Antônio Agenor Barbosa — Pelo que eu entendi você estava ainda recém-formada e foi trabalhar no escritório do Éolo Maia ou apenas prestava serviços esporádicos para ele?
Jô Vasconcellos — Não, eu prestava serviço para ele. Mas eu não fiquei trabalhando direto com ele. Como se diz hoje em dia: eu era terceirizada. Porque o Éolo, na época que eu casei com ele, tinha um escritório chamado Equipe 58, que era em parceria com esses arquitetos que eu já te falei antes. Depois a Equipe 58 se desfez, o Serginho Lerman foi para Israel, o Roberto Vieira foi para Juiz de Fora, cada um foi para um canto. Ficou o Éolo e o Alvimar que tinham um escritório na rua da Bahia. Depois o Alvilmar foi para Juiz de Fora e o Éolo convidou o Márcio Lima que foi meu colega de turma, para ser sócio dele. Então, era o Éolo e o Márcio. Quando eu comecei a entrar, foi aos poucos, após a chegada do Marcinho que era muito amigo meu, aliás ele foi até meu namorido [risos]. E aí eu fui trabalhar um pouco com o Marcinho e com o Éolo, mas ainda muito inconstante, por causa das minhas filhas pequenas. Aí o Marcinho foi para o Rio por motivos sentimentais e então eu entrei de vez no escritório, entendeu? [risos]. Entrei como sócia do Éolo.
AAB — Mas aí vocês já tinham duas filhas?
JV — Já. É, nesse período, já tínhamos duas filhas. Em 1972 eu casei, em 1974 nasceu minha primeira filha e em 1976 nasceu a segunda menina. Mas nesse ínterim, eu trabalhava muito também. Eu fiz vários projetos, inclusive eu fiz casas com o Éolo. Quando eu estava entrando na faculdade o Éolo já tinha saído. Ele frequentava as festas da nossa turma. Foi a turma mais alegre que passou pela Escola, a gente fazia muita festa, era muita loucura que a gente aprontava. E ele ia às festas. O Éolo era noivo, sabe? Todo careta. Era com o Humberto Serpa que ele chegava às nossas festas, a gente já ia escapando, sabe? Para não ficar aguentando aqueles papos que a gente achava careta na época [risos].
AAB — E como é que foi esse encontro com o Éolo?
JV — Ele andava muito com os professores da Escola. Então eu achava isso de muita caretice e ele era noivo. E a gente fazia aquelas festas malucas, rolava de tudo. E aí, numa dessas festas ele se aproximou. Meu colega e amigo que também participou comigo no Yellow, era o Chiari que morava numa casa eclética linda num bairro da zona Oeste de Belo Horizonte, com um porão, aquelas casas de porão alteado, sabe? Então a gente tomou conta do porão dele e transformamos o porão numa boate. Quando a gente estava chateado em casa nem precisávamos marcar hora, tínhamos a chave e ia para lá, se quisesse ficava, se quisesse dormia, se quisesse fazia festa etc. Então, numa festa chegou o Éolo com o Humberto Serpa, e aí ele começou a conversar, sentou do meu lado, começou a conversar, conversar. Depois ele me levou em casa [risos]. Ele me levou em casa e pronto, então tudo começou. Mas ele tinha acabado o noivado, sabe? Eu não desmanchei noivado, não [risos].
AAB — E vocês começaram a namorar?
JV — É, começamos a namorar. Meu pai era muito bravo, um italiano bravo, daqueles “vermelhão”, aqueles de pescoço vermelho. Não gostava muito porque achava que o Éolo era vagabundo, porque ele tinha barba, tinha cabelo comprido. Assim como me achou também quando ele soube que eu estava no ballet.
AAB — O seu pai não queria saber nem do Éolo e nem do ballet?
JV — É ele falou que ballet não era coisa profissional [risos]. E foi minha mãe que me colocou, para eu engrossar as pernas. Ela fez tudo escondido, você entendeu? [risos].
AAB — Você tinha quantos irmãos?
JV — Nós somos seis irmãos. E a minha mãe era uma pessoa muito legal. Minha mãe trabalhava naquela época em que mulher não trabalhava. Mamãe trabalhava no cartório do pessoal do Ferraz que é da família dela. Cartório era herdado. Vinham de pai pra filho, aquelas coisas. E minha mãe trabalhava no cartório do primo dela. Quando ela teve outros filhos, nós somos seis, ela parou de trabalhar, porque naquela época tinha empregada doméstica, mas não davam conta dos seis Os empregados dormiam no barracão lá embaixo, sabe assim? Bem escravo, né, ainda mais em Minas, tudo tradicional. E aí minha mãe parou de trabalhar. Ela também foi campeã mineira de vôlei. Jogava vôlei antes de casar, era muito alta e muito magra. Então, ela tinha uma cabeça assim mais aberta. Ela me colocou no ballet, por motivos talvez de saúde, pois queria que eu ficasse mais forte. Mas eu gostei me apaixonei, e aí houve assim esse problema com meu pai. Depois que comecei a dançar, quando aparecia meu nome no jornal, ele até começou a ficar todo orgulhoso e falava “Minha filha é bailarina”.
Eu sou a filha do meio. Meu irmão mais velho era assim, tipo o filho preferido do meu pai. Depois dele veio a minha irmã que tinha um problema de saúde e vivia doente. Hoje está ótima! Acho que fiquei um pouco largada, porque terceiro filho já fica mesmo. O do meio sempre fica meio largado o que é bom para a gente.
AAB — E todos estão aí por BH?
JV — Todos não. Meu irmão mais velho acabou virando um militar da Força Aérea Brasileira — FAB, ele era piloto da FAB. Depois que ele aposentou da FAB, virou piloto comercial de carga e mora em São Paulo. Minha irmã estudou Desenho Arquitetônico e Decoração e mora em Niterói. Depois eu me formei em Arquitetura. Depois de mim, tenho um irmão que é médico ortopedista aqui em Belo Horizonte. Depois tem um que é bem alternativo [risos]. O caçula da família é psicólogo. Estes últimos vivem em BH.
AAB — O teu nome é Maria Josefina?
JV — É. Eu tive vários apelidos. Zéfina, Fina, Chandoca [risos]. E depois que pegou “Jô”. Eu ainda era adolescente. Ficou o “Jô” porque é o mais fácil de todos. Herdei o nome da minha avó materna, pois nasci no mesmo dia que ela.
AAB — Você foi boa aluna na faculdade de Arquitetura?
JV — Não, mais ou menos. Assim, nas matérias que eu gostava, eu era ótima [risos].
AAB — E o que você gostava?
JV — Ah, eu gostava de Projeto, de Arquitetura Brasileira, de Teoria da Arquitetura, eu tinha preguiça era de Topografia. Cálculos eu era até boa em Matemática, eu não achava ruim, não. Eu tinha mais preguiça de Topografia, porque eram aulas aos sábados de manhã. A gente caia na vida na sexta-feira até de madrugada, e sábado de manhã tinha que levantar cedo para ir para a aula de Topografia. Era um saco. Então, eu tomei bomba em Topografia. Eu gostava da área de Projeto mesmo, e de Arquitetura Brasileira eu sempre gostei demais.
AAB — Você estava falando também quando se tornou sócia do Éolo, certo? Podemos retomar esse ponto?
JV — Sim, claro.
AAB — Você estava recém formada e ele um arquiteto já mais experiente, certo? E vocês passam a ter um escritório juntos. Isso era exatamente em que ano?
JV — 1974 ou 1975 por aí. E a empresa chamava Maia Arquitetos Associados.
AAB — Que era você e ele?
JV — Ele e eu. Eu e ele. Isso durou até a morte dele. Quando ele morreu ainda era Maia Arquitetos Associados. Eu fechei a empresa depois que ele faleceu. Ficaram uns passivos que tive que pagar, entendeu? Eu paguei, zerei a empresa, fechei a e abri a minha.
AAB — O Éolo estava ligado a questões políticas naquela época?
JV — Não. Ele nunca foi um ativista. Ativista político, nunca foi. Ele era um ativista cultural, intelectual, mas em política ele nunca se envolveu. Era como eu também. Eu só fui me envolver na política muito mais tarde, quando eu fui trabalhar para fazer o Circuito Cultural da praça Liberdade e o projeto da Orquestra. Foi ali que eu me envolvi politicamente. Melhor dizendo, eu acho que não me envolvi politicamente, mas eu estava trabalhando diretamente para um governo.
AAB — Estabelecendo relações com o governo?
JV — Estabelecendo relações profissionais. Era com o governo do Partido da Social Democracia Brasileira — PSDB na época. Mas não tive envolvimentos políticos.
AAB — Mas uma coisa que é interessante pensar é o seguinte: como que jovens arquitetos se estabelecem com um escritório no início de carreira? Como vocês começaram a garantir que teriam encomendas e, eventualmente, algum sucesso em relação a isso? Como é que foi esse processo? E em que medida vocês estabeleceram conexões, senão com a política, com os empresários, com o mercado imobiliário, com as pessoas ou empresas que, eventualmente, podiam pagar pelos projetos?
JV — Na verdade quando eu entrei como sócia para o escritório do Éolo ele já tinha uma carteira de clientes, porque ele já vinha trabalhando há muitos anos. E o Éolo já tinha um nome como arquiteto em Belo Horizonte. Ele não era um desconhecido. Quando eu casei com ele, ele já era uma pessoa conhecida na cidade. E como ele era de Ouro Preto, o pai dele era um professor de Geologia, da Escola de Minas de Ouro Preto, isso o tornou bem conhecido por lá também.
AAB — A tradicional Escola de Minas de Ouro Preto.
JV — É, o pai dele era da Escola de Minas. Era um professor muito duro, todo mundo tinha pavor dele, ele dava bomba em todo mundo. E o Éolo já aprontava muito, desde jovem na escola de Minas, ele era muito amigo dos universitários, que iam morar lá em Ouro Preto e que se formavam em Engenharia e em Geologia. Então, os primeiros clientes do Éolo foram geólogos de Ouro Preto, que estavam já se estabelecendo ou já estabelecidos em grandes ou médias empresas de Geologia e Sondagem e o contratavam para fazer casas e pequenos prédios. Então, começou com uma clientela muito legal que eram amigos geólogos. Muitos daqueles geólogos que saíram de Ouro Preto que foram clientes e amigos do Éolo, todos ficaram muito bem, alguns até muito ricos.