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PORTAL VITRUVIUS. Concurso Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo - XVII Congresso Brasileiro de Arquitetos. Projetos, São Paulo, ano 03, n. 034.02, Vitruvius, out. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/03.034/2236>.


Sobre a linha do tremEnsaios na orla ferroviária paulistana

A região metropolitana de São Paulo, aglomeração urbana que atualmente concentra 18 milhões de habitantes, não possui, em sua paisagem, lugares de dimensão e importância que constituam referência física ou simbólica para seus habitantes. Esse papel referencial na metrópole, de estabelecer uma noção de unidade frente à imensa extensão e os contrastes presentes nesta paisagem, pode ser cumprido pelos eixos que a cortam, no caso os rios e a rede de infra-estrutura existente. No entanto, o crescimento desordenado da cidade e as transformações que sofreu ao longo do tempo nunca tiraram partido dessa condição particular.

Dentre estes eixos, aquele composto pela rede ferroviária possui 275 km de extensão, percorre toda a cidade e estabelece neste percurso relações muito distintas com a malha urbana. Parte essencial do sistema industrial que se estabeleceu na cidade desde o século passado, necessitava de diversos ramais para escoar sua produção e portanto teve suas margens, nas áreas mais centrais da cidade, ocupadas por galpões em grandes glebas que caracterizam a tipologia fabril. Por outro lado, nas periferias, foi responsável pelo estabelecimento de aglomerados nos seus pontos de parada, contribuindo para que a malha da cidade se estendesse cada vez mais. Na medida em que aquele antigo parque industrial foi perdendo a sua importância, a ferrovia foi sendo deixada em segundo plano. Nas áreas centrais sobraram estruturas abandonadas e grandes áreas lindeiras às linhas que permaneceram em funcionamento, enquanto na periferia a ocupação chegou até suas bordas, transformando a ferrovia numa barreira. No entanto, essa idéia de barreira traz uma interessante contradição, pois do mesmo modo que divide, sua presença traz a possibilidade da conexão, do deslocamento rápido através da extensão quase intransponível do território. Ela não é somente um eixo capaz de estabelecer uma referência metropolitana, mas contém em si mesma a possibilidade de percorrer a metrópole.

Foi por isso que escolhemos essa área como o foco de nosso trabalho.

Atualmente, o sistema ferroviário vem passando por transformações, recebendo investimentos e sendo cada vez mais intensamente utilizado para o transporte de passageiros, processo que tende a provocar uma valorização das áreas até então abandonadas de suas margens. Considerando que toda a cidade de São Paulo teve seu crescimento caracterizado pela lógica da especulação imobiliária, o mercado deve voltar os olhos para a área da ferrovia, e para que não aconteça com elas o mesmo processo é necessário debater seu destino. A orla ferroviária tem potencial para se transformar em espaços públicos de importância metropolitana, pois possui grande significado para a memória da cidade.

Na tentativa de ressaltar seu potencial de referência na cidade, nossa proposta é constituída de um sistema de espaços públicos, que configuram praças de equipamentos localizadas em diversos lugares do percurso do trem, utilizando os vazios contíguos à linha, as áreas ocupadas pelos ramais em desuso ou edifícios existentes que se encontram à sua margem.

Como elemento principal, esse sistema é caracterizado por uma rua para pedestres, formando conjuntos que possam ser implantados elevados sobre a ferrovia, articulando os equipamentos públicos propostos e usos já existentes. Essa rua elevada estabelece um novo térreo, e costura, para o pedestre, a malha urbana interrompida pela via férrea possibilitando relações que antes não aconteciam. É uma praça, que por sua dimensão e possibilidade de usos e conexões seria um espaço não só de passagem mas, principalmente, de estar na cidade. Como regra, seria acessada por circulações verticais tão freqüentes quanto possível, para que pudesse tornar-se um percurso articulado com o térreo existente da cidade, ou mesmo alternativo ao chão, animado pelos equipamentos que se desenvolvem ao longo dela. Também podemos pensar novas tipologias para os edifícios que a circundam e conectam-se a ela – que tivessem pavimentos livres nesta cota intermediária, acessos e usos diferenciados sob e sobre a cota do trem.

À medida que se destinam ao pedestre, a extensão dessas praças de equipamentos fica limitada a uma distância que ele seja capaz de transpor e apreender, e deste modo, nossa intervenção sobre o trem se dá em trechos, como núcleos, e não ao longo de toda a linha. Concebemos esses núcleos implantados em diferentes pontos da ferrovia, articulados pelo próprio trem, configurando um sistema de caráter metropolitano, pois interligado por uma rede de transporte de massa capaz de cobrir a dimensão da cidade. Cada uma das estruturas propostas é pensada a partir das particularidades do lugar onde estão implantadas, considerando suas características, usos, geografia e equipamentos existentes possíveis de ser conectados. Desse modo, não há um modelo de implantação único, aplicável em todos os lugares, mas uma maneira de entender esses espaços que pode gerar várias formas de ocupação dentro de uma única estratégia.

Essa concepção, no entanto, pressupõe a utilização de um sistema estrutural padrão para estas ruas elevadas, que possui, como característica, uma solução singela, de caráter de montagem – pilares pré-moldados, aos quais se sobrepõe a rua em estrutura metálica – e que apresenta dimensões compatíveis com as da ferrovia. Nesse sentido, projetamos suas peças com tamanhos possíveis de ser transportadas pelo próprio trem, podendo ser montadas sem interferir no funcionamento da ferrovia e nem depender de alterações na calha quanto à cota e dimensão. Em conjunto com soluções padronizadas de acessos verticais, pontes que conectam a rua elevada aos equipamentos e algumas possibilidades de infra-estrutura – por exemplo a realização de estações sob esta rua – pensamos um sistema simples, flexível, capaz de se adaptar às situações próprias de cada lugar.

1. Bom Retiro

Escolhemos três áreas para implantar, como exemplos, este sistema. Cada uma delas apresenta uma relação particular entre a linha do trem e a malha urbana, e ao mesmo tempo são amostras de situações recorrentes na extensão da cidade e em sua relação com a ferrovia. Com estes exemplos, nosso trabalho procura chamar a atenção para a área da ferrovia, suas questões, suas possibilidades, sua dimensão, que é efetivamente metropolitana não somente por se estender por 275 km, mas por permitir uma abordagem que a caracteriza como tal.
Localizado na região central da cidade, O Bom Retiro concentra em suas ruas estreitas uma das principais áreas de comércio atacadista da cidade, que produz um intenso fluxo de pessoas na região. Este movimento convive com galpões abandonados e ruas que ainda mantém o uso residencial. Em um trecho da linha férrea de 3,5 km de extensão, há apenas 3 locais de transposição, sendo que nesta área a orla ferroviária possui grande largura, com muitas linhas desativadas entremeadas por edifícios vazios, como o antigo Moinho Central.
O projeto, neste exemplo, procura articular esta diversidade, com um programa composto por áreas de lazer, justamente uma das maiores deficiências na área central, tão repleta de outros equipamentos. Propomos então equipamentos esportivos e culturais de caráter público – edifício de quadras, uma grande piscina, teatro, oficinas no edifício do antigo Moinho, costurados pela rua elevada, configurando, com isso, um respiro que se aproveita de sua localização para afirmar seu caráter de equipamento metropolitano.

2. Jaraguá

A linha de trem de subúrbio que liga Pirituba ao centro de São Paulo foi construída acompanhando o rio Perus, portanto exatamente no fundo do vale. A urbanização típica de periferia – horizontal, residencial, auto-construída – ocorreu dos dois lados da estação Jaraguá gerando um conflito entre o pedestre, os automóveis e o trem quando a única avenida que liga os morros cruza o vale.

Aqui a estrutura proposta articula os dois lados do vale através de uma série de equipamentos públicos e de um grande espaço vazio – uma praça – que sugere uma outra maneira de apropriação do espaço comum. Os equipamentos propostos ligados a essa estrutura caracterizam o que costuma ser o núcleo de um aglomerado urbano: a praça, o mercado, a escola. Adaptando-se à topografia existente a intervenção procura preservar a antiga estação e dialogar com a paisagem marcada pelo relevo.

3. São Miguel Paulista

Neste exemplo, o trem restrito à sua calha mínima e segregado entre muros, corta um trecho de cidade com uma malha viária regular e com uma ocupação densa e predominantemente residencial que chega rente à linha. Localizada entre as estações de São Miguel e Itaim Paulista, muito distantes uma da outra, e carente de espaços e equipamentos públicos, esta área poderia receber uma estação que a qualificasse como um centro de bairro. Junto à ela propomos alguns equipamentos públicos – quadras esportivas, oficinas, teatro, biblioteca e uma conexão com o Centro de Ensino Unificado que está sendo construído num terreno próximo. Aqui, esta etrutura de equipamentos configura-se realmente como uma rua, possibilitando percursos e conexões e reestabelecendo seu uso como espaço público.

ficha técnica

Equipe
Anna Kaiser Mori, Ciro Miguel, Fernando Bizarri, João Sodré e Juliana Braga
Orientador
Ângelo Bucci
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

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Equipe premiada
São Paulo SP Brasil

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034.02 Concurso
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original: português

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IAB-RJ
Rio de Janeiro RJ Brasil

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034.01 Concurso

2003 Ecohouse Design Competition

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