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my city ISSN 1982-9922

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Na sua reabertura depois de dois anos de interdição, as belas marcas do velho Vale Anhangabaú que impregnam os edifícios, a Praça Ramos de Azevedo, a Galeria Prestes Maia e a Praça do Correio são assombradas pela pobreza e abandono dos moradores de rua.

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SAMPAIO, Celso Aparecido. Anhangabaú. Uma praça nova assombrada pela velha pobreza. Minha Cidade, São Paulo, ano 22, n. 253.01, Vitruvius, ago. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/22.253/8191>.


Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio


Olha as pessoas descendo, descendo, descendo
Descendo a Ladeira da Memória
Até o Vale do Anhangabaú
Quanta gente!
Vagando pelas ruas sem profissão
Ladeira da Memória, Grupo Rumo

Hoje, domingo, dia primeiro de agosto, visito o novo Vale do Anhangabaú me deslocando até o local de automóvel. Depois de dois anos fechado, com investimento na casa dos R$ 105 milhões e entrega adiada por sete vezes, o vale reabriu ao público no último domingo do mês de julho.

Entro no centro antigo pela Praça da Sé, tomada por pessoas em situação de rua. O logradouro também atrai a visitação pública, com seus espelhos d’água, chafarizes e a praça seca defronte a catedral, onde fica o marco zero da cidade ladeado por palmeiras imperiais – marco que mede as distâncias em relação ao centro. A praça está hoje tomada por pessoas sem casa, que se acomodam como podem para se esconder do frio e da chuva, algumas nos acessos da estação do metrô.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

Sigo para o Pátio do Colégio, outro ponto de atração a visitação pública onde mais pessoas em condição de rua se acomodam. A seguir, pela Boa Vista – rua onde particularmente gosto de andar mesmo que a calçada seja estreita – chego ao Largo São Bento, onde os decks de madeira do programa Centro Aberto ajudam a aquecer as inúmeras pessoas que se alojam sobre sua estrutura. Estaciono o carro na Rua Libero Badaró em frente ao Edifício Martinelli, onde mais pessoas em situação de rua ocupam o térreo do prédio e a Avenida São João, no trecho entre a Libero Badaró e o Vale do Anhangabaú.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

O Vale hoje se transformou em uma grande laje em cota mais elevada que a anterior, com bancos, estares e canteiros guardando uma vegetação ainda a se desenvolver; ao centro, linhas de esguichos distribuídos regularmente, alguns quiosques e escadas de acesso conectando a rua Formosa. Poucas pessoas utilizam o espaço: pais com crianças, pessoas cruzam o espaço, casais olham as exposições e o amigo professor Fabio Mariz dá uma entrevista – não ouso incomoda-lo, afinal iria distraí-lo.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

Olho com mais atenção: talvez haja mais pessoas contratadas pela prefeitura do que visitantes; para entreter os usuários, um grupo de palhaços encenam brincadeiras com os passantes enquanto funcionários controlam os acessos e cuidam do cercado feito com cavaletes metálicos e sinalizado com placas indicativas de entrada, saída e saídas de emergência.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

Balanços pendurados a partir do viaduto do Chá estão em um segundo cercadinho exclusivo, com controle de entrada e saída. Confesso a tristeza que me acomete, não sinto vontade de usar o balanço ou de desfrutar daquele lugar; um sentimento de não pertencimento me abate. Observo ao redor e me vejo cercado por muitas pessoas, andando a esmo, ou sentadas nos bancos, ou deitadas em barracas cobertas por plásticos. O Vale se assemelha a uma ilha cercada por cavaletes metálicos, com uso controlado e com prédios vazios ou ociosos em seu entorno, talvez pela pandemia, quem sabe pelo abandono.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

Anteriormente, a falta de ligação entre o Vale e as ruas lindeiras e seus edifícios era um problema flagrante; hoje, os novos quiosques implantados com a reforma e ainda sem uso criam uma barreira. Quem sabe no futuro ajudem a estabelecer uma relação com os prédios, definindo um caminho de caráter urbano e local, mas podem se transformar em fundos inóspitos voltados para estas ruas.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

Os chuveiros estão desligados, a manhã está muito fria. Com o grande espaço ainda desconectado dos espaços de cultura e a Praça das Artes fechada, são nas duas ruas paralelas e longitudinais que acontece a fruição e a ligação entre os pontos significativos e de uso cotidiano, como as estações de metrô.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

As grades de isolamento não permitem os deslocamentos longitudinais e estabelecem uma divisão clara entre espaços segregados: a praça Ramos, a laje e as ruas lindeiras. Aberta, a Praça do Correio está cheia de vida, com os skatistas se divertindo ali e também nas escadarias que ligam a Libero Badaró ao grande Vale.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

Para uma avaliação mais aprofundada, melhor aguardar uma ocupação efetiva, sem cavaletes, sem cancelas, sem entradas e saídas, sem hierarquia. Mas o que vi me faz lembrar o mau agouro presente no significado de Anhangabaú na língua tupi: “rio ou água do mau espírito”. Da minha parte, gostaria que na cidade toda a população pudesse ter espaços públicos de qualidade para usufruir e que as pessoas sem casa tivessem casa para morar.

Vale do Anhangabaú reaberto após dois anos de interdição
Foto Celso Aparecido Sampaio

nota

NA – Agradeço a amiga Luciene Covolan pela sugestão de usar como epígrafe a música “Ladeira da Memória”, do Grupo Rumo.

sobre o autor

Celso Aparecido Sampaio é arquiteto e urbanista pela FAU Mackenzie, 1988, mestre pelo IAU USP São Carlos, 2000 e doutorando pela FAU Mackenzie. Foi Diretor do Instituto dos Arquitetos do Brasil Seção São Paulo (2010-2011) e como gestor público atuou como diretor técnico da Cohab-SP (2015-2016), diretor de habitação na Prefeitura Municipal de Santos André (2005-2006). Atualmente é professor de Projeto na FAU Mackenzie.

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