Vera Luz: Tá gravando, então, pessoal! Vou ficar só vendo, porque o Felipe que vai conduzir, o Edson que vai brilhar, eu vou ficar só me divertindo no sabadão.
Edson Elito: Não vou brilhar. Acho que a gente podia começar fazendo em um minuto o resumo do que é.
VL: Felipe, você que é o condutor.
Felipe Pires: Com certeza! Bom, primeiro de tudo gostaria de agradecer por essa oportunidade, acho que vai ajudar muito a pesquisa. A Vera que propôs quando a gente estava elaborando o Plano de Pesquisa, a etapa de entrevistas, e eu topei. Houve todo um processo, até por causa da questão do Comitê de Ética. Então, a gente está muito feliz de ver saindo do papel essas entrevistas.
EE: Você topou não, você obedeceu!
FP: Pois é! Você sabe quando a Vera manda a gente não discorda…
EE: Claro, tem que fazer.
FP: Primeiro, para dar um resumo da pesquisa, da ideia principal da pesquisa… A gente buscou analisar, estudar e sistematizar a trajetória do Oficina, de um modo geral, mas com enfoque no período que vai dos anos 1980 até 2020, mais ou menos, porque nós definimos esse corte, mas sabemos que é uma história, um processo que ainda está em aberto. Então, a gente busca entender quais são as estratégias de resistência, que o Oficina tem colocado, frente ao processo de especulação imobiliária do Grupo Silvio Santos. A gente sabe desse embate muito longo, com várias etapas, várias nuances. E a gente entende que nesse processo foi fundamental a contribuição dos arquitetos. Como é uma pesquisa sendo desenvolvida dentro de uma faculdade de arquitetura, daí que a gente puxa o nosso campo de entender como os arquitetos colaboraram com o Oficina, observando que todos os projetos são processos muito colaborativos, de todas as partes, tanto dos arquitetos, quanto do Oficina, e entender como essas colaborações também têm contribuído para essas estratégias de resistência, através da proposição de novos cenários para o Oficina e para o Bexiga, porque todos os projetos que a gente observa, que foram feitos, envolvem o entorno urbano, então a gente entende que eles têm uma influência direta em todo bairro.
EE: Legal. Bom, se eu entendi bem é sobre a participação dos arquitetos nas diversas transformações do Teatro Oficina. Uma pergunta, esse recorte de 1980, por que 1980?
FP: A gente marca a análise desse período, principalmente a partir do momento em que o grupo Silvio Santos tenta comprar o próprio Oficina, o imóvel, que a gente entende que seria o período em que se inicia esse embate entre o Oficina e o Grupo Silvio Santos.
EE: Então não é a participação dos arquitetos no Teatro Oficina. É uma luta de território. Esse é o foco. Porque se você falar que é uma relação de transformação de um espaço teatral com a participação de arquitetos e as transformações que vão tendo aquele espaço, é anterior. É 1958, porque se você falar de arquitetos que transformaram aquele lugar tem o Joaquim Guedes. Pegou fogo. Depois o Rodrigo [Lefèvre], o Sérgio [Ferro] e o Flávio [Império] fizeram um projeto em 1966, que foi… até 1984. Aí que entra. Antes disso teve alguns estudos, tudo, da Lina [Bardi] com o [Marcelo] Suzuki, mas não andou, né. Quando a gente fez o projeto, a gente não consultou muito o que tinha sido feito anteriormente. E nem tinha desenhos. Eu vi uma maquete que a Lina fez com o Suzuki, uma maquetinha, que tem fotos, que você já deve ter visto e tudo mais. Então, se a gente for falar da transformação daquele espaço por arquitetos… né, 1958. Não, 1980. Então se você falar, é a luta do território, contra. Eu não gosto do termo especulação, é outra coisa ali, né. Já foi várias coisas ali, o Silvio Santos tentou fazer um edifício de escritórios, depois tentou fazer um shopping center com projeto do Brasil Arquitetura, agora está tentando fazer umas torres residenciais, não sei quanto metros de altura. Então o foco é a especulação.
VL: Elito, deixa só eu comentar um pouquinho, só pra você entender o estágio em que o trabalho está. As entrevistas, como tem a questão do Comitê de Ética, que é muito lenta, e a gente conseguiu vencer. A gente deixou as entrevistas pro final, é um trabalho rápido, de Iniciação Científica. Então, o Felipe já fez o capítulo relacionado ao primórdio dos arquitetos, ao Guedes. Ele já fez esse capítulo pregresso. Assim como ele já fez um capítulo relacionado à trajetória do Oficina como manifestação teatral. Agora ele está entrando nessa parte. Então, a arquitetura não é protagonista primeira do trabalho. A arquitetura é participante. Então, é exatamente isso que você falou. Então a gente vai fazer uma entrevista com o Marcelo Suzuki e uma com o Newton Massafumi, que fez um estudo mais recente. Mas é só pra ter uma amostra. Porque, mesmo o Marcelo Ferraz, fazendo um trabalho do lado, a gente não vai entrevistar o Brasil Arquitetura, porque aí a gente faria um trabalho que seria outro tema. O tema é esse que o Felipe falou. Depois, a gente vai te apresentar um trabalho pronto, o trabalho inteiro vai ser enviado pra você, pro Marcelo, pra todo mundo, porque vocês estão protagonizando um negócio importante, porque o que solidifica a teoria é o corpo a corpo.
EE: Entendi, só queria me localizar. A entrevista, … porque nesse assunto de resistência, de luta contra tentativas de anexação daquele espaço ao terreno, de expansão territorial do Silvio Santos… Não é bem do Silvio Santos. É da Sisan. A Sisan é um braço imobiliário, que tem outras cabeças lá. Na época, não sei se ainda é, era o Eduardo Velucci. Então, ele era o baluarte ali do outro lado, vamos dizer, nessa luta. Então está previsto falar com o Zé Celso?
VL: Não, a gente não ousou. É uma iniciação científica, trabalho de graduação, de um ano, então a gente tem focos muito determinados, porque o que você está querendo já, seria para um mestrado potente. Então a gente resolveu fazer o início de uma coisa. Já estar conseguindo falar com vocês é sussa.
EE: Não, é o seguinte, eu estou na categoria Iniciação Científica e o Ze?…
VL: Você não, nós.
EE: E o Zé é o mestrado.
VL: Você não, nós. Como eu tenho contato e você está “dentro do abraço”, nós somos arquitetos. Se a gente fosse falar com o Zé Celso, seria falar com o Zé Celso e você, que foi quem configurou o espaço. Então precisa ter um foco muito preciso pro Felipe não ficar abraçando tudo.
EE: Não, tem que recortar. Eu só falei porque se o foco é a luta, é fundamental falar com o Zé Celso, porque a luta vem dele. Agora está difuso, porque tem outros arquitetos lá no Teatro Oficina, tem a Marília Gallmeister, né? Principalmente a Marília. Que vamos dizer que pedalam essa luta, então vão lá, nas reuniões, no Conpresp (1), na Câmara Municipal, e o Zé não vai em todas essas. Ele vai, onde ele pode, ele vai. Mas então tá, vamos começar. O que eu tenho pra dizer é o seguinte. O que eu puder te responder em relação à luta eu vou te responder. Se eu não puder responder eu vou falar: “fala com tal pessoa”.
VL: Edson, Felipe, posso só falar mais uma coisinha?
FP: Pode.
VL: O Edson está coberto de razão, está provocando a gente sobre a encrenca em que a gente está metido. Mas se a gente fosse fazer um trabalho completo, a gente tinha que falar com o opositor.
EE: É isso que eu ia falar também.
VL: Mas a gente fez um recorte em que a gente está começando com uma introdução, ao alcance da mão, que tem importância. Mas não é o trabalho da Mariana Fix, que vai falar com todos os caras da [avenida Engenheiro Luís Carlos] Berrini. A gente está dentro de um trabalho que forme um corpo decente, mas não que resolva o tema. Se não, para fazer em um ano a gente tinha que mudar o tema. Tenho que falar: “Desculpa, Felipe, mas em um ano você não vai descobrir a cura da Aids”. Entendeu?
EE: Muito bem. Felipe, como você quer fazer? Quer fazer perguntas? Eu tenho uma espécie de apresentação, que eu faço, quando me pedem pra falar sobre o Teatro Oficina, só que vai desde 1958. A hora que você falar, tal, aí eu teria que procurar alguma coisa. É imagens de desenho, fotografia. Sei lá. Pode começar, o que você quiser perguntar.
FP: A gente estruturou um questionário, ele não é fixo, é mais pra guiar, podem ir surgindo outras questões espontaneamente.
FP: Acho que a gente vai seguindo esse questionário como guia, mas fique a vontade se você quiser mostrar alguma coisa, algum arquivo interessante, vai ser muito bem-vindo.
VL: Se vocês não ficarem cansados, fiquei louca pra ver essa apresentação depois. Mas vamos ver.
FP: Bom, então eu vou puxar aqui. A primeira pergunta é: como foi seu primeiro contato com o Oficina? De que forma você entrou em contato com o grupo, primeiro?
EE: Com o Oficina? Bom, isso aí remonta… o contato com o Oficina, quando eu tinha dezoito anos. O Oficina logo que pegou fogo, em 1966, eles fizeram uma promoção para arrecadar fundos pra reconstruir. E eles fizeram, eles reuniram as peças que eles já tinham levado, em várias épocas, até aquele momento, e fizeram uma série de apresentações na avenida Brigadeiro Luiz Antônio, que tinha um teatro chamado Cacilda Becker, que era no prédio da Federação Paulista de Futebol, e eu comprei. Tinha dezoito anos, mais ou menos. E eu comprei, comprei um talãozinho pra ver todas as peças. Aí foi meu primeiro contato. Depois disso, quando eu estava na faculdade, no Mackenzie, no penúltimo ano, nós fomos morar em uma comunidade. A gente chamava de comunidade. Eram vários casais, três casais. Alugamos uma casa na Vila Clementino, em 1970, e fomos morar lá. Era um entra e sai de gente, a gente tinha muitos amigos que iam lá. Os amigos diziam que aquilo era um oásis de São Paulo, porque era tudo uma liberdade total de fazer as coisas, no sentido de experimentar coisas. Não era uma promiscuidade, mas era um negócio em que a gente fazia muita coisa politicamente, artisticamente. E nós fomos. Aliás, a Sarinha Feldman fazia parte desse grupo. Ela e na época o marido dela, o Momtchilo, que é cientista. Então, a gente foi morar ali na Vila Clementino, que era perto da Escola Paulista de Medicina, que tinha alguns médicos que moravam com a gente… Aí a gente foi ver uma peça naquele Teatro Ruth Escobar, que era o Gracias Señor. Em 1970 e pouco. Não lembro nem que ano que era, 1974, 1972, 1971. E a gente adorou o que eles estavam fazendo, aquelas coisas que, na época, até hoje o Oficina faz, que é misturar atuação com… não existia diferenciação entre palco e plateia, ator e espectador. Tanto é que chamava de Te-ato. Em vez de Teatro era Te-ato. E a gente gostou muito e ficou indo quase toda a noite ver a peça. E a gente foi muito e ficou amigo. Bom, passou e teve vários percalços de perseguição e fechar o teatro. Aí, o Oficina funcionava em emergência, com shows de música. E a gente ajudava a fazer panfletinho de show e ficou amigo do pessoal. Depois, passou alguns anos e eu gostava de filmar em Super-8. Tudo que eu podia eu filmava em Super-8. Mas eu encontrei com o Zé e outro cineasta, que na época estava com ele, que era o Noilton, Noilton Nunes, cineasta. E eles estavam cobrindo a chegada do… Quando teve a anistia, nos anos 1980, veio uma leva de pessoas do partido comunista que estavam exiladas, e vieram no mesmo vôo. E veio uma multidão. Depois teve, em frente, se não me engano do Sindicato dos Aeroviários, uma solenidade, eles falaram… E eu namorava uma repórter da rádio Globo, na época, e ia em vários lugares com ela. Ela me convidava e eu dizia "Vamos lá!”. Ver as coisas, quando era interessante, assim. E eu fui com ela e com a minha Beaulieu filmar. Filmei tudo aquilo, eles chegando, aquela coisa, depois no sindicato. Aí o Noilton olhou pra mim e falou: "Vem cá, você está fazendo alguma coisa?” Na época eu não tinha escritório. Mas estava meio fazendo outras coisas. O Noilton falou “Voce? está filmando aí, estou vendo. Você não quer conversar com a gente lá no Oficina?”. Ele estava gravando em vídeo e eu em Super-8. No dia seguinte eles me deram uma incumbência de organizar um centro de vídeo. Já tinha lá um embrião disso e falaram: “Voce? vai organizar isso e daqui pra frente a gente vai gravar tudo que acontecer”. Daí organizei aquilo. Se você for consultar, aí eu não digo nem mestrado, eu digo no seu doutorado, tudo que existe de imagem, de vídeo, de texto, de caderno… É mais que doutorado, isso daí, sei lá o que é. Isso aí é livre docência, já. É uma quantidade imensa de coisa… E uma parte está aí na Unicamp (2), naquele arquivo que tem um nome alemão que eu nem sei… Bom, enfim tem um arquivo lá, que depois eu vou lembrar o nome.
VL: Você sabe que recentemente teve um filme na mostra de documentários, que eu estou tentando lembrar quem dirigiu…. Teve um filme sobre o Oficina que tem muito material de arquivo. Até comentei com o Felipe pra ele ver, se dava tempo de ver.
EE: No “É tudo verdade", né?
VL: No "É tudo verdade"…
EE: Eu vi!. É o Joaquim Castro e o Lucas Weglinski. Eu apareço nesse…
VL: Você aparece! E é muito bacana porque tem muito material de arquivo. E deve ser uma amostrinha do que você está falando.
EE: É uma amostrinha.
VL: E eu fiquei impressionado de como isso está documentado. Quer dizer, que tem coisa sua aí inédita, olha que demais.
EE: Tem coisa que eu gravei, filmei. E eu apareço. Porque assim, tinha o… Eu apareço em um pedaço só. É, uns segundos. Era até uma coisa interessante. Tinha uma figura lá, muito legal, que era um cirandeiro, o Surubim. Sabe o que é um cirandeiro? O cara que faz música e tal. E pintor também. E ele fazia só quadro erótico, primitivista. E a gente deu uma câmera pra ele filmar. E eu apareço segurando o cabo. Era o cabo-man. Porque eu estava filmando, passei a câmera pra ele, na época era tudo cabo. Aí eu fui, fiz isso e passei um ano e meio, dois lá. Daí eu fui… saí de lá. Aí eu não estava fazendo arquitetura. Tem essa também. Tem umas coisas que desviam você, depois criam um outro negócio, que vai ser mais importante pra você. Aliás esse negócio com cinema é interessante, porque quando eu prestei arquitetura, prestei cinema também. Na ECA (3), primeira turma da ECA. Mas não dava, não fiz. Daí depois disso, fui trabalhar como arquiteto e tal. Daí eu recebo um telefonema, em 1984, do mesmo Noilton, o cara que me chamou pra ir lá. Mas eu sabia que era o Zé que estava por trás. Daí ele falou: “Edson, é o seguinte…” Porque eles já tinham começado a derrubar lá. Quebrar tudo, sem consultar ninguém. Porque não interessava mais para o Zé e o grupo, palco plateia, essas coisas. Começaram a quebrar tudo que estava lá, demoliram aquela plateia que estava lá, que o Flávio Império e o Rodrigo fizeram. Começaram a demolir tudo e aquilo era uma loucura. Demoliram e disseram: "Bom, precisa de um projeto, né". Daí chamaram e falaram: “Ó, é o seguinte, vamos fazer o projeto? Você quer fazer o projeto junto com a Lina?” Eu falei: “Claro que quero, óbvio”. Eu não conhecia a Lina pessoalmente. Mas eu falei “Eu não conheço a Lina”. Daí falaram “Não tem importância, amanhã eu levo você lá na casa dela. Está combinado?” Daí fomos lá, eu me dei muito bem com a Lina, ela deve ter gostado de mim, porque foi bem fluída a relação e começamos a fazer o projeto. Ela não tinha escritório e eu não tinha escritório. Então as reuniões eram na casa dela, na Casa de Vidro, famosa Casa de Vidro. A gente ia lá, conversava, ou na mesa ou na lareira. Ela tomava umas notas e eu também. Depois, eu posso continuar daí. Então tá respondido como…
FP: Primeiro contato, né?
VL: E foi mais que isso, virou um entrelaçamento de vida. O contato só…
EE: Então não dá pra falar que foi um telefonema. É um negócio que vem vindo. Eu fui atrás em alguns momentos. Em 1966 eu fui atrás. Em 1974 houve um casamento de ideias. Em 1980 eu fui convidado. Em 1984 já era uma encomenda.
VL: Pessoa de casa, já.
nota
1
Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.
2
Universidade Estadual de Campinas.
3
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.