro de algum prédio mesmo. No parque, eu disse que não queria que houvesse a lembrança da prisão. A única coisa que foi mantida, mas com uma destinação lúdica, foi o Passeio do Vigia, que hoje é um espaço onde as pessoas fazem caminhada.
AAB / RP/ SR: Comente sobre o projeto da Estação das Docas em Belém do Pará.
RK: O capítulo de Belém é muito importante para mim, passei seis anos trabalhando nesta cidade com o Paulo Chaves Fernandes, secretário de cultura do Estado do Pará na época. Ele decidiu mexer na cidade de Belém, e para isso elaborou um programa enorme: primeiro a Estação das Docas, depois a Feliz Lusitânia, que abrange o Forte do Presépio; o antigo hospital que foi transformado em um museu; a antiga Catedral que foi transformada em Museu de Arte Sacra, em que fiz os pátios internos... Depois fiz o pátio do Museu da Geologia, um pátio de um antigo convento, que depois foi transformado em prisão.
Houve uma pausa e depois de seis anos ele me chamou novamente. Era uma área à beira do rio e ele queria “abrir as janelas” para o rio, porque Belém foi construída toda de costas para o rio. A maior das “janelas” era uma área que abrigava o arsenal da marinha. Era uma várzea; eles mandaram aterrar tudo, construíram um muro de arrimo e aquele espaço se tornou um matagal sem uso nenhum. Quando cheguei lá, vi que nesta várzea havia uma vegetação chamada aninga, uma vegetação típica de beira-rio do Norte e Nordeste, que nenhuma cidade tinha preservado.
Esse era o último reduto das aningas e você não pode aterrar. Paulo Chaves queria aterrar e construir um restaurante neste lugar, mas eu não deixei. Então eu falei que deveríamos retirar toda a terra que havia ali, trazer a várzea de volta e criar o Parque das Águas. O rio não entra no parque, mas parece que entra. Nós criamos um desenho que fizesse essa alusão. Hoje nós temos então esse aningal maravilhoso e esse parque que considero um dos melhores trabalhos que já fiz.
AAB / RP/ SR: A senhora já fez projetos no Rio de Janeiro?
RK: Não. Porque aí existem muitos arquitetos paisagistas bons e também nunca recebi nenhum convite para trabalhar e realizar trabalhos no Rio de Janeiro.
AAB / RP/ SR: Quais as diferenças mais relevantes do seu método de trabalho atual para o momento em que a senhora iniciou sua carreira?
RK: Houve uma evolução contínua, não há como dizer qual foi a diferença. Até porque as encomendas são outras agora. O projeto de Macapá é algo totalmente atual, mudaram as demandas, porque felizmente o panorama urbano brasileiro também mudou.
AAB / RP/ SR: A senhora acha que nos dias de hoje há maior atenção para o espaço público?
RK: Sim. Essa questão da preservação, da vegetação nativa, enfim, essa preocupação naturalística tomou conta inclusive da legislação. Existe uma legislação que obriga a certas coisas, e a partir daí nascem os projetos.
AAB / RP/ SR: Quando se pode dizer que um projeto paisagístico está pronto?
RK: Quando você visita o Jardim do Lenotre em Paris, como você vai saber quando ele ficou pronto? Ele teve vários momentos, não sei quando ele esteve pronto, ele teve vários momentos. A não ser quando é um projeto “tabula rasa”: você cria tudo e se você plantar árvores e elas ainda estiverem pequenas, o jardim ainda não está pronto.
AAB / RP/ SR: A senhora já se deparou com momentos em que planejou um projeto com determinados usos e os usuários não seguiram o que foi planejado?
RK: Eu não tenho essa experiência para o lado negativo, mas sim para o positivo. Por exemplo: eu fiz o Parque de Esculturas em Salvador. O parque foi feito para colocar esculturas, eu propus que se fizessem o que denominei de “âncoras”. Então, foram encomendadas esculturas em alguns lugares para servirem de “âncoras”.
Quando fui fazer o parque, conversei com o Diretor do Museu e perguntei quais seriam as esculturas, e ele falou: faça o projeto e depois eu compro as esculturas. Em Salvador havia dois grandes escultores, Mário Cravo e Caribé. Então eu disse: “Caribé, você vai abrir e fechar o Parque”. Disse para o Caribé que a visão que se teria do portão seria a do céu e do mar. Falei para ele que naquele gradil ele poderia usar aquelas figuras de Candomblé em preto e branco, por exemplo. Então ele falou: “vou colocar os peixes no céu e os pássaros no mar”. E aí ele fez aquele gradil maravilhoso; infelizmente ele não o viu executado.
Para o Mário Cravo eu falei que não haveria iluminação no parque, apenas uma fonte luminosa num local a ser escolhido. Neste local seria feito um pilarete com três metros de altura que iria abrigar uma escultura dele e uma luminária que forneceria ao parque uma “luz de luar”. E ele fez exatamente o que havia falado e ficou muito bonito. Havia também uma escultura já feita pelo Mário Cravo, um Antônio Conselheiro em madeira. O Mário queria que essa escultura fosse levada para algum lugar coberto para protegê-lo da chuva. Então nós usamos um daqueles arcos da Avenida e colocamos o Antônio Conselheiro no último daqueles arcos.
Ele era lindíssimo, de madeira policromada, com a roupa em azul. Trouxe para perto dele uma jardineira com vegetação do cerrado. O Antônio Conselheiro tem uma frase famosa: um dia o sertão vai virar mar. Então eu falei que ele iria ficar olhando o mar; para ver isso realizado, eu fiz uma sacada com um banco, que ao mesmo tempo em que se estava sentado se via o Antônio Conselheiro e em pé se via o mar.
Certo dia fui rever o parque; comecei a descer pelos patamares e lá no fim eu vejo um casal. Esse casal estava de pé, depois eles sentaram no banco e ficaram um grande tempo olhando o Antônio Conselheiro. Depois se levantaram, viraram para a balaustrada e ficaram olhando o mar um grande tempo, e aí eu continuei descendo e cheguei até lá encantada: eles tinham feito a performance que eu tinha imaginado! Quando eu cheguei, a moça me perguntou se eu queria algo, e eu respondi que eles já haviam me dado o que eu queria.
AAB / RP/ SR: Qual espécie vegetal que sempre está presente em seus projetos e alguma que a senhora não costuma especificar. Por quê?
RK: Não, não há.
AAB / RP/ SR: Qual projeto que a senhora mais admira no Rio de Janeiro?
RK: O Parque do Flamengo! Este foi o primeiro parque nesta escala urbana em âmbito mundial! É algo fantástico!
AAB / RP/ SR: E no Brasil? Qual projeto a senhora admira mais, que não seja de sua autoria?
RK: Tem um projeto muito bonito em Búzios, de autoria de Fernando Chacel. Um parque na várzea, é algo muito bonito. Quando nós fomos ao Rio de Janeiro ele nos levou para ver esse projeto. Era um loteamento de, suponho, aproximadamente trezentos lotes e o cliente tinha encomendado o projeto do parque. O proprietário queria edificar tudo e o Chacel disse que ele não poderia fazer isso. Por fim, o proprietário acabou ficando com cem lotes e o Fernando Chacel realizou o projeto. Quando fomos visitar a área, o Chacel levou o cliente para nos contar a história do parque, e ele nos falou: “eu ganhei muito mais com os cem lotes, do que teria ganho com os trezentos”.