A avenida W-3 em Brasília tem sido objeto de intensa discussão, em que se tem buscado soluções para a sua aparente decadência, dado que foi lugar de efervescente vida urbana – boêmia, cultural, de lazer tão popular quanto sofisticado – nos anos 1960 e 1970. Sobretudo os comerciantes lamentavam – e sentiam nos seus negócios – a decadência da Avenida, e iniciaram a luta pela recuperação de sua importância, da vitalidade perdida. E, como importantes vocalizadores dessa insatisfação, instaram ao Governo do DF – com o apoio e intermediação do IAB-DF, sobretudo daquele que viria a ser o Coordenador do Concurso, o prof. arq. Aleixo Anderson Furtado, a promover uma concorrência de idéias que levassem à revitalização da avenida. Esse foi um raro caso de compromisso com a qualidade de vida na cidade levado a cabo na forma de um concurso de projetos, como um instrumento de democrática transformação de seus espaços, algo que fazemos questão de apontar, preliminarmente.
Os grupos organizados dessa especialíssima comunidade foram capazes de vocalizar em tom alto e claro as suas pretensões, e esse foi o ponto de partida para o nosso trabalho. Os comerciantes e as lideranças comunitárias levantaram um debate de enorme importância para a cidade planejada, e levaram à realização de um concurso de idéias com importantes repercussões para o futuro de sua gestão.
E, claro, observe-se que a questão da revitalização foi colocada para uma extensa faixa com várias zonas urbanas, num arco de aproximadamente 12 quilômetros com cerca de 600 metros de largura, em pleno polígono de tombamento da cidade modernista. O volume de objeções a modificações nesse polígono, estabelecido no final dos anos 1980, quando Brasília é reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, é tal que até hoje o Plano Piloto não tem um PDL – Plano Diretor Local, o que abre brechas para que lamentáveis modificações em sua configuração tenham sido introduzidas recentemente.
A nossa proposta considerou as circunstâncias dessa demanda no contexto da evolução urbana de Brasília – o que significa também que a evolução da organização da comunidade envolvida (moradores, comerciantes, trabalhadores, freqüentadores, etc) também foi considerada e estudada.
De um modo geral, o ponto de partida foi o reconhecimento do conjunto de relações ecológicas – bem próximas daquelas definidas pelo psicólogo Roger Barker em sua proposição de uma "psicologia ecológica" – entre diferentes grupamentos comunitários: a) os comerciantes, prestadores de serviços e trabalhadores formais e informais; b) os moradores; c) os usuários e freqüentadores.
A essa altura deve-se esclarecer que o trabalho foi desenvolvido como parte das atividades do Laboratório de Psicologia Ambiental, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, e nele tomaram parte 11 (onze) psicólogos e um arquiteto.
Isso ajuda a compreender porque se considerou a "revitalização" de uma área urbana como um processo que tem fundamento não apenas em aspectos físicos do ambiente, mas também nas avaliações que as pessoas fazem do seu habitat, e no modo como agem nela.
A proposta foi, assim, baseada em pesquisa realizada com comerciantes, usuários e moradores da Avenida W-3, bem como em diversos procedimentos de observação do comportamento das pessoas (especialmente ao percorrer calçadas, lojas e espaços públicos), e de levantamento das condições e características físicas de determinados "componentes" do diversificado cenário urbano dessa extensa área (como seus pontos de ônibus, seus estacionamentos, suas praças, as fronteiras entre zonas urbanas, as áreas de convívio ao redor do blocos, etc).
As relações ecológicas consideradas entre esses grupamentos (que contêm, diga-se, algumas inconsistências e imprecisões, mas que parecem suficientes para um primeiro diagnóstico) envolvem também o uso formal dos espaços, suas formas físicas, sua paisagem, suas normas legais. Enfatizou-se em especial a ecologia desses grupos com respeito aos espaços públicos, sobretudo os diferentes interesses e necessidades de importantes subcategorias: as crianças, os idosos, os portadores de necessidades especiais, cujas exigências quanto à qualidade ambiental nos balizaram.
Com isso se indicou a enorme importância da observação e de análise das relações humanas no espaço e no tempo, onde ocorrem. Não se fantasiou sobre um usuário genérico, idealizado, nem se tentou impor à Avenida uma nova ordem urbanística, nem tampouco foi privilegiada uma solução digamos, configuracional, a um problema urbano dessa extensão que enfeixa enorme complexidade de relações.
As análises sobre essas três "categorias comunitárias" levaram a considerações sobre modificações em duas enormes famílias de espaços (que necessariamente se sobrepõem, mas que constituíram as principais instâncias espaciais a arrematar o modelo ecológico estudado): i) os espaços de convívio, e; ii) os espaços viários e de circulações. E, finalmente, considerou-se a questão das escalas de impacto e transformação que as relações ecológicas comunitárias implicariam: A) escala local (com as sub-escalas das edificações, dos conjuntos de edificações em blocos e quadras, dos conjuntos de quadras e zonas urbanas, dos conjuntos de zonas urbanas em alguns macro-arranjos de vizinhanças, do Plano Piloto de Brasília), e; B) escala urbana e metropolitana (do conjuntos dos bairros de Brasília, suas centralidades e da rede urbana sob sua influência).
O resultado é um enorme volume de modificações, que atingem, em sua maior parte, situações extremamente específicas: a maior parte das propostas somente se aplica a uma determinada quadra, comercial, residencial ou institucional, como seja: são particulares. São, literalmente, centenas de obras. Evidentemente há modificações de maior escala, que abrangem conjuntos de quadras, e que passam a chamar a atenção do público e dos arquitetos (como no caso das modificações na via W-2, que é duplicada e permite o trânsito de veículos nos dois sentidos, da criação de rotas de ônibus pequeno-circulares, para citar uma das diversas propostas que não se referiam a obras físicas).
As mais importantes modificações dizem respeito à constituição da avenida como um corredor cultural. Trata-se de um grupo especialmente destacado de edificações a serem objeto de projetos particulares (desenvolvidos por concurso, quem sabe), e que abrigariam grandes instituições na área das artes e da cultura em geral – provocativamente, há diversas citações pela inclusão da cultura indígena brasileira nas feiras, museus, mostras, atividades, em reconhecimento à sua (nem sempre bem aceita, às vezes tragicamente recusada) presença na avenida W-3.
A aceitação desse conjunto de propostas se deve, presumimos, ao modo como se buscou responder à demanda de revitalização com o aproveitamento de muitas oportunidades que já existem em toda essa área urbana. Há enorme vitalidade em áreas assim, aparentemente degradadas, marginalizadas, e parece exigir um esforço de recuperação dos recursos de já existem, ao par do investimento criterioso e seletivo em atividades inovadoras. Contrapomos ciclos sócio-espaciais (ecológicos,pode-se dizer) criativos e regeneradores a ciclos sócio-espacais degenerativos, mas com o resgate dos vários sentidos que a vitalização / deterioração tem para quem avalia o próprio habitat.
A maior parte das propostas alimentou-se diretamente das situações reais, das considerações feitas pelos moradores, trabalhadores, usuários, e num sentido amplo, os projetistas ambientais comportaram-se como compiladores de soluções que estavam à frente de todos. Acreditamos que um trabalho efetivamente interdisciplinar, entre psicólogos ambientais e arquiteto foi iniciado, e que a comunidade tem diante de si uma significativa explicação acerca da natureza de seus problemas e de cenários abertos para a discussão.
No caso, um grupo gestor será nomeado pelo Governo do Distrito Federal, para deliberar sobre as modificações que serão implementadas – o que envolverá as proposições dos demais concorrentes.