Antônio Agenor Barbosa — E isso vai fazendo com que o Éolo se torne um arquiteto conhecido, certo? Em que medida essa parceria com ele se estabelece? Como que você entra no processo de um escritório já estabelecido? Qual foi a sua contribuição? E aí falo da sua contribuição no sentido como arquiteta, como mulher. Vocês depois fizeram toda uma trajetória juntos. Então, eu queria que você narrasse essa percepção do seu lugar como mulher, como esposa dele, como mãe dos filhos e arquiteta.
Jô Vasconcellos — Ok. A sorte, a minha sorte é que o Éolo não era machista. Ele era, pelo contrário, um cara que gostava muito mais de trabalhar com mulher do que com homem, tanto que a gente teve muito mais estagiária do que estagiário. Ele achava a mulher mais responsável, mais séria, tinha uma participação mais criativa, você entende? Sempre tiveram muitas mulheres no escritório. Formamos muitas estagiárias lá, sabe? Agora, de fora, havia realmente das pessoas de fora um incômodo e algumas falavam: “Ah, a Jô não deve fazer nada ali. O Éolo é que deve fazer os projetos e ela deve ficar ali bordando desenho à mão”.
AAB — Isso você percebeu ou sentiu na época?
JV — Eu percebia, claro que eu percebia. Então, eu comecei a fazer algumas coisas. Falei pro Éolo: “vamos fazer agora projetos independentes. A gente faz junto apenas os projetos maiores”. O Éolo gostava de concursos também, porque a gente fazia junto, para aprendermos alguns temas que a gente não trabalhava no dia a dia. Era importante a pesquisa, e a gente começou a fazer projetos independentes. Então assim, ele pegava uma casa, ele fazia. Outra encomenda e eu fazia. Às vezes, fazíamos juntos, fizemos algumas casas juntos. E também eu fiz um curso de Paisagismo com o Waldemar Cordeiro. Então, eu também me envolvi um pouco na área de paisagismo, hoje até nem lembro muito, mas eu já fiz muito isso na vida. E o Éolo não sabia nada. Então assim, essa parte eu pegava também para fazer. Aí uma hora, eu pensei assim: “Eu tenho que de alguma forma arrumar alguma coisa que o Éolo não consiga fazer, não saiba fazer, que não seja dançar ballet” [risos]. Eu gostava muito de Arquitetura Brasileira, surgiu à oportunidade de um curso de Restauração, que era um curso tradicional que existia. O primeiro foi em São Paulo, acho que o segundo foi em Recife, o terceiro foi em Minas. E a Professora Suzy de Mello, que era diretora da escola foi que organizou esse curso aqui em BH. E era um curso que vinha gente da França, da Inglaterra. Era incrível o curso, com os restauradores, aqueles grandes nomes que a gente estuda, eles vinham de fato aqui e davam aula parta a gente. Muita prática de restauração e tudo. Só que, a rigor, eu não poderia fazer, porque eu não tinha nenhuma ligação com nenhum órgão de patrimônio, o que era um dos itens para participar. Tinha que ter uma ligação ou ser funcionário, alguma coisa assim. Eu estava trabalhando em Sabará, porque eu tinha um grande amigo em Sabará, o Cícero que me solicitava ajuda junto à prefeitura para projetos diversos. Ele trabalhava para a Prefeitura de Sabará e eu fazia muito trabalho para eles como, por exemplo, fazer ornamentações de Natal. Aí eu ganhava um bom dinheiro. Fazia algumas coisas por lá. Me pediam: “Jô, a Biblioteca de Sabará está precisando de ajeitar e restaurar”. E eu nem sabia restaurar nada ainda. Eu ia lá e fazia um projeto para eles. Eu pensei como que eu iria conseguir fazer a minha inscrição nesse curso de restauro, se eu não tinha nenhum vínculo? Então, eu conversei com o Cícero, e ele falou que poderia solicitar um vínculo contratual com o prefeito. E eu trabalhava de fato, mas eu não tinha contrato, você entendeu? Aí a prefeitura fez um contrato comigo, que era um contrato assim bem vagabundo, e me deu o atestado que eu era coordenadora de não sei o que, então, eu consegui. Aí passei nas entrevistas e fui fazer meu curso de Restauração, que é um curso de especialização. Comecei a fazer o curso, já tinha as duas meninas. Mas eu conseguia, porque eu tinha gente que me ajudava em casa, minha mãe me ajudava também. Deixei o escritório um pouco de lado para fazer o curso porque era o dia inteiro. E fiz o meu trabalho final desse curso para Sabará. Eu fiz uma restauração do prédio chamado Sobrado Vermelho e doei o projeto para a Prefeitura. A Prefeitura executou esse projeto de restauração. O prédio estava caindo aos pedaços. E aí eu sabia restaurar e o Éolo não sabia. Nesta época fiquei grávida da minha terceira filha, a Silvia. Começaram a entrar os projetos de restauração no escritório e eu que fazia todos. Entrou a Capela e a fazenda do Pé do Morro, que é o projeto mais importante que a gente fez naquela época, ganhou muitos prêmios no Brasil. A Capela do Pé do Morro, que é naquela ruína de pedra na Fazenda Ouro Branco que a gente envolveu e protegeu com estrutura metálica e panos de vidro. Aquela Capela estourou a boca do balão. Peguei todas as fazendas da Açominas para restaurar, três fazendas enormes, e eram projetos meus, porque eu sabia fazer, até hoje seria eu que faria, entendeu?
AAB — Você encontrou um nicho de mercado com a sua atuação na área de restauração?
JV — Fiquei conhecida no escritório. Pude trabalhar com restauro, além de paisagismo e interiores que eu fiz muito também. Como arquiteta tinha algumas dificuldades. O Amílcar de Castro era muito amigo nosso, muito, muito amigo, ele vivia todo sábado aqui em casa bebendo. E ele adorava o Éolo. E ele não conversava muito comigo, ele gostava de mim e tudo, mas não tinha muito papo comigo. Um papo assim como tinha com o Éolo, eu sentia isso. Aí eu peguei para restaurar a praça da Liberdade que é a praça mais importante da cidade. E fiz o trabalho, um trabalho muito bom em 1991. E foi um trabalho que me deu uma visibilidade impressionante. Aí o Amílcar me falou: “Daqui para frente, você é minha arquiteta”. Porque ele tinha que ver o meu trabalho para a cidade. Ele falou assim: “Eu tinha que ver uma coisa sua para cidade”. É eu fiz e recuperei a praça mais importante da cidade. Fiz um projeto de restauro muito potente para a época. A cidade não usava a praça mais, porque lá era feira de artesanato. Tiramos a Feira do Artesanato, fui ameaçada de morte, entendeu? Por tirar essa feira. Mas eu seguro a onda, eu sou macha, rapaz [risos]. Essa abertura do trabalho com restauro me deu a liberdade e o reconhecimento. Começou então a ficar mais fácil pra mim. Não dentro do escritório que sempre foi muito tranquilo, a gente sempre trabalhou muito bem, sem problemas, sem brigas, sem nada. Mas começou a tornar mais fácil perante aos terceiros, o que me incomodava um pouco.
AAB — Você dialogava com outras mulheres arquitetas? Como era o mercado, o ambiente na época? Porque, claro, havia a sua parceria profissional com o Éolo Maia e vocês eram também casados. Mas e as outras arquitetas? Onde elas estavam? Em que medida elas contribuíram?
JV — Eu tinha, por exemplo, muito contato com a Freusa Zechmeister. Ela que faz o figurino do Grupo Corpo também. Muito boa excelente. Grande arquiteta e excelente figurinista. Uma mulher maravilhosa. Não era exatamente da minha geração e sim um pouco mais velha. A Freusa é uma arquiteta solo, quer dizer, ela sempre teve escritório, se impôs nacionalmente, se você olhar tem programa dela na TV Cultura. Então, eu sou amiga dela até hoje, de vez em quando a gente sai, agora não por causa da pandemia. Trabalhamos juntas num workshop que o pessoal de Portugal fez aqui em Minas Gerais. Eu e ela fizemos juntas, foi muito legal. Tem a Freusa que é importante, da época, mais assim da minha geração de Belo Horizonte não teve muita gente, a maioria das minhas colegas mulheres foram ser funcionárias públicas de Prefeituras, de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — Iphan, de Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico — Iepha. Não tinham escritório. Só a Rachel Leite que ficou um pouco em escritório, mas depois ela também arrumou um trabalho fixo. Eu conversava muito com as nossas estagiárias, que depois se formaram e viraram ótimas arquitetas. E como a gente ia muito para São Paulo, então eu conversava muito com a Ruth Verde Zein. Eu conheci o Sergio Bernardes e fiquei muito amiga da Kika, a mulher dele, que não é arquiteta, mas é praticamente como se fosse. Tinha muitas amigas arquitetas no Recife, fizemos algumas bienais em Recife. Então assim, aqui em BH não tinha muitas mulheres para conversar, não.
AAB — Então era, evidentemente, um ambiente de homens, certo?
JV — É. Sim. Um ambiente de muitos homens e poucas mulheres.