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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Este texto apresenta um relato elaborado a partir de um trabalho de campo, no qual foram visitadas e analisadas algumas experiências arquitetônicas e urbanísticas desenvolvidas ao longo da Cuenca Matanza Riachuelo, região periférica de Buenos Aires

english
This paper presents a report compiled from a field research, in which we visited and analyzed some architectural and urban planning experiments developed over the Matanza Riachuelo Cuenca, peripheral region of Buenos Aires

español
En este trabajo se presenta un informe elaborado a partir de trabajo de campo, en el que se visitaron y analizaron algunas experiencias de arquitectura y el urbanismo desarrollado a lo largo de la Cuenca Matanza Riachuelo, en la región periférica de Bueno

how to quote

CARRASCO, André de Oliveira Torres. Cuenca Matanza Riachuelo. Reconhecendo a periferia de Buenos Aires. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 145.08, Vitruvius, ago. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.145/4454>.



Nadie ignora que el Sur empieza del otro lado de Rivadavia. Dahlmann solía repetir que ello no es una convención y que quien atraviesa esa calle entra en un mundo más antiguo y más firme.
Jorge Luis Borges, El Sur, 1944.

1. Rios Matanza e Riachuelo

Os rios Matanza e Riachuelo definem o limite sul da Cidade Autônoma de Buenos Aires. Sua bacia hidrográfica – ou cuenca, em castellano – delimita uma das áreas mais pobres e urbanisticamente degradadas dessa cidade e da província bonaerense. O lado sul do mapa nessa metrópole latino - americana representa, de fato, no imaginário corrente, um mundo mais firme, como nos contava Borges. Mas se o escritor falava de firmeza em um sentido de algo constante, estável, definitivo – oposto à histórica fluidez da vida portenha – atualmente o sentido dessa expressão se manifesta na forma como a precariedade se impõe a seus habitantes; precariedade dura, firme, estável, que os coloca em uma situação de imobilidade – também oposta à fluidez da vida portenha contemporânea – semelhante a um beco sem saída.

Na Cuenca Matanza Riachuelo residem cerca de 3,3 milhões de habitantes (25% da população de Região Metropolitana de Buenos Aires). Desse total, 76% vivem em áreas localizadas na Província de Buenos Aires e 24% dentro da Capital Federal. Esse sistema constituído por áreas urbanizadas formal e informalmente de médias e altas densidades, por zonas industriais de grande porte, em alguns casos separados por vazios urbanos, se desenvolve ao longo de aproximadamente 70 km e 2.300 km2.

É interessante notar que a maioria dos turistas brasileiros, ao visitarem a cidade de Buenos Aires, em geral conhecem pelo menos os dois extremos dessa região. Em uma ponta, o Aeroporto Internacional de Ezeiza, no município de Ezeiza. Na outra, o Caminito, no bairro da Boca, um dos pontos turísticos mais visitados da capital.

Esse trabalho tem como objetivo apresentar o que é a Cuenca Matanza Riachuelo para além desses dois pontos. Discutir alguns momentos do processo de produção do espaço urbano da Cidade de Buenos Aires e de sua Região Metropolitana, destacando o modo como as contradições impostas por esse processo viria a se territorializar principalmente como precariedade urbanística e ambiental.

O texto tem como base um trabalho de campo realizado na Cuenca Matanza Riachuelo no primeiro semestre de 2012, uma das atividades desenvolvidas na condição de docente da disciplina de Proyecto Urbano da Cátedra Fernandez de Castro da Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (FADU) da Universidad de Buenos Aires (UBA).

2. Boca / Vuelta de Rocha

O trabalho de campo começou no Bairro da Boca, mais especificamente no Caminito. Essa atração turística localiza-se junto à Vuelta de Rocha. Esse lugar foi o primeiro porto da cidade, condição que até hoje marca sua paisagem. A infraestrutura portuária resiste; alguns elementos quase como arqueologia, outros incorporados aos novos usos definidos pela atividade turística, como os antigos atracadouros.

É uma região da cidade relativamente bem atendida pelo sistema de transporte público. São muitas as linhas de ônibus que chegam até ali. A estação Constitución, terminal de trens, metrô, e ônibus também está próxima. Se no passado o processo de constituição desse sistema se relacionou com a necessidade de atender um bairro com alta densidade populacional e uma área produtiva estratégica, sua manutenção, após a derrocada dessa estrutura produtiva e sua degradação urbanística, explica-se principalmente pela necessidade de se levar turistas à região. Nesse sentido, é possível afirmar que a Boca, um dos lugares mais tradicionais da cidade, poderia ser caracterizada como um bairro no qual o poder público e os turistas podem passear distraidamente diante de cortiços reais, exercitando um cinismo bastante funcional, enquanto falsos cortiços, caricaturas mal feitas dos originais, são tratados como se fossem, de fato, o bairro ou a cidade. Azar do restante da Cuenca Matanza Riachuelo, que sem seus (im)possíveis Caminitos, ficou somente com a degradação urbanística e ambiental.

3. Estación Irigoyen Linea Belgrano Sur

O segundo lugar visitado foi a Estação Hipólito Irigoyen, que integra a linha General Roca do ramal Sul do sistema de trens metropolitanos da Província de Buenos Aires. Ela se localiza no bairro de Barracas e é a primeira parada após a Estação Constitución.

Apesar de estar muito próxima a um dos mais importantes terminais de trens-ônibus-metrô da cidade, é uma das estações menos movimentadas do sistema. Isso se explica pelo fato de que uma das principais funções desse equipamento não é exatamente servir como uma estação de transbordo. A tipologia adotada para a sua construção em 1904 (talvez seja a única estação elevada de todo o sistema ferroviário bonaerense) e o local escolhido para tanto (a aproximadamente 400 metros do Riachuelo) sugerem que a Estação Irigoyen foi concebida também como um equipamento que garantiria o suporte necessário para que esse ramal ferroviário cruzasse o rio.

É importante notar que esse suporte foi pensado tanto nos termos da engenharia quanto da arquitetura e urbanismo. Se a engenharia garantiu a elevação da cota dos trilhos, sua arquitetura garantiu uma implantação bastante amigável. O edifício possui uma escala muito próxima à definida pelo seu entorno (Barracas é um bairro constituído principalmente por sobrados). Em sua frente existe um largo, possivelmente remanescente de sua construção. Aos fundos, uma praça, que se desenvolve paralelamente ao largo e assim como esse se conecta com uma rua de maior movimento. O acesso à estação pode ser feito tanto pela praça quanto pelo largo.

Essa estação nos conta um pouco sobre como a expansão da rede de infraestrutura urbana na Cuenca Matanza Riahcuelo se realizou – em seu tempo - de forma concreta.

4. Colonia Sola – viviendas de obreros de los ferrocarriles

Nesse mesmo registro é possível analisar as Viviendas de Obreros de los Ferrocarriles. Foi uma das primeiras experiências de habitação de interesse social de Buenos Aires, datada de 1889. Destinada a atender os trabalhadores ferroviários, foi construída em Barracas, junto às oficinas dos Ferrocarriles del Sur. É um conjunto de quatro edifícios, com um térreo mais um primeiro piso, com circulações externas, construídos em tijolo a aparente, ferro e madeira. A expansão urbana de Buenos Aires definia assim o papel de Barracas nesse contexto. Bairro no qual a moradia da classe trabalhadora dividiria espaço com indústrias pesadas e um sistema de infraestrutura de escala metropolitana.

5. Villa 21-24

Chegar a Villa 21-24 é chegar ao século XX. Mais precisamente, chegar àquele momento, situado imprecisamente entre os anos 50 e 70, no qual a falência de nosso modelo de desenvolvimento social e econômico já não podia mais ser ignorada.

Em linhas gerais, é uma favela muito parecida a tantas que conhecemos no Brasil, porém tem como excepcionalidade o fato de localizar-se às margens do Riachuelo (ocupa parte da área de um antigo porto) e de ser dividida em duas por uma linha férrea. A maioria das casas é de alvenaria com dois ou três pavimentos e as redes de água e eletricidade, clandestinas. É a segunda maior de Buenos Aires, perdendo apenas para a Villa 31 (única villa da Cidade Autônoma de Buenos Aires localizada fora da Cuenca Matanza Riachuelo).

A Villa 21-24 foi batizada pela ditadura argentina. Como forma de sistematizar sua política de remoção de villas, foram designados números como nomes para esses assentamentos. Elas então passaram a se chamar Villa 1, Villa 2, Villa 3, assim, sucessivamente, até a Villa 31. Desse universo restaram apenas 14 villas (1, 3, 6, 11, 14, 15, 16, 17, 19, 20,21, 24, 26 e 31). Todas as demais foram removidas, muitas delas no teatro de operações das obras para a Copa do Mundo de 1978. E muitas outras surgiram depois, adotando outros nomes.

6. Villa Soldati / Villa Lugano

Diante do avanço do processo de urbanização informal, e da impossibilidade de atendimento dessa demanda por moradia, uma das respostas do Estado diante desse impasse foi a construção de conjuntos habitacionais de grande escala em áreas periféricas. Villa Soldati e Villa Lugano, construídos na década de 60, inserem-se nesse contexto.

Assim como nossas conhecidas “cohabs” esses conjuntos concretizam, em sua arquitetura e urbanismo, as abstrações que pautaram as concepções modernistas de matriz corbusiana sobre a habitação e a cidade.

As condições em que atualmente se encontram esses dois conjuntos sugerem que as soluções projetuais e programáticas adotadas em Villa Lugano responderam melhor ao processo de apropriação, por parte de seus moradores (atualmente cerca de 20 mil), de seus espaços livres e construídos, quando comparadas às adotadas em Villa Soldati. Na medida em que o primeiro atualmente se apresenta como um bairro urbanisticamente qualificado e consolidado, atendido por um sistema de comércio, serviços, lazer e infraestrutura, o segundo caracteriza-se principalmente pela degradação de seus edifícios e áreas livres.

Villa Lugano é um conjunto formado por edifícios de 14 pavimentos, servidos por elevadores, nos quais o térreo e o primeiro piso tem uso comercial. A disposição dos blocos define um eixo central, no qual se encontra uma avenida que garante o acesso de veículos ao conjunto. As áreas comerciais tem frente para essa avenida, e se conectam entre si através de um sistema de passarelas que cruzam a avenida principal. Junto a essa avenida também existe um centro cívico – que funciona e recebe atividades sociais e culturais da comunidade – ao redor do qual foram construídos novos equipamentos, públicos e privados.

Villa Lugano está muito perto da Av. General Paz, que define os limites da Cidade de Buenos Aires. O trabalho de campo teria sequência no conurbano bonaerense, no município de Ezeiza.

7. Ciudad Evita/ Barrio Uno / Piletas Peronistas

Em 1945, ainda como candidato a presidente, Juan Domingo Perón inaugurava o Aeroporto Internacional de Ezeiza. A implantação desse importante equipamento de infraestrutura, localizado a 30 km do centro da capital, definiria um novo eixo de expansão urbana no sentido capital-província, ao longo da Autopista Ricchieri.

O Estado, desse modo, aproveitaria a oportunidade para estabelecer uma política de planejamento para essa região, na tentativa de estabelecer um equilíbrio entre a demanda existente por moradia e infraestrutura e o processo de expansão urbana que atenderia a essa demanda.

Desse modo, foram projetados e construídos, ao longo da Autopista, uma série de bairros-jardim, que promoveriam a ocupação da região a partir de uma urbanização de baixa densidade. Ciudad Evita e Barrio Uno foram construídos nesse contexto.

A adoção do modelo de bairro-jardim colocava-se como uma novidade em relação ao tradicional reticulado da Ley de Indias. Mas ainda assim não abandonava elementos do urbanismo tradicional, como lotes, ruas e praças; elementos que seriam ignorados no urbanismo dos grandes conjuntos dos anos 60. Foram previstas áreas comerciais, equipamentos de serviços públicos e a ocupação dos lotes a partir de distintas tipologias.

Atualmente esses dois bairros-cidades estão muito bem conservados e apresentam dinâmicas próprias de sociabilidade, sem deixar de manter sua relação com as cidades e bairros vizinhos. É possível afirmar que sua arquitetura se adaptou muito bem ao cotidiano de seus moradores, na medida em que poucas alterações podem ser observadas.

A ocupação desse eixo, no entanto, não foi pensada apenas nos termos da habitação. Para atender as necessidades de lazer dos trabalhadores da região metropolitana de Buenos Aires foi criado o parque que atualmente é conhecido como Piletas Peronistas. É um parque marcado pela existência de um conjunto de piscinas públicas, atualmente abandonadas, que conferem a paisagem em caráter próximo do surreal. São duas piscinas de 500x100 metros e uma de 300x300 metros. Imagens da época mostram que foram intensamente utilizadas durante anos, e posteriormente abandonadas a partir da queda do peronismo. O parque foi reformado, segue sendo intensamente utilizado, porém não existe uma previsão para a recuperação das piscinas.

8. Conclusão

Essas experiências foram os resultados das distintas formas de articulação entre planejamento, políticas de desenvolvimento econômico e políticas de inclusão/exclusão social que se desenvolveram na Cuenca ao longo de sua história. História que remonta a fundação de Buenos Aires e que a colocou como protagonista no processo de formação, consolidação e crise dessa cidade. Cada uma delas traz consigo as marcas de seu tempo, e por isso também carregam a possibilidade de serem reconhecidas, criticamente, como referências para futuras possibilidades de intervenção em um cenário de tamanha complexidade.

sobre o autor

André de Oliveira Torres Carrasco é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2000). Mestre em Arquitetura e Urbanismo (2005) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, com dissertação defendida na área de concentração Estruturas Ambientais Urbanas. Atua profissional e academicamente nas áreas de Planejamento e Projeto Urbano, Regularização Fundiária e Habitação de Interesse Social. Doutor em Arquitetura e Urbanismo (2011) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, com tese defendida na área de concentração Projeto, Espaço e Cultura. Atualmente é docente nas disciplinas de Projeto Urbano e Projeto de Arquitetura na Cátedra Fernandez de Castro, na Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (FADU) da Universidad de Buenos Aires (UBA).

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