Brasília dos brasilienses
Revitalizar a W3 envolve, além do aspecto tangível, valores intangíveis, como a preservação da memória coletiva, a recuperação dos significados e a identidade local. Foi em busca de traduzir através do projeto urbanístico a memória e identidade brasilienses que se chegou ao conceito “Música Urbana para Todos”.
Desde a inauguração até os dias de hoje, Brasília pode ser dividida entre dois momentos quanto à composição de sua população. O primeiro deles foi o da Brasília formada pelos “estrangeiros”; candangos, políticos, funcionários públicos. Com o passar do tempo foram surgindo as primeiras gerações de brasilienses, os quais construíram sua própria cultura e identidade local.
Nacionalmente, Brasília é reconhecida por sua produção cultural; a cena musical da cidade é a marca da capital, que foi decisiva ao delinear os rumos da música brasileira recente.Desde os primeiros grupos de dublagem, que originaram diversos grupos de rock e da Jovem Guarda, a cidade vem consolidando seu espaço no cenário musical nacional. Os festivais de música estudantil reforçaram o movimento. Na década de 70, formam-se as primeiras bandas influenciadas pelo punk rock. Foi só na década de 80, entretanto, que grupos como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude ganharam a atenção do país inteiro. Das Rockonhas para o Brasil. As letras politicamente engajadas de Dinho Ouro Preto e Renato Russo, juntamente com as do Plebe Rude, ao mesmo tempo que exaltavam o Planalto Central, criticavam suas mazelas e tornavam refrão palavras que até então poucos se atreviam a pronunciar.
Brasília passou a ser conhecida como a Capital do Rock, diante de um cenário arquitetônico e urbanístico de vanguarda se desenrolava a renovação cultural nacional. A cena musical da capital federal, entretanto, não se resume ao rock. A cidade conta também com importante movimento rap, inúmeros grupos de chorinho, bandas de jazz, forró, pagode, samba, reggae... enfim, todo o tipo de manifestação musical. Especificamente na W3, o que se verifica é uma alta concentração de estúdios de ensaio, cerca de dois a cada quadra. Some-se a isso o crescente ressurgimento de bares e locais que têm proporcionado novos palcos para os artistas confirmando o forte papel desempenhado pela musica na construção da identidade e da memória da cidade e de seus habitantes fenômeno que se verifica especialmente na W3 desde os idos da década de 1960, quando a via era o cenário do carnaval brasiliense.
A relação entre música e arquitetura pode se dar desde a esfera formal até mesmo a compositiva, visto que tanto uma como a outra se articulam através de padrões semelhantes, como ritmo, harmonia, escala, intervalos, dinâmica, movimento e tantos outros.
“Música Urbana para Todos” é o elo entre a abordagem teórica e empírica; um instrumento que nos permitiu contextualizar o projeto num universo rico em particularidades com a compreensão da cidade como espaço das relações humanas. Mais do que o lugar onde acontece a história, a cidade é parte dela, visto que o espírito próprio nasce do uso que o habitante faz de sua cidade; o planejador limita-se a prever uma série de palcos para o encenar dos papéis humanos.
Estratégia formal
O Plano Piloto estrutura-se a partir do cruzamento de dois grandes eixos organizacionais, o Eixo Monumental (leste-oeste) e o Eixo Rodoviário (norte-sul). O primeiro se caracteriza como uma passarela por onde desfilam os elementos especiais da cidade; a área reservada para abrigar a escala monumental prevista por Lucio Costa. Ao longo do Eixo Rodoviário, se desenvolvem, longitudinalmente, a escala residencial e gregária. Este eixo gera outras vias que cortam tanto a Asa Norte como a Asa Sul. A Avenida W3 é uma delas. A Brasília dos brasilienses se movimenta longitudinalmente, ao longo das asas norte e sul.
Buscando combinar uma lógica geométrica, um critério formal, ao conceito de “Música Urbana para Todos”, o projeto se concentrou na intenção de criar espaços especiais ao longo da Avenida W3, lugares onde se pudesse manifestar e construir a cultura local. Visto que a única intervenção transversal contínua de Lucio Costa sobre o Plano Piloto é justamente o Eixo Monumental, o qual, como mencionado, abriga “espaços especiais”, optou-se por organizar as novas intervenções ao longo da W3 paralelamente ao mesmo, segundo a construção de uma malha imaginária. Não se objetiva, com isso, competir com a escala monumental, tampouco criar novos setores monumentais. Trata-se, sim, de construir espaços identitários, que contribuam para orientabilidade ao longo da via. Havia, também, a preocupação em privilegiar o pedestre. A circulação dos automóveis se dá segundo o fluxo norte-sul, é pertinente pensar em espaços transversais destinados ao pedestre.
A interferência viária no sentido leste-oeste prejudicaria a articulação original do Plano Piloto, congestionando o sistema de ruas. Trabalhar com as transversalidades a fim de criar espaços onde o carro é coadjuvante revelou-se uma estratégia satisfatória.
Chegou-se, então, ao projeto das praças, que, além de demarcar o ritmo da “música urbana” brasiliense, identificam os diferentes setores da via. Um eixo paralelo ao Monumental, organiza a implantação dos elementos da praça, o que soma para a orientação do indivíduo dentro do próprio espaço visto que a axialidade principal se dará sempre no sentido leste-oeste. As outras linhas que regulam a inserção dos demais equipamentos de cada praça originam-se nos infinitos segmentos que tangenciam o arco formado pela curvatura da asa.
Apesar de a orientação geográfica do eixo de intervenção ser sempre a mesma, cada espaço gerará resultados distintos, visto que a “envergadura” das asas faz com que, a cada situação, o ângulo formado entre a praça e o Eixo Monumental seja diferente. Ou seja, se estabelece um padrão sem cair na monotonia.
A proposta busca reforçar o caráter local da intervenção, criando referências urbanas transversais às vias de circulação W3 integrando social e espacialmente os diversos tecidos existentes: superquadras 100 e 300, quadras 500 (comércio e serviços), quadras 700 (mistas comercial e residencial). O projeto objetiva a construção de “praças” e espaços que gerem dinâmicas locais e reforcem as redes de relacionamento social e comercial na pequena escala do “bairro”. Proporcionar espacialidade à escala gregária local.
Equipe
Letícia Teixeira Rodrigues, Pedro Augusto Alves de Inda, Rafael Simões Mano, Márcia Heck, Ana Carolina Pellegrini (3C Arquitetura e Urbanismo Ltda).
Colaboradores
Clóvis Ramalho Marques, Marcelo Mascarello, Débora Becker.
Estudantes
Patricia Voltolini, Vinicius de Medeiros, Carolina Furlanetto, Chaiene, Danielle Hoppe, Jovana Timotijevic, Leonardo Arnold Mader, Ricardo Langer Magrisso, Ricardo Dias Michelon, Vaneska Henrique Santos, Wu Day Yi.
Consultores
Briane Bicca, Paulo Bicca, Maria Izabel Milanez