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O artigo destaca a cidade de Berlim como um dos mais bem sucedidos exemplos de cidades com extrema qualidade de ambientes urbanos
JANOT, Luiz Fernando. O exemplo de Berlim. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 145.07, Vitruvius, ago. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.145/4453>.
Preservar e conservar edificações e espaços públicos tem sido uma prática habitual na maioria das cidades europeias. Não é a toa que Paris, Londres ou Berlim são reconhecidas mundialmente pela extraordinária qualidade dos seus ambientes urbanos. Se na Europa essa meta costuma ser compartilhada solidariamente pelos diferentes setores da sociedade, no Brasil não se pode dizer o mesmo. Talvez, quem sabe, o estatuto colonial que predominou na nossa cultura por vários séculos explique, em parte, o desapego da sociedade pela coisa pública. Entretanto, nesse momento em que o Rio ascende à categoria de Patrimônio Mundial, deslumbra-se uma excelente oportunidade para estender a reconhecida qualidade da sua paisagem cultural urbana para outras áreas da cidade.
No Europa, sempre que a demanda impõe a oferta de novas habitações o processo é feito de maneira integrada e sem comprometer a estrutura urbana existente. Adotar esse conceito de planejamento urbano só tem sido possível graças à existência de um eficiente sistema de transporte intermodal que permite conectar, facilmente, o núcleo central com as áreas urbanas renovadas. Sem essa mobilidade dificilmente a expansão urbana alcançaria o sucesso desejado. Um dos exemplos mais bem sucedidos encontra-se em Berlim, cidade que sofreu duas rupturas seguidas no seu tecido urbano e na sua estrutura espacial. A primeira ocorreu durante a II Guerra Mundial, quando ela foi praticamente destruída pelo intenso bombardeio aéreo. A segunda, anos depois, diante da sua nefasta divisão em Berlim Ocidental e Oriental. Para agravar ainda mais as consequências dessa ruptura espacial foi construído um grotesco muro materializando o que se entende por “cidade-partida”. Ao contrário das muralhas medievais que tinham como objetivo proteger os feudos dos eventuais invasores externos, o “Muro de Berlim”, na verdade, impedia o convívio fraternal entre pessoas nascidas num mesmo território. Felizmente, com o tempo, a reunificação acabou acontecendo e, hoje Berlim se tornou uma cidade sem áreas segregadas. Daquele passado sinistro restou apenas a demarcação simbólica do trajeto onde o muro existiu.
A reconstrução de Berlim, desde a sua unificação, prossegue de forma ampla e integrada sem privilegiar qualquer localidade específica. O tecido urbano continua sendo recomposto por meio da recuperação de alguns prédios semidestruídos, da requalificação de edificações obsoletas e por novas construções preenchendo vazios urbanos existentes nas quadras. A primorosa concepção arquitetônica desses edifícios valorizou a volumetria do conjunto, sem perder, contudo, os aspectos relativos à criatividade. Por sua vez, nas áreas que foram totalmente destruídas durante a guerra e que configuravam espaços inóspitos, foram introduzidas novas tipologias de edifícios corporativos e residenciais, ressaltando a originalidade de cada prédio. Em ambos os casos, o excelente resultado alcançado comprova, de maneira exemplar, a importância que a arquitetura representa para contexto urbano e vice versa.
Pena que no Rio, por pressão do mercado imobiliário e de interesses escusos, a arquitetura e a cidade continuem sendo tratadas de forma imediatista e inconsistente. A demanda do mercado por novas unidades habitacionais não pode continuar sendo aceita como único argumento para justificar prédios de má qualidade e expansões exageradas da malha urbana. Ao invés disso, seria bem melhor e mais econômico oferecer um transporte de massa eficiente e adensar os bairros da zona norte com moradias de qualidade. Essa seria uma maneira eficaz de evitar a desvalorização e a decadência dessas áreas tradicionais da cidade. Por outro lado, facilitaria, também, a vida da classe trabalhadora que é obrigada a se deslocar, diariamente, por horas a fio, das áreas periféricas onde residem até os locais de trabalho. Dessa forma, se romperia o círculo vicioso que leva uma expressiva parcela da população a preferir viver em habitações precárias em morros da cidade – próximos aos locais de trabalho – do que cumprir esse dispendioso e desgastante ritual de locomoção diária.
Enquanto o poder público e as classes dirigentes não se conscientizarem da necessidade de reverter essa perversa realidade dificilmente se alcançará algum êxito no controle da expansão das favelas. Independentemente de se continuar investindo na urbanização dessas comunidades para integrá-las definitivamente ao tecido urbano da cidade, deve-se priorizar, simultaneamente, a readequação do seu aspecto visual de forma a agregar valor à cidade e elevar a autoestima dos moradores. Parte do dinheiro gasto pelo governo com obras supérfluas ou despropositadas – e não são poucas - poderia ser destinado, a fundo perdido, para esse fim. Certamente, a população carioca agradeceria sensibilizada e a “paisagem cultural urbana” do Rio se tornaria ainda mais valiosa do que atualmente ela é.
nota
NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. O exemplo de Berlim. O Globo, Rio de Janeiro, 21 jul. 2012.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.