Raul Penteado: Você concordaria com a ideia de que essas últimas obras de vocês sejam indivisíveis do contexto? O contexto num sentido lato: territorial, econômico, de produção, de técnica, de clima, de paisagem. O que diria a respeito disso? Você concorda com isso? Seriam indivisíveis?
Daniel Mangabeira: Concordo. Tem algumas outras características que eu posso até colocar de maneira cultural. A gente tem a ciência de uma produção artesanal na arquitetura brasileira contemporânea.
E essa produção passa por diversas coisas, desde a criação de um bloco, como a gente está fazendo agora. Criamos um bloco de cimento para fazer uma casa. Desenhamos esse bloco. Como pela própria construção em si, a técnica de assentar um tijolinho em cima do outro. Tem uma casa que não foi publicada ainda, que é a Casa dos Tijolos Brancos, que quando fotografamos, todo mundo que viu, perguntou como essa parede ficava em pé.
RP: Acho que eu mesmo me fiz essa pergunta quando vi também… (risos).
DM: Então, há um certo acúmulo de conhecimento na execução desse trabalho artesanal. Primeiro, atrelado à confiança que a gente tem no construtor.
RP: É o mesmo construtor que vem fazendo essas últimas obras? Em sequência?
DM: São dois ou três construtores. Atrelado ao fato de estarmos no canteiro de obras o tempo todo. As primeiras obras tinham uma produção, uma execução muito mais simples. E com o passar do tempo, vamos, de maneira bem sutil, experimentando. Isso também é outra coisa. A gente experimenta. Às vezes dá errado, mas essa experimentação não é desconectada de uma responsabilidade. Há uma responsabilidade na construção que precisamos ter com o cliente e com a nossa produção mesmo. Ou seja, não é nada gratuito, ligado ao fato de experimentar no sentido mais jovial da palavra. Mas é experimentar no sentido de colocar essa curiosidade em ação: “Vamos tentar fazer isso?” Por exemplo, Casa dos Tijolos Brancos tem muito isso, uma dificuldade grande. Eu fui lá assentar as duas, três primeiras fiadas em todas as paredes. Todos com régua, com trena. Fiquei alguns dias fazendo isso lá. E aí é muito legal ver que essa resposta do cara que está produzindo, como eu falei da Casa Cavalcante, que é bom demais trabalhar aqui, o orgulho que ele tem de ter feito aquela parede, de ter feito aquela peça. Então, o contato com esse contexto envolve também uma relação interpessoal, nesse sentido cultural, de você conseguir produzir, porque você confia naquela pessoa que vai construir. Há uma relação de acúmulo de conhecimento dele, que ele vai dizer: “Olha, não dá para fazer isso”. Tanto é que tem um engenheiro que inventou essa técnica de criar um vergalhão vertical no meio dessa malha de parede, que é muito difícil de fazer. Então, essa relação que a gente tem de acúmulo de referências. A arquitetura de tijolinho não é nada novo. Não tem nada de novo. Nesse sentido, o que fazemos tem nada de novo também. Eu não consigo ver nada assim: “Uau, que novidade!” Não vejo. Eu acho que é um desdobramento daquilo que a gente testa. É um desdobramento. Então, não há uma novidade dentro do que a gente faz. Mas há uma coisa muito legal aqui, que é uma coisa de que realmente gostamos, que é a transparência da evidência. Deixar evidente aquilo que está aparecendo. Seja através de uma estrutura aparente, seja através de um material que não vamos mentir que é outro material. Seja através da transparência para você ver o outro lado. Tanto nas casas que não têm essa evidência aparente, que são as casas brancas que escondem a estrutura, mas também escondem a estrutura exatamente pelo fato de ser uma casa mais barata e a gente tem que fazer isso dessa maneira… Você está entendendo? Que é uma resposta…