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my city ISSN 1982-9922

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O artigo aborda a complexidade dos conflitos fundiários no Brasil em termos legislativo, arquitetônico, sociológico e geológico, em especial na cidade de Belo Horizonte.

how to quote

BORGES NETTO, Marco Antonio. Interpretar é preciso, viver, não. Complexidade dos conflitos fundiários urbanos. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 145.03, Vitruvius, ago. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.145/4415>.



A arquiteta e professora Ermínia Maricato, no website Carta Maior (1), diz que as cidades fornecem destaques diários para a mídia escrita, falada e televisionada. Mas nem por isso a questão urbana ocupa um espaço prioritário na agenda política nacional.

Mais do que um problema político, os conflitos fundiários no Brasil se dão por desconhecimento técnico da legislação – aplicação e interpretação – e de conceitos arquitetônicos, sociológicos e geológicos.

O que faz com que atualmente muitos pesquisadores trabalhem sem problemas em sociedades complexas, considerando que o “outro”, que mora ao lado, são “pessoas que vivem sob a pressão das mesmas forças estruturais que nós, e que, em muitos casos ostentam valores e crenças idênticas. Porém, pressupor de antemão essa semelhança é submeter todas as falas a um mesmo paradigma de análise” (2). É ter um conhecimento superficial da sociedade e descartar ou ignorar tudo o que foi produzido desde então, além de não analisar o contexto histórico do porque das ocupações urbanas.

Segundo Edésio Fernandes,

“já existe um acúmulo significativo de conhecimento sobre as drásticas mudanças territoriais, culturais e ambientais provocadas pelo crescimento urbano acelerado. No entanto, na grande maioria dos estudos urbano-ambientais, o direito – incluindo leis, decisões judiciais, doutrina e jurisprudência, enfim, a cultura jurídica mais ampla – tem sido reduzido à sua dimensão instrumental. Para este autor, de um modo geral, o direito tem sido subestimado pelos analistas mais radicais como se fosse tão somente um instrumento político de discriminação e exclusão social, ou aceito sem reservas por outros, ou como se fosse meramente um instrumento técnico, que se presta a dar soluções imediatas aos galopantes problemas urbanos e sociais" (3)

E a Lei de Introdução ao Código Civil: na aplicação das leis, "o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum".

Ou seja, é a ineficácia de nossa legislação ambiental ou das leis de uso e ocupação do solo que impõem restrições à ocupação destas áreas, restringem a ação reguladora do Estado, mas não conseguem coibir as ocupações, oferecendo o território à informalidade com a consequente potencialização dos riscos e dos processos de degradação ambiental.

Contudo, menos evidente, porém, é a extensão do risco ambiental e social a toda a sociedade, seja sob a forma de poluição das águas e do solo, do assoreamento dos fundos de vale e inundações em áreas de ocupação formal, ou sob a forma crescente e flagrante de desigualdade econômica e de acesso a bens e serviços e sua consequência mais imediata e indesejável: a alarmante elevação da violência e da criminalidade urbana, nas cidades brasileiras, expressão objetiva da insustentabilidade do modelo socioambiental praticado no Brasil.

Como defende Marcelo Lopes de Souza, por corporificar as várias crises “reais ou supostas de que se ouve diariamente falar – ecológica, do capitalismo, de valores, do Estado e várias outras” (4), as metrópoles são como o lugar da crise, também a sua possibilidade de superação.

Imaginemos, pois, os efeitos benéficos – extensíveis a toda a sociedade – que poderiam advir da eleição das áreas de ocupações precárias como prioritárias nos investimentos públicos e programas de recuperação socioambiental das cidades. No caso de Belo Horizonte, as maiores e as mais antigas favelas e aglomerados localizam-se em áreas privilegiadas da cidade, ao longo da Serra do Curral na porção sudeste do município, e ocupando áreas nas cabeceiras de importantes córregos urbanos, por vezes estendendo-se por vários quilômetros ao longo de seus leitos. Também na porção norte da cidade, como é o caso da Comunidade Dandara (5) e da extinta Ocupação Eliana Silva (350 famílias ocuparam um terreno no Bairro Barreiro, em Belo Horizonte. O município de Belo Horizonte conseguiu na Justiça a reintegração de posse em maio de 2012), as cabeceiras de vários cursos d’água da Bacia do Onça abrigam populações de baixa renda, em processos mais recentes de ocupação, mas igualmente devastadores.

Dessa forma, a política habitacional não enxerga a cidade como um todo, como um sistema. A região da Dandara e da Eliana Silva são compostas por áreas de cabeceiras, de cursos d’água. Não é à toa que são Zonas de Proteção e encontram-se em uma Área de Diretrizes Especiais, e devem ter uma ocupação menos adensada. Então esse modelo de ocupação para baixa renda com lotes individuais, do ponto de vista ambiental, é ideal. No entanto, não é isso que vai ser feito. No caso de Dandara, há um projeto de verticalização de grandes edifícios com muitos apartamentos. No caso do terreno da Eliana Silva, o Poder Público não apresentou propostas.

A função primordial da habitação é a de abrigo. Mesmo com toda a evolução tecnológica, sua função primordial tem permanecido a mesma, ou seja, proteger o ser humano das intempéries e de intrusos (6).

Segundo Fernandes (7), a habitação desempenha três funções diversas: social, ambiental e econômica. Como função social, tem de abrigar a família e é um dos fatores do seu desenvolvimento. Segundo Abiko (8), a habitação passa a ser o espaço ocupado antes e após as jornadas de trabalho, acomodando as tarefas primárias de alimentação, descanso, atividades fisiológicas e convívio social. Assim, entende-se que a habitação deve atender os princípios básicos de habitabilidade, segurança e salubridade.

Na função ambiental, a inserção no ambiente urbano é fundamental para que estejam assegurados os princípios básicos de infraestrutura, saúde, educação, transportes, trabalho, lazer etc., além de determinar o impacto destas estruturas sobre os recursos naturais disponíveis. Além de ser o cenário das tarefas domésticas, a habitação é o espaço no qual muitas vezes ocorrem, em determinadas situações, atividades de trabalho, como pequenos negócios. Neste sentido, as condições de vida, de moradia e de trabalho da população estão estreitamente vinculadas ao processo de desenvolvimento.

Além do mais, o impacto ambiental e social será menor se o Poder Público levasse em consideração a permanência dos ocupantes nos terrenos e não optar simplesmente pela expulsão deles do terreno. Em se tratando de sustentabilidade, como os terrenos estão em áreas já consolidadas, com toda a infraestrutura urbana pronta, o transporte e a compra de materiais de construção civil seriam mais em conta aos cofres públicos. E retirando as pessoas sem darem a ela uma solução definitiva, o conflito fundiário será levado para outro imóvel.

E mais, a municipalidade tem entregado nas mãos do Judiciário a resolução de questões que são de prioridade dela, como políticas públicas de habitação. Não se deve, antes de uma exaustiva negociação e entendimento completo da situação, apelar ao Judiciário.

Infelizmente, o desconhecimento de condicionantes ambientais, sociais e arquitetônicos tem sido uma prática nefasta em se tratando de planejamento urbano. Basta lembrar que só recentemente criou-se o Drenurbs. Que é um programa da Prefeitura de Belo Horizonte elaborado para ser implementado em fases sucessivas. O Drenurbs está promovendo a despoluição dos cursos d'água, a redução dos riscos de inundação, o controle da produção de sedimentos e a integração dos recursos hídricos naturais ao cenário urbano. E mesmo assim o Governo do Estado, em parceria com a Prefeitura, cobriu quilômetros do Rio Arrudas (Bulevar Arrudas), na contramão do referido programa.

Dessa forma, uma hermenêutica interpretativa e jurídica faz-se necessário.

Antes de aplicar e interpretar as leis, a pessoa que trabalha questões urbanas, deve, principalmente, interpretar a situação por inteiro. Para Geertz “a boa interpretação é uma descrição densa, isto é, uma descrição microscópica de eventos bem particulares, mas que são capazes de falar algo sobre grandes questões, sobre as sociedades nas quais estão contextualizados” (9).

Ou seja, as questões urbanas não são tão simples quanto parecem ser. Reduzir os ocupantes como marginais e oportunistas ou como imaculados, não resolverá situação nenhuma de conflito fundiário.

notas

1
MARICATO, Ermínia. Cidades-Urgente: colocar a questão urbana na agenda nacional. Carta Maior <www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20298>.

2
FONSECA, Claúdia. Quando cada caso não é um caso: pesquisa etnográfica e educação. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 10, 1999, p. 13.

3
FERNANDES, Edésio. In SILVA, Alcione L. da; LAGO, Maria C. S.; RAMOS, Tânia R. O. (Org.). Falas de gênero; teorias, análises, leituras. Florianópolis, Editora Mulheres, 1999. p. 23.

4
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução. Crítica ao planejamento.  Bertrand Brasil. 2000, p. 18.

5
BORGES NETTO, Marco Antonio. Ocupações e ocupações. Minha Cidade, São Paulo, 11.128.03, Vitruvius, mar. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.128/3797>.

6
ABIKO, Alex Kenya. Gestão habitacional e mutirão. In: ABIKO, Alex Kenya; ALBIERI, Loredana. (Org.). Mutirão habitacional. São Paulo, Escola Politécnica, 1995.

7
ALFONSIN, Betânia de Moraes; FERNANDES, Edésio. A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano. Belo Horizonte, Del-Rey, 2003.

8
ABIKO, Alex Kenya. Op. cit.

9
GEERTZ, Clifford. Centers, kings and charisma: reflections on the symbolics of power. In: GEERTZ, Clifford. Local knowledge: further essays in interpretive anthropology. Nova York, Basic Books, 1983. Apud JAIME JÚNIOR, Pedro. Um texto, múltiplas interpretações: antropologia hermenêutica e cultura organizacional. ERA, São Paulo, Fundação Getulio Vargas/Escola de Administração de Empresas de São Paulo, vol. 42, n. 4, p. 78 <www.scielo.br/pdf/rae/v42n4/v42n4a08.pdf>.

sobre o autor

Marco Antonio Souza Borges Netto é urbanista, professor da Faculdade Pitágoras – Betim, Pesquisador do OPUR/PUC Minas e Mestrando em Ciências Sociais/PUC-Minas.

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